O Garoto da Bicicleta

“O Garoto da Bicicleta”- “Le Gamin au Vélo”, Bélgica/ França/ Itália, 2011

Direção: Jean-Luc e Pierre Dardenne

 

Qual é a maior necessidade de um ser humano?

Eu diria que é sentir-se amado e, principalmente, poder amar alguém. E que isso é visceral nas crianças.

A referência amorosa cria caminhos que nos levam de volta para casa. Casa que nos acolhe e que diz quem somos.

Graças aos irmãos cineastas, os Dardenne, à sensibilidade deles e claro, podemos inferir, à biografia amorosa dos dois, temos no cinema o encantador

“O Garoto da Bicicleta”, uma lição de amor.

Um menino, Cyril (Thomas Doret) e uma bela e intuitiva fada madrinha (Cécile de France) nos ensinam que, para começar, o amor precisa de dois para existir.

Se o pai de Cyril não pode ou não quer exercer essa função, o filho vai aprender que o coração, quando ajudado pela mente que estuda as experiências de vida pelas quais passamos, sempre encontra o caminho e a pessoa certa.

Mesmo que muitos erros aconteçam nesse procurar.

Afinal, como aprender sem se enganar e depois pensar sobre isso?

A bicicleta, aqui, é metáfora de liberdade, qualidade essencial que o ser que procura o amor precisa ter. Daí Cyril lutar com unhas e dentes pela sua.

Como pode encontrar o amor quem não circula?

Cécile de France, que nós vimos como a turista francesa que passa por um “tsunami” no belo filme de Clint Eastwood, “Além da Vida”, empresta todo o seu talento ao rosto sensível de Samantha, a moça sem ninguém que reconhece e vive com vontade o amor que aparece, de repente, em sua vida.

Ela mostra para Cyril que o amor não é passivo. Que ele vigia, conduz com firmeza.

Não sendo um sentimento fácil, exige muito dos dois que querem praticá-lo.

E como um fruto, o amor nasce verde e precisa de um ambiente favorável para amadurecer. Entre dias de sol e outros de vento e trovoadas, certamente.

Thomas Doret vive o menino abandonado no orfanato com alma. Seu rosto ensombrecido, emburrado, raivoso mesmo, vai se iluminando aos poucos, até o final do filme.

Os irmãos Dardenne ganharam o Grande Prêmio do Juri no Festival de Cannes nesse ano. Merecido, porque acertaram em tudo em “O Garoto da Bicicleta”.

E encerram sua lição de amor com uma bela chave: a melodia límpida, grave e delicada do adágio do Concerto para piano e Orquestra No 5, “Emperor”, de Beethoven.

Tocada por Alfred Brandel, um dos maiores pianistas vivos, a música nos embala e saímos do cinema pensando na nossa infância. Emocionados.

 

 

Este post tem 0 Comentários

  1. Alice Carta disse:

    Este filme já vi e adorei, mas as tuas considerações sempre me interessam,bjs
    Alice

  2. Nanna disse:

    Legal esta mistura explícita da psicanalista com a crítica. É seu diferencial. Você devia fazer isto mais vezes. Bjão.

    • Eleonora Rosset disse:

      Nanna querida,
      Pois é. Eu tb gosto qdo vem assim. Mas meus textos são mt naturais e sem esquemas pré-fabricados. Sou psicanalista no consultório, claro, mas nem sp um psicanalista psicanalisa o tempo todo.
      Aliás nem acho que esse texto tenha psicanálise nele. Mas tem uma vivência do amor e dos laços afetivos que eu aprendi na vida e nos livros da minha vida.
      Aliás pessoas são o meu aprendizado favorito. Lidar com elas é a minha escola.
      Por isso adoro comentários e responder a eles. É aí que o meu texto cria um espaço vivo de ressonâncias que eu espero tanto que aconteça.
      Escrevo para aproximar as pessoas de mim!
      E vc? Pq acha que escreve seus textos tão ricos de experiências vividas?
      Obrigada querida Nanna , senhorita Safo

  3. Acho q é a segunda vez q vc cita esse blog da senhorita Safo e penso q já até dei um busca e não achei.
    Será q vc ou ela poderiam me passar o link?
    Fiquei curiosa, pq se a Eleonora gosta tanto, deve ser mto bom mesmo.
    E o nome me parece bem sugestivo.

  4. sonia clara ghivelder disse:

    Eleonora querida,
    Este é sem dúvida um texto inspirado na sua inteligencia e qualificação.
    É preciso ser tão sensível para perceber os delicados “corredores” da alma e o que fazer com eles já que tudo começa em casa, a que nascemos.
    Vou assistir este filme no fim de semana e volto aqui.
    baci
    Sonia Clara

  5. Eleonora
    Cf. sua previsão no final de seu texto, embora em contexto diferente, minha infância retornou com as rodas dessa bicicleta – que me era fascinante! – e que você “metaforizou” em liberdade. A gente não sabia o que era isso ainda – se bem que nem sempre sabemos sua real versão – mas o movimento, o vento no corpo LIBERAVAM a sensação de leveza. Na falta de asas para voar, os aros para doar. Belas lembranças!

    Chamou minha atenção, a marcação de duas figuras humanas “extremadas” no centro das buscas do garoto: de um lado, o pai egoista renegando e rejeitando o que lhe era devido e no outro, a estranha, mas fértil de acolhimento e generosidade, abrindo, com leveza e firmeza, sua Vida e a do garoto da bicicleta. Contagiante!
    Parodiando vc, “é preciso circular para o Amor e a Vida”
    Bjs

  6. “Teclando” o certo para que o significado não fique incerto: “na falta de asas para voar, aros para rodar.”
    Gratos!

    • Eleonora Rosset disse:

      Wilson,
      E o garoto pedalando com ela ao lado do rio ficou para mim como um momento especial. A troca de afeto entre os dois é emocionante. O garoto devolve a ela a bicicleta e tudo o que vem com ela: conversas, vento nos cabelos, sorrisos, brincadeiras. A alma mais leve!
      Bjs

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