O segredo dos seus olhos

“O segredo dos seus olhos” - "El secreto de sus ojos" , Argentina/Espanha, 2009

Direção: Juan José Campanella

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Olhos falam demais… Não são conhecidos como janelas da alma?
É essa linguagem, compreendida pelos bons observadores da natureza humana, que dá o título ao filme que, surpreendendo a todos, ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro de 2009.
Dirigido com excelência por Juan José Campanella, que também fez “O filho da noiva” em 2001 (grande sucesso de bilheteria no Brasil), esse “azarão” latino-americano abiscoitou a estatueta que muitos já viam nas mãos de Michael Haneke pelo excepcional “A fita branca”.
A Argentina comemorou o prêmio com festas no Obelisco, tradicional lugar de comemorações futebolísticas.
“O segredo dos seus olhos”, além de sucesso de público, foi também muito bem visto pela crítica especializada do país.
Bem portenho, o filme se passa entre as paredes de mármore do imponente prédio que abriga o Tribunal Penal de Buenos Aires, os cafés típicos da cidade e o estádio de futebol Huracán.
E vai falar de paixão.
Conta uma história de amor que leva 25 anos para ser entendida e tem, como pano de fundo, um crime passional misterioso, acontecido nos anos 70, envolvendo uma bela jovem que foi violentada e torturada, conhecido como “o caso Morales”.
O excelente ator Ricardo Darín interpreta com emoção e força um oficial de justiça aposentado, Benjamin Espósito, que resolve escrever um romance. Olha o seu passado e vê no caso Morales o assunto de seu livro.
Acontecido durante o governo de Isabelita Perón e da repressão estatal exercida por um grupo que arregimentava gente da pior espécie entre civis e ex-militares, o caso Morales tinha sido investigado por Benjamin Espósito, seu amigo Pablo Sandoval e a bela Irene, chefe dos dois.
Espósito e seu parceiro Sandoval (o ótimo Guillermo Francella), tal Don Quixote e Sancho Pança, ao atuar como detetives enfrentam aventuras que misturam momentos de humor e de tragédia.
Irene (Soledad Villamil), chefe dos dois no Tribunal, sempre vestida de tons vermelhos, é a paixão secreta de Espósito que não ousa levantar os olhos para ela.
Em “flashbacks” ficamos sabendo do desenrolar dessa história de amor, paixão e sede de vingança, ao mesmo tempo que, no presente, um homem e uma mulher revêem suas vidas e as oportunidades desperdiçadas.
Uma curiosidade cinematográfica: uma paixão dos argentinos, o futebol, estrela uma sequência que já ficou famosa. A longa cena começa como se víssemos o estádio Huracán de um helicóptero e fazendo um zoom continua com uma perseguição em meio aos espectadores do jogo, terminando com um close no rosto do assassino deitado e subjugado no gramado do campo. Foi tão bem feita que os cortes não são notados. Pareceu ser um único plano sequência. É de tirar o fôlego.
Alguns não viram em “O segredo dos seus olhos” mérito maior que essa sequência que mostra o talento e a criatividade do diretor Juan José Campanella.
É uma injustiça porque o filme reúne elementos de sobra para merecer o prêmio que ganhou.
Aliás esse é o segundo Oscar de melhor filme estrangeiro que a Argentina ganha. O outro ficou com “A história oficial” de 1985, dirigido por Luis Puenzo.
Em meio a graves crises econômicas, a Argentina vê hoje o seu cinema conquistar 58,3% do mercado total de seus espectadores no país. E claro que conta com fãs no mundo todo.
Histórias bem contadas, apoio de incentivos estatais e o surgimento de inúmeras escolas de cinema no país nos últimos vinte anos explicam esse feito.
O Oscar não é mais do que a confirmação dessa realização bem sucedida.

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500 dias com ela

"500 dias com ela" - "(500) Days of Summer", 2009

Direção: Marc Webb

Espere muito mais de “500 dias com ela” do que simplesmente mais uma comédia romântica daquelas que as mulheres vão ver sozinhas ou com as amigas à tarde.
Porque o diretor, Marc Webb, em seu primeiro longa, depois de muitos vídeo-clips, surpreende.
Para começar, ele desconstrói um dos preconceitos de gênero mais arraigados que existem: nesse filme é o homem que é romântico de uma forma irrealista. É ele que idealiza o amor e espera angustiado pela “alma gêmea” que vai acabar com todos os seus dias ruins.
Acontece que ela, Summer, não é daquelas menininhas bobas que não sabem nada da vida.
Para o espectador que não entende inglês, é melhor explicar que o nome dela é Verão. E que, para quem mora em países onde existe um inverno rigoroso, só se pode ter certeza de 120 dias de verão. Para essas pessoas, o sol é um bem apreciado.
Ronaldo Bôscoli, um compositor brasileiro dos começos da bossa nova, captou o espírito do verão como ninguém:
“Dias de luz,
Festa de sol,
E o barquinho a deslizar
No macio azul do mar…
………………………
Tanto mar e luz!
Dias tão azuis!”
E essa explosão de cores e calor explica o encantamento de Tom, nosso garoto, pela garota Summer que é, para ele, tudo isso que Bôscoli cantou.
E mais.
A personagem tem pitadas de Gigi, do filme musical que todo mundo de uma certa idade conhece: é desligada e infantil. Como também é esperta e sofisticada como uma Holly Golightly saída de “Breakfast at Tiffany’s”.
É uma menina que lembra também os anos 60 em Ipanema onde todas as mulheres do mundo queriam ser Leila Diniz: preza a sua liberdade, gosta de sexo e quer ser tratada de igual para igual pelos homens. Mas não deixa de ser feminina um minuto. Chora no cinema mas enfrenta a vida com decisão.
Enquanto nosso garoto espera dela promessas de amor eterno, ela faz com que ele viva dias de “luz e sol” como ninguém tinha feito com ele antes.
E se torna inesquecível como toda mulher por quem um homem se apaixona. “Adoro tudo nela”, diz Tom. Quando está com ela o mundo se ilumina, quando ela não está Los Angeles fica gráfica, sem cor, vazia.
O filme tem também o mérito de contar uma história tão batida de “boy meets girl” (garoto encontra garota), em um ritmo diferente, indo para a frente e para trás, em uma cadência nova, ao som de músicas gostosas.
Menção especial para os sussuros de Carla Bruni cantando “Quelqu’un m’a dit que tu m’aimes encore” (Alguém me disse que você ainda me ama).
O recurso da tela dividida em duas, que não é novidade, ganha aqui uma ideia nova: de um lado as expectativas do garoto, de outro a realidade, o que realmente está acontecendo em sua relação com Summer.
E assim, entre trilha sonora caprichada e roteiro original, vemos os encontros e desencontros de uma história que não é uma “love story”, como nos previnem com humor já nos titulos iniciais do filme.
“500 dias com ela” é um filme que diverte, encanta e faz com que nos identifiquemos com as situações criadas, qualquer que seja a nossa idade. Afinal, o amor não tem idade mas estações. E, depois de um verão de luz e sol, só depende da nossa competência e de algumas coincidências, deixar que aconteça um outono surpreendente em nossas vidas.

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