Saturno em Oposição

“Saturno Contro” Itália/ França/ Turquia, 2007

Direção: Ferzan Ozpetek

Oferecimento Arezzo

Tudo começa com a câmara nos oferecendo dois belos homens preparando um jantar numa cozinha transada.

Percebe-se um clima de intimidade calorosa entre eles.

Uma voz masculina em “off” diz:

“- Talvez eu não devesse ter convidado ele para jantar…”

É o narrador, Lorenzo (Luca Argentero), o mais jovem.

Ele vive com o escritor Davide (Pierfrancesco Favino de “Que Mais Posso Querer”) e, nessa noite, tinha convidado o amigo Paolo para jantar em sua casa e conhecer seu companheiro.

A eles se juntam os vários amigos que vão entrando.

Neval (Serra Ylmax), uma mulher de meia-idade e cabelos brancos curtos, é a primeira a chegar. Toca a campainha e anuncia pelo interfone:

“- É a Gestapo”, diz com voz de brincadeira.

Paolo entra com ela, que é casada com o policial Roberto (Fillippo Timi, o Mussolini de “Vincere”), e já vai sendo bombardeado com perguntas:

“- Lorenzo falou de mim para você? Você conhece ele há muito tempo? Já transaram? “

É assim, de chofre, que entramos em contato com a turma de amigos. E é, aos poucos, que vamos conhecendo melhor cada um deles.

Roberta (Ambra Angiolini), por exemplo, é uma morena atraente que faz sua aparição no banheiro, cheirando cocaína. Dança e canta, sensualmente, uma canção espanhola na sala, sendo admirada por todos.

“- Tenho Saturno em oposição…” diz ela, lamentosa, a um surpreso Paolo.

É a astróloga do grupo e sua auto-estima é baixa.

Angélica (Marguerita Buy) é psicóloga e dá cursos para quem quer parar de fumar. Pensa que convenceu todo o grupo a largar o vicio. Loura e bonita, é casada com Antonio (Stefano Accorsi), que escapa do jantar com a desculpa de comprar champagne e vai encontrar-se com a amante Laura.

Sergio, ex-namorado de Davide, é um homem maduro, entrosado com todos. Mais tarde, Roberta vai fofocar para Paolo:

“- Ele é Rebecca, a Mulher Inesquecível de Davide.“

O jantar está no auge. Comem, bebem, riem, dançam. Percebe-se que se conhecem há muito tempo. Entre eles há cumplicidade, gosto de estar na companhia uns dos outros, piadas particulares, sensualidade marcante e desinibida.

Em “off”ouve-se a voz de Lorenzo:

“- Ver Davide com os amigos me faz sentir segurança. Quero que tudo fique assim para sempre.”

Mas, infelizmente, a duração da vida humana é um mistério e aqui, nada é para sempre.

Um dia, Saturno, o senhor do tempo, cobrará de todos nós, a partida.

Da noitada alegre entre amigos passa-se para o hospital, sem que a vida dê maiores explicações. Ninguém é avisado com antecedência e quando um jovem é atingido, a surpresa e a sensação de desamparo ficam ainda mais fortes.

É em torno dessa idéia de um corte inesperado que Ferzan Ostepek, diretor italiano de origem turca, desenvolve o seu filme.

Sem pesar no tom, ele vai colocar seus personagens face a face com um desafio do qual não gostamos de falar: a morte dos outros faz lembrar que não somos eternos.

Conhecido entre nós pelo ótimo “O Primeiro que Disse”, Ferzan Ostepek tem uma câmara sensível que cria ângulos inesperados para o espectador.

Uma trilha sonora original pontua os momentos de empolgação ou de melancolia, fazendo com que a música participe do desenrolar da trama de forma importante, tornando-se quase que um personagem a mais.

Em “Saturno em Oposição”, o elenco de atores talentosos ajuda o diretor a desenvolver a história que vai da alegria e festa, à tristeza e o luto, de uma hora para a outra.

Apresentando a perda, Ferzan Ostepek faz pensar no poder da amizade, que ajuda o ser humano a se reerguer quando a coisa fica difícil.

Divertido e, nem por isso previsível, “Saturno em Oposição”, que passa por aqui com atraso, já que é um filme de 2007, aumenta a nossa vontade de conhecer melhor o novo cinema italiano.

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Minhas Tardes com Margueritte

“La Tête em Friche”, França, 2010

Direção: Jean Becker

Gérard Depardieu já não é mais o galã número 1 do cinema francês. Mas, aos 62 anos, gordo e com o infalível cabelo louro escorrido, não perdeu nem um pingo do seu talento, nem do seu charme.

Em “Minhas Tardes com Margueritte” contracena com a delicada e feminina Gisèle Casadeus, suave senhora de mais de 90 anos, que interpreta Margueritte. Ela vai entrar na vida do personagem de Depardieu e fazê-lo renascer.

O que pode unir uma dupla tão díspar?

Porque Germain Chazes é um homem inculto, cinqüentão pesadão e Margueritte é elegante, frágil e vive com um livro na mão.

Na praça da cidadezinha de Pons, no interior da França, serão os pombos que vão unir o casal improvável.

Esses pássaros, que Germain visita todos os dias com seu sanduiche na hora do almoço, trazem à tona a sensibilidade soterrada do homem, aparentemente embrutecido, que vai ser a ponte para a amizade dos dois.

“- São 19. Dei nome a cada um. Venho aqui todos os dias“, diz Germain à senhora sentada no mesmo banco do jardim.

Quando ela pede que ele lhe conte os nomes que escolheu para os pombos, um deles, Marguerite, faz a senhora exclamar:

“- Como eu! Só que o meu nome tem dois “tês”. Um erro de grafia do tabelião. Mas meus pais não se importaram. Sou filha de uma história de amor.”

“- Comigo foi bem ao contrário…” responde Germain.

E assim começa uma amizade que, desde o inicio, fala de uma necessidade de companhia amorosa e cuidados, que ambos vão se proporcionar.

“- Cuide de sua bolsa”, diz Germain na despedida.

“- Pelo que tem dentro…” responde Margueritte com um muxoxo.

“- Mas não está escrito nela”, replica o prático amigo, que procura em Margueritte algo que ele ainda não sabe o que é.

“Flashbacks” mostram que, quando menino, Germain era ridicularizado na escola pelo professor que se irritava com a sua “burrice”:

“- Até lendo em voz alta você faz erros de ortografia!”

E sua mãe não ficava atrás. Via naquele menino gordo de olhar pidonho, um nada:

“- Esse aí só dá prejuízo”, diz com voz cortante quando o filho deixa cair um copo de leite.

“- Mamãe me chamava de Isso”, conversa consigo mesmo Germain em sua cama. Tem como ouvinte seu gato.

“- Não tive um modelo. Tive que descobrir tudo sozinho”, completa ele, assinalando a falta da presença do pai em sua vida.

Mas nas conversas na praça com Margueritte, Germain começa a aprender coisas e cultivar seu espírito, terra fértil esquecida e agora semeada pelos ensinamentos nada pernósticos de sua amiga. Tudo isso acompanhado de uma atenção e interesse genuínos pela pessoa dele.

O filme, inspirado no livro de Marie-Sabine Roger, tem como titulo original “La Tête em Friche”que quer dizer cabeça sem cultivo, como se uma cabeça de alguém fosse um terreno largado onde ninguém planta nada.

Ora, ela lê “A Peste” de Camus para Germain e faz sua imaginação voar.

“Como se pode imaginar uma cidade sem jardins, sem pombos? “, pergunta o famoso escritor francês na voz de Marguerite, que começa a ocupar no coração de Germain, um lugar de uma mãe acolhedora e próxima, ao mesmo tempo fazendo o papel do pai, que ele nunca teve, apresentando-lhe o mundo.

O diretor Jean Becker, que é filho de cineasta e iniciou sua carreira como assistente do pai, disse em uma entrevista a Luiz Carlos Merten, perguntado sobre qual seria o tema do filme:

“É uma coisa que eu aprendi com meu pai. A cultura e o cinema podem tornar nossas vidas melhores.”

Quem gosta de livros e filmes, não pode perder “Minhas Tardes com Margueritte”.

O publico sai do cinema encantado com a dupla Germain/ Margueritte. Ouvem-se até alguns soluços no final. Mas são lágrimas de emoção, não de tristeza.

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