Terra Selvagem

“Terra Selvagem” – “Wind River”, Estados Unidos, 2017

Direção: Taylor Sheridan

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Numa noite de Lua cheia, um campo de neve brilha à luz do luar. Ali vai ser o palco de uma tragédia.

A garota que corre assustada, recitando com dificuldade palavras que parecem poesia, vai cair e a câmara mostra seus pés descalços. Do que ela está fugindo? Faz muito frio.

O corte abrupto para a luz de um dia brilhante mostra um rebanho de ovelhas e coiotes à espreita. Um tiro certeiro acaba com o predador e afugenta os outros. Um homem se levanta. Veste uma roupa camuflada e segura um rifle.

Cory (Jeremy Renner, excelente) trabalha para o serviço de Fauna e Flora da Reserva Indígena de Wind River, como caçador que protege rebanhos de ovelhas e gado.

Estamos em Lander, Wyoming, e Cory bate na porta de uma casa.

A mulher que o recebe pergunta irônica:

“- Tem sangue na sua camisa…Quem foi a vítima de hoje? ”

Cory veio buscar o filho pequeno na casa de sua ex-mulher. Ela é bonita e tem traços de uma nativa americana, que é como chamam agora os “índios” de antigamente.

A câmara mostra os olhos tristes dele que buscam o retrato de uma adolescente na prateleira da sala. Outras fotos mostram uma família feliz, ele e ela e os dois filhos. Mas essa família não existe mais.

O pai vai levar o filho para a casa dos avós maternos, onde vai ter que descobrir o animal que matou uma cabeça de gado:

“- Não tire os olhos dele… Você sabe por que…”diz a mãe friamente.

A beleza das montanhas e campos cobertos de uma neve virgem alivia um pouco um clima pesado que percebemos na fala das pessoas. Estamos na terra onde “cowboys” matavam os “índios” e os que se metiam com eles. Sem leis mas sempre armados, assim era e parece que ainda é.

Cory vai com o sogro ver o que aconteceu com o bezerro e ali vemos a experiência dele. Examinando os traços e pegadas na neve, diz:

“- É uma leoa da montanha. Teve dois filhotes no ano passado e está ensinando eles a caçar… E agora, toda a família vai morrer… ”

Mas algo mais terrível vai chamar a atenção do caçador. Com o seu “snowmobile”, ele vai ver o que é aquela mancha azul na neve branca, ao longe.

E outra caçada vai começar. Só que dessa vez não se trata de um predador que luta pela sobrevivência. É a crueldade humana que atacou. O médico legista afirma que a jovem morta foi estuprada várias vezes pelo mesmo homem ou vários deles.

Cory vai ter que ajudar a agente do FBI, Jane (Elizabeth Olsen), enviada para resolver o caso, porque ela está fora de seu elemento. E ele tem motivos pessoais para querer envolver-se com o drama acontecido.

Aliás todos ali naquela comunidade parecem padecer por perdas e luto.

Taylor Sheridan dirige pela primeira vez seu próprio roteiro. É o terceiro dele, que escreveu “Sicário” de 2015 e “A qualquer custo” de 2016. E mostra talento na direção da trama, levando o suspense palpitante até o fim e envolvendo o espectador sem truques e com um bom ritmo.

Seu objetivo, que Sheridan declarou em Cannes, onde foi premiado como o melhor diretor da Mostra “Um Certain Régard”: denunciar o pouco respeito com que os nativos americanos são tratados. Basta dizer que são a única comunidade sem recenseamento de pessoas desaparecidas.

Parece que o “Velho Oeste” ainda continua vivo e fazendo vítimas dentre esse povo sofrido…

 

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Os Meyerowitz: Família não se escolhe

“Os Meyerowitz: Família não se escolhe”- “ The Meyerowitz Stories”, Estados Unidos, 2017

Direção: Noah Baumbach

Infelizmente, a Netflix não prima pela qualidade dos filmes. A maioria é descartável, mero passatempo. Certo, há um público para um cinema-diversão em casa. Mas não é uma boa alternativa para os filmes em cartaz nos cinemas, a não ser para pessoas que não tem escolha.

Por isso, esse filme é uma exceção bem vinda.

“Os Meyerowitz” é dirigido por Noah Baumbach, 49 anos, responsável pelo delicioso “Frances Ha” de 2012 e “Enquanto Somos jovens” de 2015. Roteirista inteligente, com um humor fino e personagens nunca rasos, foi indicado ao Oscar por melhor roteiro original do seu filme “A Lula e a Baleia”de 2005.

Aqui ele conta a história de uma família que tem Dustin Hoffman, 80 anos, como um escultor que vive em Nova York e que não teve o sucesso que achava que merecia. Ele sempre se viu mais como artista do que como pai ou marido.

Professor aposentado, dono de uma única peça “lendária”, parece que adquirida e perdida no acervo do MoMA, seu ego enorme o protege da decepção no balanço de sua vida.

Já os três filhos, gerados em casamentos com mães diferentes, reclamam entre si da falta de atenção do pai deles, do egoísmo e da falta de acolhimento. São adultos, mas excetuando o mais moço (Ben Stiller), bem sucedido como empresário em Los Angeles, os outros dois (Adam Sandler e Elizabeth Marvel) sentem-se fracassados. São aquele tipo de flho que culpa o pai e a mãe por sua vida chata e não gloriosa, prato cheio para um bom terapeuta.

Os atores são todos de primeira linha, criando uma família disfuncional em torno ao pai, casado com uma Emma Thompson engraçada, sempre um trago a mais do que deveria, mas, em tese, recuperando-se do vício com uma versão própria dos Alcoólicos Anônimos.

Até Candice Bergen, numa ponta, faz lembrar a mulher belíssima e boa atriz que ela continua a ser.

Adam Sandler, em especial, está ótimo e convincente como Danny, o filho mais velho, que manca por causa de um quadril que ele evita tratar, preferindo chamar a atenção por esse defeito. É o que se considera mais injustiçado pelo pai que prefere o mais novo, à sua maneira distraida. Para compensar não ser o filho mais amado, acha que faz o melhor amigo e pai de sua filha Eliza (Grace Van Patten), uma mocinha que tem a maior paciência com os parentes e se dedica a fazer filminhos na faculdade de cinema, quase pornográficos, com personagens surreais.

No lançamento do filme no Festival de Cannes desse ano, Noah Baumbach disse que “Os Meyerowitz” não era para ser um produto Netflix mas que foi comprado na pós-produção e que ele tinha sido muito bem cuidado.

Bom sinal. Será que a Netflix está acordando para a qualidade de conteúdo de seus filmes? Tomara.

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