Ferrugem

“Ferrugem”- “Rust”, Brasil, 2017

Direção: Aly Muritiba

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A adolescência é sempre difícil. Todos sabemos disso. Insegurança, sentimento de inadequação, estranheza envolvendo o corpo que se modifica e perda do mundo da infância. Idealizações são substituídas por realidades ainda assustadoras. É um período de sentimentos exacerbados e grande fragilidade.

Foi sempre assim, mesmo que os cenários tenham mudado.

“Ferrugem” começa com uma excursão dos adolescentes de uma escola a um aquário. Meninos e meninas tiram selfies, falam alto e riem.

As “sereias”, com seus rabos falsos nadando pelo aquário, chamam mais a atenção dos adolescentes do que os peixes da Amazônia, que deveriam ser observados para o trabalho da aula de Biologia.

O professor se esforça dando explicações que mal são ouvidas.

A câmera se aproxima do rosto de Tati (Tifanny Dopke), 16 anos, que troca olhares com Renet (Giovanni de Lorenzi).

Na frente deles, em meio às pedras do fundo do aquário, um peixe verde que mais parece uma cobra, assusta com a boca aberta:

“- Sabia que um choque desse peixe pode matar quando ele se sente ameaçado? ”, diz Tati meio que provocando Renet.

Eles ainda não sabem mas vai começar uma tragédia, contada por um excelente roteiro, escrito pelo também diretor Aly Muritiba a duas mãos com Jessica Candal.

Na primeira parte do filme, Tati, que brigou com o namorado Nando e perdeu o celular, é alvo de “bullying” na escola. Um vídeo íntimo dos ex namorados é do conhecimento geral. Caiu no whatsapp de um aluno e se espalhou.

No corredor que leva às salas de aula, Tati percebe que algo estranho aconteceu. É recebida com assovios e gritos de “Gostosa!” e “Tá famosa, ein?”

Ela vai sentir o golpe, deprimir e com medo da reação dos pais quando o vídeo aparece num site pornográfico, vai se desesperar. Entrega-se à sua própria auto- destruição e comete uma loucura.

Na segunda parte do filme observamos Renet e sua raiva de tudo e de todos. Sofre as consequências de um ato impulsivo. Está brigado com a mãe e não quer falar com ela. Ciúmes e uma reação de ataque machucaram todos os envolvidos.

Em “Ferrugem”, os adultos se comportam de uma maneira que não ajuda esses adolescentes. Tati tem pais ausentes e nenhum diálogo com eles. Por sua vez, Renet está com ciúmes e raiva da mãe (Clarissa Kiste) que se separou do pai dele e está grávida do segundo marido. Ela é a única que busca compreender o que se passou para ajudar o filho.

“Ferrugem” fala de algo que não é novidade mas que é sempre bom lembrar. Nessa nossa era de comunicação ao alcance de todos e que invade a vida privada, nunca é demais ter muita cautela e respeito pelos outros.

O título do filme lembra a característica corrosiva que pode atacar os vínculos interpessoais.

No Festival de Gramado “Ferrugem” levou o prêmio de melhor filme brasileiro, melhor roteiro e melhor desenho de som.

Um filme muito bem realizado, que surpreende e ajuda a pensar num problema que não tem respostas prontas.

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As Herdeiras

“As Herdeiras”- “Las Herederas”, Paraguai, Alemanha, Brasil, Uruguai, Noruega, França, 2017

Direção: Marcelo Martinessi

A sutileza, a timidez, a dependência e a quase invisibilidade eram características do mundo de Chela (Ana Brun) que mantinha uma relação íntima com Chiquita (Margarita Irun), que é mais independente, mais segura e que tomava conta de tudo na casa onde Ana nascera e na qual viviam juntas há 30 anos.

As duas pertenciam a uma elite da cidade de Assunção, Paraguai e conheceram a riqueza. Mas agora era a decadência que lá se instalava.

“As Herdeiras” vai contar a história dessas duas mulheres naquela idade que não se sabe direito se são cinquenta e tantos ou sessenta e poucos. E nesse período da vida é difícil aceitar mudanças. Então elas são obrigadas a receber pessoas interessadas em comprar o que resta do fausto de uma época. Os cristais, a prataria, quadros e móveis, tudo está à venda.

Chela e Chiquita são ajudadas pela amiga Carmela (Alicia Guerra) a lidar com todo tipo de gente, que vasculha a casa e pechincha o preço.

A nova empregada Pati (Nilda Gonzalez) é analfabeta mas gentil com as patroas e firme com os possíveis compradores das riquezas que restaram.

Mas não adianta. As dívidas com o banco levam Chiquita à prisão. Chela vai ficar só.

E quando isso acontece, ela não consegue dormir. A ausência da companheira vai mexer com medos profundos. Parece uma criança perdida, tal a imobilidade perante o mundo. Só consegue pintar seus quadros e não sai de casa.

Visita Chiquita na prisão mas a balbúrdia e o vozerio das mulheres a atordoam.

E, contra todas as previsões, aos poucos, essa mulher vai mudar. Mas será algo que acontece dentro dela, no poço profundo de seus sentimentos, escondidos até de si mesma.

O tempo da prisão de Chiquita vai ser o de libertação para Chela, que aprende a dar passos no mundo, muito instigada a isso pela vizinha que pede que a leve ao jogo diário com as amigas. Conduzindo o velho Mercedes, leva as senhoras para casa.

Tímida e orgulhosa no início, depois aceita que paguem pelos seus serviços.

E a juventude de Angy (Ana Ivanova), uma moça que ele fica conhecendo, vai abrir outras portas trancadas em Chela. Seus olhos azuis se iluminam, o espelho mostra uma mulher ainda bela e o futuro dirá o que pode acontecer.

O filme ganhou o Urso de Prata de melhor atriz para Ana Brun e de melhor direção para Marcelo Martinessi no Festival de Berlim.

Além disso, “As Herdeiras” ganhou 20 prêmios nos festivais pelo mundo e aqui em Gramado ganhou o prêmio de melhor filme do júri popular, melhor roteiro para Marcelo Martinessi e melhores atrizes para Ana Brun, Margarita Irun e Ana Ivanova.

Um filme delicado, que não quer polêmica mas mostrar que o mundo feminino tradicional está mudando em toda a parte.

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