O Paraíso e a Serpente

“O Paraíso e a Serpente” – “The Serpent”, Inglaterra 2021

Direção: Hars Herbots

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Quem seria aquele jovem moreno enigmático, educado, sempre bem vestido e de óculos Rayban?

A primeira impressão era boa. Mas quem acabara de conhecê-lo e já era convidado para suas festas, mal sabia onde estava se metendo e com quem…

Charles Sobhraj usava o nome de Alain Gautier e morava em Bangkok, capital da Tailândia, nos anos 70, onde comprava e vendia pedras preciosas. Sua casa vivia cheia de jovens bonitos, europeus e americanos, que faziam turismo de mochila. Naquela época o Oriente virara o paraíso dos órfãos dos hippies, não só pela cultura local de liberdade sexual mas, sobretudo porque se tornara o lugar ideal para quem era fã de drogas.

O mais incrível dessa história é que ela é verdadeira.

Filho de mãe vietnamita e pai indiano, Charles era cidadão francês, casado e com uma filha. Mas isso acontecera antes do filme começar. Nos anos 70 ele era Alain e apresentava sua namorada Monique como esposa, a franco-canadense, nascida Marie-Andrée Leclerc, que vai ouvir anos mais tarde da mãe do namorado:

“- Charles era difícil de ser amado… Mas ele é o filho do homem que mais amei e que mais me fez sofrer. Quando vejo Charles vejo o meu marido. Ambos igualmente maus. ”

“- Mas ele prometeu que vai se casar comigo e vamos ter filhos. “

“-Você é burra? Ou o quê? Ele mente sempre. Nunca diz a verdade ” continua a mãe a contar para a não tão ingênua Monique.

Numa conversa mais tarde a mãe continua descrevendo o filho para namorada, que já sabia de muitas coisas sobre ele e começava a ficar com medo:

“- Pessoas como Charles não tem sentimentos, nem remorso. Eles observam os outros e imitam perfeitamente o que seria o amor, que não conhecem.”

A história é terrível. Mas o que acontece é mais sugerido do que visto. Quem sai no carro de Alain à noite com seu inseparável Ajay, indiano devotado a ele, não volta.

A trama vai envolvendo o espectador aos poucos. Há uma maneira de ir e vir no tempo que vai desvendando todas as tramas como se fossem as peças de um quebra cabeças. São 8 episódios e o modo não cronológico de contar a história obriga o espectador a estar atento porque o que parecia ser uma coisa, na verdade é outra.

O enorme elenco é liderado por Tahar Rakim, célebre por suas interpretações (“O Profeta”), Joana Coleman faz Monique, o casal holandês Kinippemberg fica a cargo de Billy Howie e Ellie Bamber, ele o primeiro a ter suspeitas sobre o psicopata e que foi o grande responsável por desmascarar Charles e entre muitos outros, Amesh Edireweera  é Ajay, o cúmplice indiano.

O retrato completo de um psicopata, para quem a vida dos outros não valia nada, amedronta pela frieza e compulsão a matar e depois despojar as suas vítimas de identidade. Usava seus passaportes falsificados para ir e vir sem levantar suspeitas, já que era um fugitivo da justiça que tinha certeza de que nunca seria desmascarado.

Era conhecido na Índia como “A Serpente”.

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Adoráveis Mulheres

“Adoráveis Mulheres”- “Little Women”, Estados Unidos, 1994

Direção: Gillian Armstrong

Quando li o livro apaixonei-me de cara pelas irmãs March. Publicado em 1868 e escrito por Louisa May Alcott (1832-1888), como conseguiu impressionar uma menina brasileira de 11 anos no fim dos anos 50?

Mais do que tudo, o livro me fez pensar em viajar e conhecer aqueles lugares, novos para mim. Apreciei os costumes da época, da pobreza ”elegante” que eu imaginava pelas descrições do livro. E fiquei comovida pelo amor que unia aquelas mulheres, ativas e interessantes, mesmo que a ausência do pai, na guerra civil, ameaçasse essa aparente tranquilidade.

Moravam numa casa feminina, com bordados, piano e pintura como distração. Sem falar nas pilhas de livros por toda a casa e no sótão onde encenavam, entre muitas risadas, as peças escritas por Jo, a segunda delas, vestidas em trajes que elas inventavam.

Mas foram as adaptações para o cinema que me mostraram como o livro poderia ser visto de várias maneiras. Não vi o de 1933, “As Quatro Irmãs”, mas foi na televisão que conheci a segunda versão de 1949, com o mesmo título. Elizabeth Taylor, linda, filmada em Technicolor, com um pregador de roupa do varal no nariz, para afiná-lo, é inesquecível. As ousadias de Jo (June Allyson), a escritora da família, não chocavam mais ninguém. Essas primeiras versões eram tristes mas sem um elemento de verdadeira emoção.

E agora, revendo a de 1994 na Netflix, “Adoráveis Mulheres”, penso que talvez seja a de que mais gosto, apesar da mais recente, dirigida por Greta Gerwig, em 2019, ser um filme maravilhoso que foi indicado para 6 Oscar.

Mas voltemos ao que está em cartaz agora na Netflix. Susan Sarandon como “Marmee”, Mãezinha como as meninas a chamavam, é uma mulher forte mas compreensiva, que incentivava as filhas a ser curiosas e prontas para desenvolver seus talentos.

Essa atitude funcionou principalmente com Jo (Winona Ryder, cativante), que é a personagem criativa, feminista e cheia de conflitos, que para voar mais alto, vai para Nova York para ganhar mais experiência de vida e tentar vender suas novelas.

Amy que é a caçula, interpretada por Kirsten Dunst quando criança, uma menina loura mimada por todos, é realmente adorável, mesmo em seus momentos de raiva. Samantha Mathis faz a Amy adulta, que realiza seus sonhos de elegância.

Meg (Trini Alvarado), a mais velha é a mais reservada e não tem a vaidade de Amy nem a ousadia de Jo.

Beth (Claire Danes), a mais frágil, tem gosto pela música e toca piano. É a mais generosa das quatro.

As cenas na intimidade da casa mostram em “close” a vida diária e as reações das quatro irmãs, da mãe e da cozinheira, tratada como se fosse da família. O enredo tem a caridade para com os mais pobres e o racismo, como temas que perpassam a história.

E, quando a câmara sai para fora, mostra as estações e suas cores mais intimistas no inverno e cenas interiores calorosas como a das meninas com os gatinhos, amontoadas numa cama com cobertores. Florações na primavera trazem cores ao jardim e o outono mostra a beleza das folhas em variados tons. No verão, convida a piqueniques e a filosofar deitadas na grama.

O vizinho Laurie (Christian Bale), que mora com o avô muito rico, é amigo e presença masculina por quem Jo desenvolve uma amizade amorosa e Beth, a mais ambiciosa, vê com olhos sedutores.

“Adoráveis Mulheres – Little Women” é um filme gostoso de ver. Principalmente vocês, meninas e quem se lembra da menina que foi um dia, não percam.

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