O Amante de Lady Chatterley

“O Amante de Lady Chatterley”- “Lady Chatterley Lover”, Reino Unido, Estados Unidos, 2022

Direção: Laure de Clermont-Tonnerre

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“O Amante de Lady Chatterley”, livro editado em 1928 pela Penguin Books de Londres, foi matéria de um processo contra a editora, considerado obsceno e portanto proibido, até sua liberação em 1960. Essa causa aumentou o interesse pelo livro que foi lido por toda uma geração e seus descendentes.

Adaptado várias vezes para o cinema, com maior ou menor sucesso, o último romance escrito por D. H. Lawrence (1885-1930) não trata apenas de contar uma história de amor sensual. Tanto que o autor começa sua escrita com uma frase longa que fala das sequelas da Primeira Guerra Mundial (1914-1918): “Temos que viver, não importando quantos céus caírem”.

Então, Constance Reid ( Emma Corrin) casa-se com Sir Clifford Chatterley (Matthew Duckett)  na véspera da Primeira Guerra, em Londres. Nas primeiras cenas a vemos com sua irmã Hilda (Faye Marsag), trocando de roupa para a festa depois da cerimonia.

Connie, como todos a chamam é bela, jovem e mostra-se encantada com o casamento e por que não dizer, o fato de tornar-se Lady Chatterley.

Hilda, a irmã mais velha parece que não acredita em todo aquele entusiasmo. Ela já viu Connie envolvida:

“- Lembra-se do rapaz alemão?”

Mas Connie diz que tudo isso é passado e segue para a festa nos braços do marido. Ele foi convocado e no dia seguinte parte para a guerra.

Seis meses depois, ele volta paraplégico e muito mudado. Infeliz, não tem nenhum gesto de gentileza para com Connie, que se desdobra para agradá-lo. Moram agora na imensa propriedade do marido, no belo campo inglês.

Connie mostra no rosto pálido como está desencantada com a própria vida. Ama o marido cada vez menos. Invejoso, parece querer condená-la ao mesmo destino que o dele.

E, um belo dia, faz uma proposta estranha e surpreendente para Connie:

“- Por que você não tem um “affair” sem envolvimento com outro homem? Não me importaria de ter um herdeiro que todo pensassem que é meu filho.”

“- E nem o nome do homem você quer saber?”

“- Confio no seu bom senso.”

Connie fica mais confusa e deprimida com esse marido que fez dela uma mulher sem alegrias e fadada a procriar para o marido.

Assim, a porta estava aberta para outro homem. Aquela que era enfermeira do marido, torna-se amante de um trabalhador, que encontrou em suas caminhadas pela propriedade. Um belo rapaz, em tudo diferente do marido dela. O escândalo maior foi o fato de não ter espeitado a barreira social intocável na época.

Mas Connie estava ávida por ternura, consideração. Amar e ser amada. Com Oliver Mellors (Jack O’Connell) o guarda-caça, seu rosto antes pálido iluminou-se. Seu passo ficou mais ligeiro, seu corpo mais sensual. As tardes eram repletas de risos e desejos alcançados.

A diretora Laure de Clermont-Tonnerre cria um clima de sonho no romance dos dois personagens. As cenas de sexo são tão naturais que eliminam a necessidade de pudores baratos.  E eles se amam em todos os cenários possíveis. Um amor que brota da química intensa entre os dois e emociona nosso lado romântico.

Os atores são magníficos, os cenários iluminados por uma luz etérea, como se tudo fosse uma fantasia.

Essa versão de “O Amante de Lady Chatterley” é uma história de amor bem contada, como raramente se vê hoje em dia no cinema.

Não perca.

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O Milagre

“O Milagre”- “The Wonder”, Irlanda, Reino Unido, Estados Unidos, 2022

Direção: Sebastian Lelio

No início, a câmera mostra um cenário onde vemos a estrutura crua de uma casa num galpão. Com essa imagem o que é que o diretor Sebastian Lelio quer nos dizer? Ele quer nos dizer que o que interessa é a história daquela casa e de seus habitantes. O que acontece dentro daquelas paredes. Ele convida a nos envolvermos com o que vai acontecer.

Uma voz feminina diz: “Não somos nada sem histórias. Por isso convidamos vocês a acreditar nessa.”

Estamos em 1862, na Irlanda, onde o que foi chamado de “a grande fome” ainda resiste. Uma enfermeira inglesa Lib Wright (Florence Pug), séria e bela, foi convocada pelo comitê de homens mais velhos da cidadezinha para observar Anna (Kyla Lord Cassidy), uma menina de 11 anos. Ela deixou de comer há quatro meses, desde o dia de seu aniversário.

É dito à enfermeira que ela só deve observar e, depois de duas semanas, entregar um relatório ao comitê. Vai vigiar em turnos com uma freira. E não podem trocar ideias entre si.

Anna vive com a família numa casa afastada da cidadezinha onde instalam Lib. É uma boa caminhada todo dia. Ida e volta. Frio e chuva.

Quando Lib se encontra com Anna em seu quarto, ela está na cama, onde recebeu o beijo de bom dia de sua mãe. Pede que a deixem examinar a menina. Ela é meticulosa. Conclui que Anna está saudável. Mas como? E a garota responde que é alimentada pelo “maná do céu”.

O médico local (TobyJnes) acredita que talvez a menina desenvolveu um método de se alimentar de energia, enquanto o padre da aldeia (Ciarán Hinds) acredita em milagre. Gente de toda parte visita a menina “milagrosa”.

Ora, Lib é cética sobre Anna ser milagrosa. Deve haver uma explicação para tudo aquilo. Ela se preocupa com Anna. Também Lib tinha coisas tristes em seu passado. Podia ter empatia por aquela garota inocente que está enganando a todos, com a ajuda de alguém. Mas não vai deixá-la morrer.

Quando Lib proíbe que se aproximem da menina, inclusive a mãe e o pai, é hostilizada por todos. Mas ela resiste. Não vai desistir da menina. E vai decifrar esse enigma. Ou é mesmo um milagre, o que Lib duvida, ou vai ter que assistir à morte de Anna que começa a definhar.

O filme tem atuações maravilhosas de Florence Pugh como a enfermeira e de Kyla Lord Cassidy como a menina Anna. Elas são o maior trunfo do filme, dirigidas pelo chileno Sebastian Lelio que tem as atrizes sob o seu comando. Aliás ele é famoso pela direção de suas atrizes, fazendo com que brilhem. Ganhou um Oscar por “Uma Mulher Fantástica” com Daniela Vega, dirigiu o original e o remake americano de “Gloria Bell” com Julianne Moore e “Desobediência” com Rachel McAdams.

A fotografia espetacular é de Ari Wegner com noites à luz de velas, lanternas e lareiras brilhando seu fogo nas paredes escuras e dias com campos escuros e urzes azuis em terra árida e dura.

É um filme que trata da fé e da razão. Os patriarcas escolhem a fé para imobilizar as mentes e a enfermeira, sozinha, só pensa em salvar a menina. Claramente, a morte de Anna era o objetivo buscado para atrair poder e fama para a cidadezinha esquecida.

“O Milagre” mostra as terríveis consequências que podem resultar do radicalismo religioso e da falta de empatia com o sofrimento humano.

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