Dias Perfeitos

“Dias Perfeitos”- “Perfect Days”, Japão, 2024

Direção: Wim Wenders

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A vida acontece num ritual diário naquele pequeno apartamento onde mora Hirayama (Koji Yarusho, melhor ator em Cannes). Acorda com o nascer do sol, enrola seu tatame e vai buscar água para regar suas plantas que estão em potes perto da janela.

O carinho com que executa essa tarefa nos diz já algo acerca daquele homem maduro. Ele é meticuloso e gosta de sua rotina.

Quando abre a porta da rua, o sol ilumina seu rosto e ele boceja, rosto descansado.

Vai até a máquina e compra um copo de café. Depois, em sua pequena van azul dirige nas ruas de Tóquio em direção ao seu trabalho, ao som de sua sofisticada coleção de cassetes antigos.

Ele é empregado da companhia que limpa os banheiros públicos de Tóquio. Diga-se de passagem, tais banheiros são verdadeiras obras de arte da arquitetura contemporânea, assinados por gente como Tadao Ando, Toyo Ito e Kenzo Kuna.

Com empenho, vemos ele trabalhar em vários desses banheiros, sempre discreto e diligente.

Na hora do almoço, procura o parque e senta-se à sombra com o seu sanduiche.

Encantado com as árvores, ele fotografa com uma máquina de filme as copas verdes acima. Seu rosto irradia paz e felicidade.

Findo o dia vai a um banho público e à noite lê um livro.

Para a nossa cultura ocidental de mil e uma tarefas diárias, sempre apressados, o filme parece muito distante e mesmo monótono. Mas aí reside o encanto que quase todos perdemos. A vida é agora, cada momento é único, diz o diretor alemão Wim Wenders. Se não for vivido com atenção, perde-se para sempre.

Não sabemos quase nada sobre Hirayama mas o principal é sua doçura saudável e a felicidade que ele encontra no quotidiano. Até o fim do filme outras pessoas vão interagir com ele e vamos nos contagiando por seu modo de viver.

Claro que não existem só dias perfeitos. Mas eles são preciosos para, inclusive, suportarmos os outros não tão felizes assim. Pense nisso.

“Dias Perfeitos” foi indicado na lista dos filmes internacionais do Oscar.

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Zona de Interesse

“Zona de Interesse”- “The Zone of Interest”, Estados Unidos, Reino Unido, Polonia, 2024

Direção: Jonathan Glazer

Os mais desavisados reclamam e assobiam enquanto a tela permanece silente. Mas quando o silencio é invadido por sussurros, gemidos, vozes abafadas e tiros, os espectadores se dão conta de que é proposital esse começo.

Aliás o diretor Jonathan Glaser vai voltar a utilizar a tela colorida, ora branca, vermelha ou preta com sons soturnos para fazer a plateia pensar onde estamos.

A família de Rudolf Hoss (Chrstian Friedel) mora na casa que vemos. Há um belo jardim. Ele é um oficial nazista, comandante do campo de concentração de Auschwitz.

Há um muro alto mas que não esconde as chaminés da construção ao lado, que soltam uma fumaça negra inquietante.

A mãe da família (Sandra Huller), na cozinha, escolhe roupas que trouxeram para ela. Deixa as de criança para as empregadas. E desfila, para si mesma, um casaco de pele, no espelho do quarto do casal.

O horror com aquelas cenas começa a se configurar.

E quando a mãe de família recebe a mãe dela e mostra com orgulho sua casa, ouve:

“- Você venceu, filha! Olha aonde você chegou!”

Mas a admiração dura pouco e no dia seguinte a avó deixa a casa. Um bilhete dela é queimado por uma filha indignada.

Parece que os mais sensíveis querem mesmo se afastar daquela casa. Não só a avó ficou chocada com o que ouviu durante a noite. A menina maiorzinha é encontrada pelo pai vagando à noite pela casa. Desassossegada.

O pai tenta criar um clima mais tranquilo e lê para os filhos, antes de dormir, a história de João e Maria que se livram da bruxa empurrando a maldosa para o fogo do fogão. Tenta usar essa metáfora para esclarecer que o mal existe e merece o fogo como castigo. Mas as crianças não sabem o que acontece ali ao lado.

Não há cenas de horror explícito no filme de Glazer. O impensável que acontece ao lado é negado. Porém essa ausência assusta mais, já que a fumaça negra e cinzas denunciam o que se quer esconder.

A ambição vence a humanidade dos membros daquela família. Mesmo quando o marido é transferido, a mãe não quer deixar aquela casa. Apega-se ao luxo com que sempre sonhou e não se importa em pensar nos crimes cometidos para que ela realize seus sonhos de poder.

O diretor nos diz sobre seu filme:

“… trata da nossa capacidade de cometer violência. E nossa indiferença, cumplicidade, aos horrores do mundo, para proteger nossa segurança, nossos luxos.”

E a cena final, filmada no atual Museu de Auschwitz mostra as vitrines com o que restou daqueles que morreram ali. A visão mórbida e comovente faz com que se pense: como isso foi possível? O Holocausto mostra o que de pior existe em todos nós.

O filme foi premiado em Cannes e está indicado na lista dos cinco melhores filmes internacionais do Oscar.

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