A Hora Mais Escura

“A Hora Mais Escura”- “Zero Dark Thirty” Estados Unidos, 2012

Direção: Kathryn Bigelow

O começo do filme é tocante. Na tela escura, vozes agoniadas falam sobre o que está acontecendo, presas nas Torres Gêmeas de Nova Iorque em 11 de setembro de 2001. São as vítimas da tragédia que abalou os Estados Unidos e deu partida para a caça ao terrorista mais procurado de todos os tempos, Osama Bin Ladem.

Mas, “A Hora Mais Escura”, que pretende ser um relato jornalístico sobre esse acontecimento, é mais a história de uma obsessão de uma mulher do que a luta da CIA para encontrar o inimigo número 1 do país.

Chocantes, as cenas que abrem o filme mostram todo tipo de tortura de que se tem notícia aplicadas em um homem que, aparentemente, tem muito para contar para o agente da CIA que é o seu carrasco. Essas tomadas da câmara, que não perde um detalhe do que se passa, duram mais de vinte minutos.

Mais do que o horror que, pretensamente, querem induzir no espectador, para o nosso desconforto, produzem um outro tipo de efeito. Estranhamente, vemos a personagem principal do filme, a agente Maya da CIA, interpretada por Jessica Chastain, que está no fundo da cena de tortura, acercar-se. A perversão cresce nela a olhos vistos. Fascinada, mais do que incomodada com o que acontece ali, ela passa de mera assistente a participante, num piscar de olhos.

Nós, na plateia, não sabemos o que pensar.

Infelizmente, essa grande atriz, maravilhosa em “Árvore da Vida” (2011) de Terrence Malik, caiu numa armadilha. Sua personagem é caricatural. Maya, que dizem ser baseada numa agente que
participou nessa história, não tem passado, nem presente. Sua única motivação na vida é localizar Bin Ladem para que os outros o matem por ela. Acreditem. Ela diz isso textualmente no filme.

Na falta de uma vida afetiva, ela se entrega à paixão mórbida da obsessão. Horas a fio, anos e anos diante de vídeos, fotos, interrogando pessoas, induzindo outros agentes a violência contra os
nterrogados, vivendo em lugares inóspitos no Afeganistão, ela não descansa. Precisa encontrá-lo.

No final, conhecido por todos, sozinha num imenso avião, ela não tem mais para onde ir. Perdeu o rumo e a razão de viver. O rosto expressivo de Jessica Chastain mostra um vazio. Suas lágrimas são
de viúva. Morreu o único homem que dava sentido à sua vida.

Kathryn Bigelow, 61, escreveu o roteiro com Mark Boal, 40. E começamos a entender a ambiguidade do filme, porque o roteiro começou a ser escrito para ser uma crítica à ineficiência da CIA para
encontrar Bin Ladem. Com ele quase pronto, os dois foram surpreendidos com a notícia da morte de Bin Ladem. Ao invés de jogar o roteiro no lixo, resolveram mudar a história, que tinha que acompanhar os fatos. Virou a procura e assassinato do terrorista. Mas perdeu a coerência.

Para a imprensa, Bigelow diz que fez jornalismo. Para o espectador, a confusão fica clara. Saimos do cinema com uma sensação estranha.

Mas é preciso dizer também que há momentos de beleza nas cenas de ação que mostram o talento da diretora oscarizada de “Guerra ao Terror” (2008), o filme definitivo sobre a guerra no Iraque.

Pena que a única mulher a ganhar o Oscar como diretora, tenha assinado esse filme oportunista, eticamente confuso e cansativo.

Nem ao menos é bom entretenimento.

Este post tem 0 Comentários

  1. Eleonora Rosset disse:

    Fatiminha querida,
    Obrigada pelo carinho! Bjs

  2. Eduardo disse:

    Vc nao entendeu a ambiguidade do final em que a personagem possivelmente nao encontrou bin laden. Isto é retratado tanto na direção das cenas, no roteiro, com na excelente atuação de Chastain!
    O desfecho é perfeito, em meu ponto d vista, por retratar a mesma duvida q temos na realidade: “Será que era o Bin laden?”

    • Eleonora Rosset disse:

      Eduardo querido,
      Essa ambiguidade não explícita é uma das possibilidades. Mas não tem nenhuma entrevista nem com a diretora nem com os agentes da CIA que confirmem essa nossa dúvida. Alguns dirão que é uma teoria de conspiração. Eu não tenho certeza de que mataram Bin Ladem. Mas o filme quer passar essa certeza e é a justificativa para que as pessoas defendam a tortura.
      Caligaris acabou de escrever uma matéria sb isso e já foi contestado por Marcelo Coelho num brilhante artigo ambos na Folha.
      Bjs

  3. Sim..era o Bin Laden ou o (Tea party do ) Partido Republicano já teria gritado..

    Fica no ar..a raiva óbvia.
    Mas..
    Mesmo sem Torres Gêmeas sempre existiu invasões, ocupações, golpes de Estado, Chile e Brasil sem falar da Argentina com suas Mães da Praça de Mayo, etc..e tortura incentivada. Isso aqui no quarteirão..

    Quem sabe a personagem não retrata a violência latente dos povos que quando não apoiam, olham para o lado??
    E aí..o mal estar.

    Quem será a próxima vítima???

  4. Sim..era o Bin Laden ou o (Tea party do ) Partido Republicano já teria gritado..

    Fica no ar..a raiva óbvia.
    Mas..
    Mesmo sem Torres Gêmeas sempre existiu invasões, ocupações, golpes de Estado, Chile e Brasil sem falar da Argentina com suas Mães da Praça de Mayo, etc..e tortura incentivada. Isso aqui no quarteirão..

    Quem sabe a personagem não retrata a violência latente dos povos que quando não apoiam, olham para o lado??
    E aí..o mal estar.

    Quem será a próxima vítima???

    • Eleonora Rosset disse:

      Constança querida,
      Só agora vi sei comentário, pq não sou avisada sb os novos. Aliás sb nenhum. Eu é que tenho que procurar página por página…
      Eu não sei se mataram Bin Ladem ou outro qualquer. Mas essa é a versão oficial e a do filme. Há uma pequena possibilidade de que a agente não tenha reconhecido e mesmo assim dito que era Bin Ladem. Mas então pq o filme não denuncia?
      A gente só fica sabendo do que querem que a gente saiba, claro.Mas o filme não tem essa pretensão de denúncia. Pelo menos não claramente.
      Aconselho vc a ler o artigo do Marcelo Coelho na Folha dessa semana sb o tema tortura, defendida por Caligaris na mesma Folha.
      Bjs

  5. marcio disse:

    Que coisa!Li algumas das suas criticas e discordo de quase todas. Chega a ser gozado. Já procurei estudos no Google sobre “porque gostamos de um filme” e não achei quase nada. É um mistério.

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