Juan e a Bailarina

“Juan e a Bailarina”- “La Sublevación”, Argentina/Brasil, 2011

Direção: Raphael Aguinaga

 

Aquela casa já conheceu dias melhores, como todos que nela habitam.

No meio da noite, um carro fúnebre recolhe um passageiro que já se foi. E, uma senhora com ar elegante e roupas simples (Marilu Marini), é deixada às pressas com sua mala, na frente da casa. Não há despedidas. Só um garotinho acompanha tudo, mudo, dentro do carro.

De algum lugar da casa vem música que traz lembranças. “Madreselva”, o tango, é dançado na memória dela, que espera fora da casa e na dele, que não sai nunca de seu quarto, vivendo de recordações e álcool. Um frasco de perfume traz para ele o cheiro de uma mulher, “mi primero amor”, como canta o tango.

Como ninguém abre a porta, a senhora é obrigada a passar a noite nos degraus da frente da casa até que é acordada com gentileza por Rosa (Graciela Tenembaum), a cuidadora dos velhinhos do asilo Nossa Senhora da Misericórdia.

Enquanto Juan (Arturo Goetz), o romântico enrustido, tenta pegar pombos, em armadilhas na janela, para prepará-los à francesa, o amigo Miguel chega com a notícia:

“- Carmencita morreu. Sabe quem vai ocupar o quarto dela? Um anjo, um bombom, deliciosa. Uma torta de chocolate. Não anda, flutua. Parece uma bailarina!”

Um solo de clarinete e a câmara sempre próxima, atenta a detalhes, acompanham o passeio da senhora de ar elegante pela casa. No quarto que lhe foi destinado, coloca um desenho do neto sobre o criado mudo.

Nessa fábula sobre a velhice, dirigida e roteirizada pelo brasileiro Raphael Aguinagua, 39 anos, a “bailarina” e a “incrível notícia” mudam a vida quotidiana e rotineira daquela casa. A estranha, pela inveja e admiração que desperta, e a volta de Jesus, clonado pelo Vaticano, notícia da TV, que é o maior divertimento do grupo, pelo inusitado e o medo do Apocalipse.

Esse clima surreal ajuda a sobreviver. Para não pensar em maiores infortúnios, aqueles seres humanos, que sabem que está chegando a hora, se distraem com pequenas discussões, gestos de solidariedade, jogos no parque, picuinhas e a volta de Jesus.

E, quando a cuidadora sai de férias e é substituida por seu filho, chamado de “A Bruxa” porque maltrata os velhinhos, cria-se o motivo para o levante, “La Sublevación”, que é o titulo original do filme. Nada como um bom motim para esquentar os ânimos e animar a todos, unidos em uma causa comum.

Além da mensagem que a velhice pode ser um momento de amizades solidárias, criatividade e até romances, “Juan e a Bailarina”, filme argentino brasileiro, falado em espanhol e rodado na Argentina, tem toques de bom humor que tiram a solenidade e a melancolia próprias de um asilo.

O diretor, que dedicou seu filme ao avô, tem um olhar carinhoso e dota seus personagens com um ânimo saudável. “O poeta emprestado ao cinema”, como ele mesmo se define, realizou uma comédia inteligente e delicada que se destaca nessa leva de filmes sobre a velhice a que temos assistido nos últimos tempos.

Este post tem 0 Comentários

  1. Maria Isabel Alves de lima disse:

    Querida Eleonora , esse é um tema atual não?.
    Tantas coisas ainda precisam sair desse armario da vellhice. Até agora não nos sabíamos nessa idade. Havera decerto um tipo especial de publico , e dessa sala de espetaculos poderá sair um filme onde os expectadores aos poucos se conhecem formando grupos para tudo acabar numa boa pizza….bj Bebel

  2. Eleonora Rosset disse:

    Bebel querida,
    Esses filmes sb a velhice são na maioria otimistas. Acho que o mais realista foi ” Amour”. E como eu admirei aquele homem e sua fidelidade ao amor da vida toda. Pouca gente sabe o que é isso…
    No nosso caso temos amizade, o que não é pouco! Vamos comer mt lanchinho na nossa piscina enqto isso.
    Mts bjs

  3. marcia valentim disse:

    Querida, primeiro, prá dizer que vc, ficou belíssima(+) com esse cabelo. tb prá agradecer suas dicas e comentários sobre cinema. amo cinema; prá meu entender , é pura cultura, e grandes lições de vida.grande abraço! Namaste!

    • Eleonora Rosset disse:

      Marcia querida,
      Obrigada! Vc é tão carinhosa! Pra mim é tão bom ver que o que eu faço com tanto amor é bem recebido!
      Saudades de vc
      Bjs

  4. Lucas Olivetto disse:

    Adorei seu comentários. Quanto ao amor verdadeiro, que você se referiu em “Amour”, presenciei não um tema de cinema, mais uma situação real. Se lembra daquele caso que te contei da pessoa que faleceu devido a um câncer, o marido dela, logo após retornar da missa de sétimo dia, caiu no banheiro e foi internado devido a um infarto e um derrame cerebral. Não resistiu a solidão e pouco tempo depois, veio ao falecimento. Para ele, a ausência de sua grande paixão, virou fonte de profunda tristeza e a falta de esperança.

    • Eleonora Rosset disse:

      Lucas querido, são mt estranhas as relações do ser humano com o smor. Sei de mts casos como esse que vc me conta que a pessoa enlutada morre de tristeza… Mas o filme é diferente. A morte do outro é executada pelos ditames do amor. Ele sabia que ela não queria mais viver… E faz o que tem de fazer. O final do filme é abertoas acho que mt gente ficou com a impressão de que ele se matou. A filha sozinha no apRtamento confirmaria esse final…
      Não sei…
      Bjs

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