Pelos Olhos de Maisie

“Pelos Olhos de Maisie”- “What Maisie Knew”, Estados Unidos, 2012

Direção: Scott McGehee e David Siegel

Impressionante como as cantigas de ninar são às vezes trágicas. Parecem indicar que o mundo da infância não é tão protegido como pensamos.

Em “Pelos Olhos de Maisie”, a mãe da menina, que tem uns seis ou sete anos, é Susanna (Julianne Moore, convincente como sempre), roqueira, um pouco passada da idade certa para essa profissão, desbocada e carente. Põe Maisie (Onata Aprile, surpreendente) para dormir na cama dela e, para ajudá-la a adormecer, canta, acompanhando-se ao violão, uma cantiga de ninar que conta a história de um berço que balança ao vento, no topo de uma árvore. Quando o galho quebra, o berço vem abaixo, com bebê e tudo mais.

E Maisie adormece sob um olhar do rosto crispado da mãe. Algo não vai bem.

Será que Maisie já percebeu que seu mundo vai desabar?

Crianças bem tratadas são geralmente confiantes. E Maisie tem tudo. Pai e mãe, um apartamento confortável, um quarto lindo, bichinhos de pelúcia e madeira, TV, jogos, bonecas, roupas que ela escolhe com a ajuda da babá loura, jovem, bonita e carinhosa.

Mas, quando escutamos os pais brigando sobre dinheiro, aos gritos na sala, Maisie sendo levada para o terraço com a pizza, somos tomados pela certeza que aquele casamento não vai bem. E não estranhamos quando o pai de Maisie, Beale (Steve Coogan), troca olhares com Margo (Joanna Vanderham), a babá loura.

E o que Maisie vai ver?

A começar pela troca de fechadura da porta de entrada do apartamento, acontecem incidentes que são presságios.

Assim, a coleguinha de colégio, que veio passar a tarde e a noite com Maisie, soluça quietinha na cama, depois de passear pela sala onde a roqueira assiste a um vídeo dela num show, cantando uma canção lasciva. Cercada de homens que bebem, ela puxa Maisie para o colo. Um dos homens, Lincoln (Alexander Skarsgad), parece muito interessado em Susanna. A amiguinha fica de lado, assustada com o clima.

O pai vem buscar a menina naquela mesma noite mas Maisie tem que ficar. Vai enfrentar o que sobra para ela na briga dos adultos narcisistas e egoístas que a cercam.

O divórcio vai por às claras o que Maisie percebe aos poucos. Seus pais, que aparentemente brigam por sua custódia, tem outras motivações para querê-la por perto.

É um sofrimento para Maisie, ignorado por seus pais, interessados unicamente na disputa, nos ciúmes e na vontade de ficar com a filha só para se vingar do outro.

Observamos esse penar no rostinho sério da menina, também dominada pela dúvida. Com quem devo ficar?

O saudável apego de Maisie à vida, faz com que amadureça antes do tempo, mas sem perder a alegria. Só uma vez uma lágrima escorre de seus olhos.

Adultos costumam esquecer que as crianças que estão por perto julgam seu comportamento. É o que acontece com Maisie. O que ela vê e o que fica sabendo, serão decisivos para suas escolhas.

O filme, dirigido pela dupla Scott McGehee e David Siegel, inspirou-se no romance, publicado em 1897, do famoso escritor americano, mas que viveu boa parte de sua vida na Inglaterra, Henry James (1843-1916).

Adaptado para uma Nova Iorque contemporânea, o filme parece dizer que o ser humano não muda em seus defeitos viscerais.

Com uma câmara que muitas vezes são os olhos de Maisie, as cenas acontecem, deixando que o espectador perceba os sentimentos em jogo, que não são nomeados.

Ótimo elenco, produção caprichada e uma história comovente fazem de “Pelos Olhos de Maisie” um filme que faz pensar na nossa própria infância e na de nossos filhos.

Dá vontade também de ler o romance de Henry James e aprofundar-se mais na vida de Maisie.

Este post tem 0 Comentários

  1. Bebel Alves de Lima disse:

    Nossas histoirias nunca batem certo e decerto como a de nosss pais… Eram nossos olhos a ver..muito bem pensado e descrito! Bjs

    • Eleonora Rosset disse:

      Bebel querida,
      Nossos olhos já foram os de uma criança. Só que a gente esquece… Esse filme nos faz lembrar disso e pensar em poupar as crianças de algo que não é para elas viverem porque é coisa de adulto. As crianças não podem ser ignoradas.
      Bjs

  2. ***” e pensar em poupar as crianças de algo que não é para elas viverem porque é coisa de adulto.”***
    Sábias e generosas palavras da Eleonora e eu gostaria mto de estar enganada, mas isso é a coisa q menos vejo hj em dia.
    As crianças atualmente não são poupadas de nd e são arremessadas no mundo adulto sem dó, nem piedade, mal conseguem dar 2 ou 3 passinhos.
    Até pouco tempo existia uma indústria cultural dirigida a elas.
    Músicas de crianças, filmes para crianças, peças infantis e até roupa de criança, coisa q não existe mais, já q andam com roupas de gente gde.
    Tomara mesmo eu esteja errada e as mães gostem mais dos filhos do que do facebook.

    • Eleonora Rosset disse:

      Sylvia querida,
      Sábias palavras de uma educadora!
      Sexo e morte não são assuntos que as crianças não podem saber pq estão no dia a dia de todo mundo. Mas como seria bom que os pais percebessem o quanto é desastroso ignorar as crianças qdo a vontade é fazer e falar o que se quer na frente delas…
      Volte sempre aqui querida amiga!
      Bjs

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