Thelma

“Thelma”- Idem, Noruega, Dinamarca, Suécia, 2017

Direção: Joachim Trier

Quando o filme começa, um homem e uma menina pequena caminham sobre um lago gelado. Veem peixes nadando nas águas através do gelo qual vidro transparente. A menina sorri mas o pai dela está sério.

E arrepiamos quando, na floresta branca de neve, ele aponta sua espingarda para um pequeno cervo e, logo, muda sua mira. É a menina que vai morrer?

Lembrei imediatamente do conto de fadas no qual a madrasta má ordena ao caçador que traga o coração da mais bela, depois de matá-la, bem longe na floresta. Há logo, de início, uma sugestão que a menina tem pai e mãe perigosos.

Mas como uma criança reage frente a pais perversos? Fatalmente assumirá sempre as culpas de tudo de errado que acontecer.

O diretor Joachim Trier, 43 anos, escreveu o intrigante roteiro com Eskil Vogt e a fotografia bela e sutil é de Jakob Ihre. Os closes e supercloses ajudam o espectador a entender que o que se passa com Thelma pertence a seu cenário interior.

Educada por pais religiosos fanáticos, em nenhum momento sentimos calor na relação de Thelma (a maravilhosa atriz Eili Harboe) com seus pais.

Mas sentimos um mal-estar desde a primeira vez que vemos Thelma com os pais. A mãe (Ellen Dorrit Petersen) liga várias vezes no primeiro dia da filha na universidade em Oslo e reclama dela não atender o celular. A menina é gentil e informa cada passo seu mas notamos que ela se sente sufocada com tanto controle. Isso se repete todo dia. Estressante.

Para Thelma, educada com rigor religioso no campo, não é fácil aproximar-se dos colegas. Quando bebe com eles num bar, logo fica culpada e confessa ao pai (Henrik Wilkins).

Mesmo assim, o mal-estar continua.

E quando Thelma encontra Anja (Kaya Wilkins) na sala de leitura e se sente atraída por ela, vemos o quanto ela se entrega à autopunição. Tem uma convulsão. Desejos proibidos.

No bar, onde as duas ficam mais íntimas, depois de fumar um baseado, Thelma tem uma alucinação. Engole uma cobra. Sexualidade como pecado.

Frente ao médico que a examina ficamos sabendo de um “ataque de nervos” aos 6 anos de idade, medicado com uma droga não indicada para crianças. Uma avó com problemas mentais é citada mas Thelma acha que ela morreu:

“- Meu pai é médico. Ele que cuida disso. Não me lembro de nada. ” Trauma de infância.

Diagnosticada como tendo epilepsia psicogênica ou seja, sem nada em seu cérebro que justifique as convulsões, Thelma é indicada a um psiquiatra.

“Thelma” é um filme que pode ser visto por parte do público como sendo sobre uma garota com poderes paranormais. Uma “Carrie, a estranha”. Para mim, Joachim Trier parece mais interessado em mostrar os efeitos da educação e do ambiente sobre a construção da nossa identidade. Ele disse numa entrevista:

“O verdadeiro horror é a ausência de auto aceitação.”

“Thelma” é uma história contada do ponto de vista da garota que não entende que pensamentos não podem causar danos. Ela é como uma criança, interpretando o mundo com o pensamento mágico, que traz consigo o horror, a culpa e a vergonha.

Finalmente, “Thelma” é um drama sobre uma menina, que descobre a si mesma e ao mundo real, passando por experiências que a ajudam a superar seus pesadelos.

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