Coco Chanel e Igor Stravinsky
“Coco Chanel e Igor Stravinsky”- França, 2010
Direção: Jan Kounen
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Uma outra biografia de Chanel no cinema? Pois é, mas muito diferente das outras. Essa assume de cara a lenda, que é como Chanel contava as histórias que inventava sobre si mesma.
Porque se o filme “Coco e Igor” não é pura ficção, também não é inteiramente verdadeiro.
Jan Kounen, o holandês que assina a direção e o roteiro, inspirou-se no romance do inglês Chris Greenhalg de 2003, que mistura realidade e imaginação para contar um suposto caso entre a estilista mais marcante do século XX e o homem que revolucionou a música clássica, inspirando-se em motivos folclóricos russos.
Quando aconteceu a primeira apresentação da “Sagração da Primavera” ( “Le Sacre du Printemps”) em Paris, 1913, no Théâtre des Champs Elysées, dançada pelo “Ballets Russes” com coreografia do mais famoso bailarino do mundo, Vaslav Nijinsky, foi um escândalo. A burguesia da época não entendeu a proposta da nova linguagem da música e vaiou o compositor e os dançarinos. O tumulto foi tanto que a polícia teve que intervir.
Apenas ela, de branco, vestida à la Vionnet, guarda a compostura na platéia e vê-se curiosidade, quase aprovação, em seu rosto expressivo. Respira ao ritmo da orquestra.
Mademoiselle, como todos a chamavam, iria adorar a interpretação de Anna Mouglalis, longilínea, altiva e distante, qual ave rara em meio a um bando de gralhas. Em 1913, Chanel ainda não era quem viria a ser mas, tal Igor Stravinsky, era alguém que podia compreender o novo e admirar o fora do comum.
Sete anos mais tarde, depois da Primeira Grande Guerra, e da morte de Arthur “Boy” Capel, seu grande amor, ela é apresentada formalmente a Igor Stravinsky. O compositor estava exilado em Paris, sem dinheiro, com quatro filhos e a mulher Katia tuberculosa ( interpretada com doçura por Yelena Morosova).
“- Até de luto ela fica elegante”, diz alguém que a observa.
“- Foi o marido?”
“- Não. O amante. Boy. Um acidente trágico.”
Chanel havia se refugiado fora de Paris em sua casa Bel Respiro em Garches, após a morte de Boy. Mas era o casamento de uma de suas melhores amigas, Misia Sert, e ela fez uma exceção e apareceu por lá.
Já fascinada por Igor, Chanel encarna uma mecenas e convida o compositor a passar um tempo em sua casa para fazer modificações em sua “Sagração”. Convite feito e aceito, seguiram Chanel e a família Stravinsky para a Bel Respiro.
Um dos grandes acertos de Jan Kounen é causar um impacto estético no plano que mostra a casa, beje com janelas negras, em meio a um jardim requintado.
“- Eu nunca tinha visto uma casa com janelas negras…”, diz Katia, mulher de Igor.
E, guiados por sua anfitriã, acompanhamos os russos descobrindo, com estranheza, a beleza e a perfeição daquela casa art-decô, concebida como cenário para aquela mulher tão diferente de tudo o que conheciam.
“- Não gosta de cor, Madame?” pergunta Katia.
“-Só se for preto “ , retruca Chanel.
Será um curto espaço de tempo. Uma primavera e um verão. Mas o suficiente para que a atração existente entre aqueles dois se expressasse em uma sexualidade desprovida de afeto.
A câmara ronda os corpos brancos e mostra a agonia e o êxtase febrís. Há distância e proximidade mas nunca intimidade. Ela, um pássaro pernalta, pescoço longo e crista. Mais escamas que penas. Ele, homem severo, músculos treinados, olhar distante e sofrimento na alma.
“-É preciso se esquecer para se perder na música”, diz ele a ela.
Ela não fora feita para a languidez. Ele, pesado, unido à terra, era dotado de asas só no espírito.
Duas almas sensíveis e angustiadas. Dois gênios do século XX.
Ela compreendeu a música dele mas sua postura de vida não admitia que ele não a admirasse nem muito menos o seu machismo.
“- Eu sou tão poderosa quanto você, Igor. E tenho mais sucesso”, diz ela a ele.
“- Você não é artista, Coco. É uma vendedora de tecidos.”
Embate de egos.
Durante o tempo em que viveram em Garches ele trabalhou a sua “Sagração da Primavera”, que fez muito sucesso quando foi reapresentada. Ela, que já havia revolucionado o modo como as mulheres se vestiam, livrando-as dos espartilhos e apresentando-as ao jersey e a um modo feminino de vestir roupas masculinas, lançou o perfume Chanel Número 5, um dos ícones do mundo do consumo.
No filme, os figurinos executados por Chattoune Bourrec e Fabien Esnard-Lascombe, que contaram com a ajuda de Karl Lagerfeld, estilista à frente da Maison Chanel, são esplêndidos, inspirados nos desenhos de Chanel e revistas Vogue da época.
“Coco Chanel e Igor Stravinsky” é um filme requintado até nos mínimos detalhes. E tem atuações marcantes de Anna Mouglalis e Mads Mikkelsen.
Se você não sair correndo do cinema e esperar os letreiros finais, vai ver uma cena final tocante. Em preto e branco, em 1971, ano da morte de ambos, há um encontro de almas que não foi possível durante a vida terrena deles. Na essência haveria uma afinidade que não foi vivida…
A única prova tangível disso é o ícone dourado que Igor trouxera da Rússia e dera para Chanel e que ela conservou perto de si até o fim.
Um objeto sagrado para ele e para ela uma lembrança do encontro com o homem que a marcou? Pode ser. Ela nunca disse nada a ninguém sobre isso…