O Sonho de Wadjda

“O Sonho de Wadjda”- “Wadjda” Arábia Saudita/ Alemanha, 2011

Direção: Haifaa Al Mansour

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Ela só queria ter uma bicicleta. Um sonho comum de qualquer menina da idade dela. Mas lá onde Wadjda vive, só meninos podem andar livremente de bicicleta, entre outras coisas que só meninos e homens podem fazer.

Mas ela é teimosa e quando quer uma coisa, sai da frente, como diria sua mãe.

Não podendo esperar ganhar dos pais esse presente, que meninas de bem não cobiçam, ela tratou de arranjar dinheiro para a bicicleta. Sabendo de um concurso na escola para ver quem é a melhor estudante do Corão, livro sagrado dos muçulmanos e mais, que o prêmio era em dinheiro, ela não hesita. Dedica-se ao estudo como se fosse uma religiosa fanática.

E faz o homem da loja prometer que a bicicleta verde está reservada para ela. Todo dia passa por lá, para acariciar o guidão enfeitado com fitas.

O amiguinho da menina, que a ensina a andar de bicicleta, ainda não tinha se tornado um homem que olha as mulheres de cima, como o pai de Wadjda. Um dia, ele até disse, com olhos de admiração, que quando crescesse ia se casar com ela.

Abdullah faz a gente pensar que algo pode mudar na Arábia Saudita se meninas como Wadjda conseguirem se impor. Quem sabe?

Aliás, a diretora do filme “Um Sonho de Wadjda”, Haifaa Al Mansour, foi uma dessas meninas. Pioneira, lutou contra os preconceitos e a tradição machista e conseguiu tornar-se a primeira mulher da Arábia Saudita a fazer um filme de ficção, rodado em Riad, capital do país. Ela, que tem mestrado em direção e estudos de cinema na Universidade de Sydney, Austrália, já tinha assinado quatro documentários antes de “Um Sonho de Wadjda”.

É um filme corajoso. Mostra a vida no país como ela é. Sem disfarces, aponta o lugar inferior reservado às mulheres e denuncia como é difícil mudar essa tradição, sem plantar na mente das meninas e mulheres que elas tem direitos pelos quais podem lutar, sem ter forçosamente que bater de frente com a religião.

Cada cultura tem os seus preconceitos que, aos olhos de um estrangeiro, podem parecer ridículos ou até ofensivos. Mas, se alguém, de dentro dessa cultura aspira por mudanças, por que não? Será só uma questão de tempo.

E claro, de persistência de muitas Wadjdas.

E parece que isso já está acontecendo porque está na cara que esse é o sonho da diretora desse belo filme que enternece até os corações mais duros.

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O Abismo Prateado

“O Abismo Prateado”- Brasil, 2011

Direção: Karim Aino

O mar à noite, ressoa em toda a sua imensidão prata e negra, quebrando em espuma de ondas brancas numa praia vazia.

Um homem solitário mergulha naquelas águas, depois olha à sua volta como se procurasse algo. Torso nu, só de sunga, atravessa, como um fantasma, as ruas de uma Copacabana iluminada pelos faróis dos carros, no trânsito pesado.

Depois, uma transa em “close”, o corpo dela sobre o dele, mas sentimos que ali não é tanto o tesão quanto a angústia, que ele trouxe com ele, que assume o comando. Vem o gozo mas não a paz para ele.

E na manhã seguinte, ela se prepara para o trabalho alheia ao que está acontecendo com ele, que se deixa rolar na cama, como se não tivesse descansado naquela noite.

“- Acorda, vai, amor. Vem tomar café com a gente. Que horas é o seu voo?”

E ele respira no escuro, buscando ar.

Quando o filho adolescente vem até o banheiro se despedir do pai, ele ensaia palavras:

“- Deixa eu falar com você…” diz puxando o filho pelo braço.

“- Você tá molhado pai”, responde o garoto se esquivando, “boa viagem.”

Está claro que nada vai bem para esse homem.

E Violeta, a bela e eficiente dentista, mulher dele, vai levar um susto durante o dia. Não com o tombo de bicicleta logo cedo mas com a mensagem que seu marido deixou gravada no celular dela.

Pequeno, delicado, enternecedor. Assim é “O Abismo Prateado”, filme dirigido por Karim Ainouz e roteirizado pelo diretor e Beatriz Bracher.

Inspirado na canção “Olhos nos Olhos” de Chico Buarque, que todo mundo conhece, conta um abandono sofrido por uma mulher.

Alessandra Negrini, atriz esplêndida, brilha no filme que é dela. E seguimos seu percurso dolorido, enquanto ela lava e faz curativos nas feridas de seu corpo por causa dos tombos que levou naquele dia, sabendo que as feridas do coração estão abertas e sangram à sua revelia.

Como é difícil passar pela rejeição… O chão falta, a dor é surda, o choro não ajuda.

Ela anda a esmo pela cidade com um olhar escuro. Nada a conforta, até que encontra outros seres humanos abandonados (Gabi Pereira e Thiago Martins) e descobre que há muitos caminhos pela vida que valem a pena ser trilhados. Entendendo isso, a ferida no coração de Violeta começa a cicatrizar. E ela termina esse dia tomando um sorvete enquanto o sol nasce em Copacabana.

Procure essa memória afetiva dentro de você e vá recordá-la nesse filme lindo.

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