O Mordomo da Casa Branca

“O Mordomo da Casa Branca”- “The Buttler”, Estados Unidos, 2013

Direção: Lee Daniels

Oferecimento Arezzo

“A escuridão não pode afastar a escuridão, só a luz pode fazer isso.” Com essas palavras de Martin Luther King, o grande defensor da causa dos direitos civís para os negros americanos, começa o terceiro filme de Lee Daniels, 54 anos, que também dirigiu “Preciosa” 2009, que ganhou dois Oscars e o recente “Paperboy – Obsessão” 2012.

Daniels é negro e ativista do movimento do Dr King.

Forest Whitaker, 52 anos, faz o papel principal nesse drama que conta a história de Cecil Gaines, um menino nascido nos anos 20 do século XX, numa plantação de algodão no sul dos Estados Unidos.

Criança ainda, vive uma tragédia dupla num só dia, quando sua mãe é violentada pelo filho do patrão branco, que mata também seu pai.

A mãe do assassino (Vanessa Redgrave), leva o menino orfão para dentro de sua casa e o inicia nos afazeres domésticos. Ela não sabia mas o destino vai jogar a seu favor e ele vai ser um dos mordomos da Casa Branca e vai servir sete presidentes.

Dizem que o roteirista Danny Strong adaptou a biografia do mordomo Eugene Allen para poder contar a história dos Estados Unidos, principalmente os episódios que marcaram dramáticamente a luta pelos direitos civís dos negros. E conseguiu. Em pouco mais de duas horas desfilam na tela os acontecimentos mais marcantes dessa luta e seus lideres.

Oscar de Melhor Ator pelo filme “O Último Rei da Escócia” 2006, no qual interpretou o ditador africano Idi Amin, Forest Whitaker emociona no personagem do mordomo.

Casado com Gloria (uma espetacular Oprah Winfrey), tem dois filhos, Louis (David Oyelowo), rebelde e que adere com paixão ao movimento iniciante dos direitos civis para negros, contra a vontade do pai e Michael, que morre no Vietnam.

Grande ator, Whitaker sabe passar cada nuance desse personagem que serviu toda a sua vida aos brancos, inclusive aos lideres do país e desde o início, passa a ser transparente, como se não existisse, nem pudesse ter ideias próprias.

Exposto às conversas políticas na Casa Branca e dividido entre seu amor pelos filhos e a negação de que o mais velho tinha razão em sua posição a favor dos cidadãos de sua cor, Cecil trava uma luta íntima entre o “negro da casa” e a pessoa com direito a salário equivalente ao dos brancos e acesso a promoções.

Dentre os sete presidentes a quem serviu, John Kennedy parece ter sido o que mais perto chegou da causa defendida pelos negros, às custas de maus tratos, linchamentos, assassinatos e prisões.

“- Cecil, meu irmão Bobby disse que o seu coração foi tocado e tocou o meu também ”, confessa o presidente a um emocionado mordomo.

Nomes de peso do cinema americano fazem pontas no filme como Robin Williams, que faz Eisenhower, John Cusak como Nixon e Jane Fonda, perfeita como Nancy Reagan.

“O Mordomo da Casa Branca” termina na eleição de Barak Obama presenciada por um velho e orgulhoso servidor da Casa Branca que, finalmente, podia ter esperanças que seus irmãos de cor conhecessem respeito e justiça.

Ler Mais

Bastardos

“Bastardos”- “Les Salauds” França, 2013

Direção: Claire Denis

Enigmático desde o início, o filme nos leva a pensar e perguntar sobre o que significam aquelas imagens iniciais. Quem é o homem atormentado que olha a chuva cair? Onde ele está? Num escritório?

É noite e a chuva é torrencial.

A cena a seguir, com a ambulância e um corpo envolvido em algo claro, que mal se vê, não responde a nada. Mas intriga ainda mais.

E na próxima, aquela jovem mulher com um corpo perfeito, nua, anda de salto alto pela rua, com seu rosto belo numa expressão de confusão. O que aconteceu? Está drogada?

A câmera faz “close” em um pé de sapato com salto alto e um envelope.

Na delegacia, a mulher do suicida lê a carta que o marido deixou:

“- Está aberta! Me revolta vocês terem lido essa carta… Meu marido processou esse porco! A culpa da morte de Jacques é dele! Sózinha não vou ter forças… Não tenho mais ninguém além do meu irmão, que está sempre no estrangeiro…”

“- A carta foi endereçada a ele…” diz a policial.

“- Foi ele que me apresentou a Jacques anos atrás…”

“- Pense na sua filha. Por ela é que você vai lutar”, responde a policial, encorajando a mulher arrasada.

Vincent Lindon faz esse irmão, Marco Silvestri, que trabalha num petroleiro e vem a Paris para ajudar a irmã Sandra (Julie Bataille) e a sobrinha Justine (Lola Créton), internada em uma clínica psiquiátrica.

Chiara Mastroianni, linda e triste, é Raphaelle e mora no mesmo prédio em que Lindon vai ficar, um apartamento praticamente vazio. O que ele procura ali? Ela é casada ou amante de Édouard Laporte (Michel Subor) a quem a irmã de Marco acusa de ser o responsável pelo suicídio do marido.

Marco procura pistas e se envolve com a personagem de Chiara, mãe do pequeno Joseph, filho de Edouard, homem muito mais velho que Raphaelle. Esta criança sofre perigo? Uma cena curta, que mostra a bicicleta abandonada numa floresta e o horror da mãe apontam para o futuro?

Claire Denis, a diretora de 65 anos, trabalha sempre com mistério e enigmas em seus filmes (“Noites sem Dormir”1994, “Minha Terra África”2008, “35 Doses de Rum”2008).

Em “Les Salauds” traduzido como “Bastardos” em português, perdeu-se o sentido pesado de “canalhas” que o roteiro da diretora e Jean-Pol Fargeaud quer passar.

“- Era preciso que o filme fosse violento”, diz Claire Denis. E acrescenta:

“- A gente costuma achar que as crianças estão protegidas em uma família, o que é uma mentira. Eles não estão protegidos em lugar nenhum.”

O filme “Bastardos” segue uma linha contemporânea de denúncia de abuso sexual doméstico com crianças e adolescentes. Na Mostra de São Paulo, o contundente “Miss Violence” do grego Alexandro Avranas, trata do mesmo assunto.

Existem muitos canalhas por aí. Vitimizando mulheres e crianças.

Claire Denis denuncia esse aberrante estado de coisas nesse seu último filme, que causou desconforto na plateia do Festival de Cannes desse ano, onde estreou e agora aflige aqui, as pessoas que vão ver o filme, que passa em apenas uma sala em São Paulo.

“- O filme fala de uma violência de vida, que conduz à morte”, declara a diretora.

Não é cinema diversão. É denúncia de misérias humanas.

Ler Mais