Pelo Malo

“Pelo Malo”- Idem, Venezuela, 2013

Direção: Mariana Rondon

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Quando nasce um bebê, nem sempre ele encontra uma mãe acolhedora. Depressão pós-parto, dificuldades com o marido, ausência dele, problemas de todo tipo podem acontecer e afastar a mãe do bebê.

É o que Marta (Samanta Castillo), que mora num conjunto habitacional muito pobre em Caracas, Venezuela, conta ao médico do posto de saúde onde leva o filho Júnior, de 9 anos, para ser examinado:

“- Doutor, sabe o meu filho Júnior? Ele tem uma cauda. Quero saber se é por isso que ele é gay”, diz a mãe, a sós com o médico, depois do exame do menino.

“- Foi ele que te disse isso?” pergunta o médico.

“- Não… Ele vai sofrer na vida, não é? Mas eu acho que é tudo culpa minha. Acho que ele é assim porque não consigo tocá-lo… Com o bebê é diferente. Brinco, toco nele. Mas com o Júnior nunca consegui. Não gosto de tocá-lo.”

“- Não há nada de errado com essa criança. Ele não tem cauda. Algumas pessoas tem ossos maiores do que as outras. Talvez falte a ele conviver com um homem e uma mulher e ver que eles são felizes…”, aconselha o médico.

Marta, uma mulher jovem, desempregada, ignorante, sem marido e com dois filhos para criar, observa o maior, Júnior, e se apavora porque acha que o menino tem trejeitos quando dança, que olha para os homens, que não gosta de brincar com os outros meninos. Para ela, ele é gay.

E, para piorar, Júnior (Samuel Lange Zambrano) tem obsessão em alisar o cabelo. De pele mais escura do que a mãe e do irmão bebê, fruto de outra relação da mãe, Júnior é um garoto de feições bonitas, grandes olhos, longos cílios, magrinho e tem cabelo ruim, ou seja, crespo e duro.

A avó negra, mãe do pai, é a única que sabe alisar o cabelo dele com uma escova e o secador. Mas ela cobra caro. Ele tem que aprender a dançar e a cantar como ela quer. É doloroso percebermos que a avó está de olho na criança porque acha que pode ganhar dinheiro com ele.

Propõe à mãe:

“- Eu fico com ele. Ele não vai mudar, você sabe. Pago o preço que você quiser.”

Marta, que não gosta da sogra, sempre tira o menino de lá. Mas dá para perceber, claramente, a irritação com que fala e olha para Júnior.

Doi no coração a cena em que o menino afaga o cabelo liso da mãe e diz para ela:

 “- Vou cuidar de você até você ficar bem velhinha.”

Ele arruma a mesa para a mãe, cuida do bebê, dá mamadeira mas fica claro o seu ciúme quando vê a mãe pegar o bebê no colo, dar o banho falando com carinho, enquanto deixa o pequeno brincar com seus seios nús.

O filme “Pelo Malo” é comovente. Fala de preconceito, pobreza, ignorância, homossexualidade, machismo mas principalmente de um problema de identidade. Aquele menino de 9 anos e que é diferente dos outros, explica para si mesmo que tem um horrível defeito: o cabelo ruim.

Certamente, a obsessão com o cabelo, encobre o desejo de ser aceito pela mãe. Ele pensa que, se ao menos pudesse corrigir esse defeito, ela gostaria mais dele.

“Pelo Malo” não é maniqueísta. Não há culpados nem inocentes. Ao assistí-lo compreendemos a mãe, na sua fúria de sobreviver e ter que cuidar de dois filhos, e Júnior, na sua teimosa intenção de se tornar mais bonito, ter cabelo liso e assim, finalmente ser amado.

“Pelo Malo” tem um discurso duro, lida com pessoas ignorantes mas promove empatia e reflexão.

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Eu, Mamãe e os Meninos

“Eu, Mamãe e os Meninos”- “Les Garçons et Guillaume à Table”, França, 2013

Direção: Guillaume Gallienne

Muitas vêzes é difícil para um menino ou menina conhecer sua identidade sexual. E a família sempre tem um papel decisivo para que essa dificuldade se instale.

“Eu, Mamãe e os Meninos” dirigido e interpretado por Guillaume Gallienne conta a história dele mesmo, com os pormenores de um caso complicado de determinação da identidade de gênero.

Ele escreveu um monólogo para o teatro e depois resolveu dirigir seu primeiro longa, onde essas memórias são encenadas com graça e inteligência.

E o sucesso foi enorme. Além da bilheteria de 2 milhões e 300 mil espectadores, ganhou cinco Césars, o Oscar francês 2013, incluindo melhor filme, ator e roteiro adaptado.

Por que será que Guillaume Gallienne caiu no gosto do público? Claro que ele é talentoso. Seu filme é divertido, intrigante e nunca vulgar. Mas sua maior qualidade é a facilidade com que nos envolve e como seguimos Guillaume em suas aventuras e dificuldades de entender quem ele é. Menina ou menino?

O título em francês é uma frase da mãe dele, uma de suas primeiras lembranças, chamando os filhos para a mesa e que traduz a ambiguidade, até mesmo a certeza, que ele vivia. Era diferente de seus irmãos homens, portanto deveria ser uma menina: “Guillaume e meninos, venham para a mesa”.

Essa frase perseguiu Guillaume e se somou às outras que ouviu de seus irmãos, seu pai e seus colegas de internato.

Ele explicava o uso de roupas masculinas, que a mãe comprava para ele, como um maneira de não desagradar o pai. Mas até ele confundia a voz de Guillaume com a voz da mãe. E odiava a situação. Queria que o filho fosse macho.

Filho caçula de uma mãe que queria uma filha, muito cedo Guillaume sintonizou com esse desejo da mãe adorada e tudo que ele fazia era para agradar a ela. Mais. Ser igual  ela.

Ótimo ator, Guillaume Gallienne, 42 anos, interpreta ele mesmo e a mãe, com tanto talento, que custa um pouco para o espectador perceber que não são dois atores.

E as peripécias vividas e trazidas em cenas hilariantes e comoventes, levam o cinema a rir com ele e a se emocionar com sua ingenuidade e temperamento amoroso.

A frase contundente e feliz de um de seus psicanalistas, o último, faz com que Guillaume comece a ver o mundo com olhos virados para si mesmo e não mais para a mãe  maravilhosa ou para o que os outros pensavam dele.

Saimos do cinema ainda rindo e relembrando cenas como a da massagem na Baviera, o internato inglês, a boate gay, a mãe aparecendo em todos os lugares, vinda da imaginação dele para opinar em tudo, a bela cavalgada ao som de Wagner e aquele jantar em Paris.

Faça como os francêses. Vá ver, rir e sorrir com Guillaume Galienne, um diretor sensível e ator talentoso.

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