Foxcatcher: Uma História que Chocou o mundo – 38a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

“Foxcatcher”- “Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo”, Estados Unidos, 2014 38ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Direção: Bennett Miller

Oferecimento Arezzo

A caça à raposa, “esporte” tradicional dos inglêses, é uma farsa. A pobre criatura, perseguida pelos cães que a farejam e os cavaleiros que atiram para matar e divertir-se, é solta de seu cativeiro um pouco antes da caçada começar. Ela está destinada à morte certa.

Quando vemos o filme de época em preto e branco, que passa antes dos créditos, mostrar claramente o que acontece com a raposa, passamos a temer pela vida de uma vítima no filme “Foxcatcher”.

Acontece que o milionário americano John du Pont (Steve Carell, assombroso) sonha em ter um time de luta-livre ou luta greco-romana, para ganhar uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Seul em 1988.

Ele se considera um patriota, herdeiro legítimo de sua família que vendia munição ao exército americano desde o início do século vinte, a maior indústria química do mundo.

Em sua propriedade “Foxcatcher”, onde imperam os cavalos puro-sangue da matriarca (interpretada com corpo retorcido e olhos penetrantes, por Vanessa Redgrave, atriz imensa), o filho quer treinar um time liderado pelos irmãos Schultz, Dave e Mark (Mark Ruffalo, sempre competente e Channing Tatum surpreendente), ganhadores da medalha de ouro em 1984 nas Olmpíadas de Los Angeles.

Só que Dave, o irmão mais velho e treinador de Mark, não está disponível para se mudar com a família para Delaware. Bem que o milionário tenta trazê-lo. Mas só Mark aceita o convite.

O irmão mais novo está decadente, vivendo de sanduíches, numa casa acanhada, dando palestras por tostões em escolas da região. Para Mark, o chamado de John du Pont é a chance de tirar o pé da lama.

Mal sabe ele onde está se metendo.

De temperamento depressivo, auto-destrutivo, inseguro, ele embarca com gosto na vida que o milionário oferece como acompanhante de luxo, com total submissão a seu “pai, mentor e treinador” como John gosta de ser visto, com os apelidos de “águia e águia dourada”.

O bonitão Mark, ingênuo e necessitado de alguém que o use como um marionete, é argila nas mãos cruéis de John, que tenta agradar à mãe, que não esconde seu desprezo pelo filho.

A sexualidade doentia de John, combinada com bebida e drogas, dá vazão a uma crescente psicose.

Quando Dave entra em cena, o trio está completo para a encenação da tragédia.

Bennett Miller dirige o filme com talento, criando um clima de tensão desde o primeiro minuto. Seus magníficos atores interpretam com brilho a história, baseada em fatos reais, mas nem tão conhecida assim por aqui, como faz supor o título em português.

É uma encenação de arrepiar. O John du Pont de Steve Carell dá medo. O ator está irreconhecível. Ele encarna o milionário como alguém à procura de seu trágico destino.

Prêmio de melhor direção no Festival de Cannes desse ano, “Foxcatcher” é um filme para alguns Oscars.

Podem apostar.

Ler Mais

Leviatã – 38a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

“Leviatã”- “Leviathan”, Rússia,2014 38ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Direção: Andrei Zvyagintsev

O mar quebra suas ondas brancas no rochedo negro. Carcaças de barcos, um cemitério de pequenas embarcações e restos de um pier em escombros, refletem-se no espelho das águas.

Uma paisagem morta. Casas humildes espalham-se numa península.

No lusco-fusco de um dia que se finda, um carro na poeira traz um amigo de Moscou para Kolya (Alexei Sobryakov), que vive nessa região gelada com Lylia, sua bela mulher (Elena Lyadova, esplêndida) e Roma (Sergey Pokhadaev), adolescente, filho do primeiro casamento dele, que trata mal sua madrasta.

Os amigos se abraçam com força. O advogado Dmitri (Vladimir Vdovitchenkov), bonitão e caloroso, veio ajudar no processo em que o prefeito da cidade, Vadim (Roman Madyanov, ótimo), quer expropriar as terras de Kolya, berço de seus antepassados.

Com o retrato de Putin na parede e bandeiras da Rússia no seu acanhado escritório, o prefeito se reúne com seus asseclas e planeja o bote. Aliado ao que de mais abjeto existe na cidade, com apoio de cúmplices do governo, dará um outro destino à terra que Kolya ama.

Mal sabe o russo louro e confiante, que sua vida poderá também ser destruída.

O progresso parece trazer para os russos mais do que televisões de plasma, celulares e carros blindados. Corrupção, ética de bandidos, saques perpetrados por uma justiça vendida, desfilam na tela.

Litros de vodca tentam anestesiar as dores da alma russa doente e desviada de seu caminho. Nem a religião consola, presa da mesma crise moral.

O menino chorando desolado na praia, frente aos ossos do esqueleto de uma baleia, branqueados ao sol, parece apontar para uma desesperança no futuro.

E, ao som da pungente sinfonia “Akhnaten” de Philip Glass, uma civilização milenar se esfacela.

O filme de Andrei Zvyagintsev ganhou o prêmio de melhor roteiro em Cannes 2014.

O diretor chamou seu filme “Leviatã”. O que nos remete à mitologia judaica, que dá esse nome a um monstro aquático que seria o demônio representante do pecado da inveja.

E o nome do filme também parece combinar com a acepção do cientista político Thomas Hobbes (1588-1679), que chamou com esse nome, um governo central autoritário que seria necessário na eterna luta de todos contra todos.

Mas quando as coisas chegam a esse ponto, todos serão vítimas, mais dia, menos dia. É o alerta que o filme propõe?

 

Ler Mais