Winter Sleep – 38a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

“Winter Sleep” – Idem, Turquia, Alemanha, França, 2014 38a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Direção: Nuri Bilge Ceylan

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Uma paisagem de grandes pedras, neve e lama. Na Anatólia, região central da Turquia, os homens habitam em cavernas nas rochas, há milênios. Dentro delas, hibernam durante o inverno rigoroso.

Um jeep laranja vai no seu caminho, com dois homens dentro. De repente, uma pedra atinge o vidro da janela do passageiro. O motorista corre atrás de um garoto que foge. Por que aquele menino fez isso?

A partir daí, presenciamos a um demorado desmoronar das certezas de Aydin (Haluk Bilginer, excelente),dono de um hotel na região, homem rico, herdeiro de propriedades do pai.

Aquele menino pertence a uma família que não consegue pagar o aluguel da casa alugada. São inquilinos de Aydin e submissos a ele, mas numa postura de fachada. Por trás há ódio.

Mas o ex-ator e escritor de colunas num jornalzinho local parece não se interessar pelo vil metal. Deixa seus negócios, basicamente aluguéis e o hotel, nas mãos do motorista, Hydaiat, enquanto se refugia, com seu computador, em seu estúdio aconchegante.

Ele pretende, um dia, escrever a história do teatro turco. Diz que será um livro importante, já que conhece bem o assunto.

Mas essa pose de “grand seigneur”que Aydin mantém, com discursos longos nas conversas com a irmã Necla (Demet Akbaj) ou com a esposa Nihal (Melisa Sozen), muito mais jovem que ele, fica cada vez difícil de ser mantida.

Acusa a irmã, recém divorciada e a esposa, de preguiça e de viver às custas dele. Através da disfarçada desvalorização dos outros, Aydin consegue manter sua auto-estima num nível alto.

Para ele, só vale o que ele pensa sobre o mundo. Arrogante, pede a opinião dos outros apenas para reduzir tudo que a outra pessoa fala em seu oposto. É distante e frio, com aparência de ser magnânimo e generoso.

A caçada de um cavalo selvagem, que se joga na água lamacenta do rio para lutar por sua liberdade, abala  Aydin, que começa lentamente a dar-se conta de sua crueldade. Não apenas com as outras pessoas com quem convive mas principalmente consigo mesmo. Ainda frouxamente, algo dentro dele quer também libertar-se do jugo desse tirano que domina a personalidade dele.

É com interesse que seguimos os lances dessa luta interna.

O filme ganhou a Palma de Ouro em Cannes 2014 e o prêmio da Federação Internacional dos Críticos de Cinema, o FIPRESCI. Aliás, o diretor turco Nuri Bilge Ceylan de 55 anos é premiadíssimo em Cannes. Além desses dois prêmios, já ganhou o de melhor diretor em 2008, por “Three Monkeys”, duas vêzes o Grande Prêmio do Júri por “Distant”2002 e por “Era Uma Vez na Anatólia”2011 e mais três FIPRESCI por “Small Town”1997, “Clouds of May” 2000 e “Climates”2002.

O diretor, e co-roteirista com sua mulher Ebru Ceylan, consegue criar um clima que vai se adensando e que, como gelo fino, ameaça o lugar e a pose imperial de Aydin.

“Winter Sleep” alude a um longo período de hibernação da alma de Aydin, que, frente a um fato que o atinge mais fortemente que os estilhaços do vidro daquela janela, vai despertar para a vida.

Tarde demais?

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O Segredo das Águas – 38a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

“O Segredo das Águas”- “Still The Water”, Japão, 2014 38ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Direção: Naomi Kawase

 

Quem fala de vida, fala de morte.

E é com delicadeza que a diretora e roteirista Naomi Kawase, 45 anos, filma a morte de uma cabrinha branca. A princípio, a cena assusta, porque não estamos mais acostumados com ela. Mas depois, abrindo os olhos com cautela, percebemos que o velho de barba e cabelos brancos fez aquilo com o maior cuidado e precisão. Ele acaricia a pele cor de neve. Não há maldade em seu gesto mas necessidade e respeito.

Naquela ilha, o mar de ondas enormes e belíssimas, lembra o Japão dos furacões, tufões e tsunamis. A natureza alí pode ficar bravia. Mas é o homem que maltrata a natureza e mata com crueldade.

Como morreu aquele ser humano que aparece boiando na praia, costas tatuadas?

Kyoko (Jun Yoshinaga), uma adolescente que está de uniforme de colégio, observa o afogado, junto a outros, silenciosos.

“- Deve ter sido um acidente”, diz alguém. “Aqui na ilha não acontecem crimes.”

A mãe de Kyoko (Miyuki Matsuda) está morrendo e ela está apaixonada por Kaito (Niijiri Murakami), um colega da escola com quem percorre a ilha de garupa na bicicleta dele.

Amor e morte.O ciclo da vida se transmite da mulher-mãe para a filha que poderá ser mãe e assim por diante.

O filme “O Segredo das Águas”, rodado na ilha de Amami, sul do Japão, é um filme que fala sobre o xamanismo. A avó da diretora era uma xamã, um ser entre os deuses e os homens, ligado à natureza e seus mistérios. Foi ela que cuidou de Naomi e o filme a homenageia.

A mãe de Kyoko é uma xamã e sua morte é natural e comovente. Cercada por habitantes da ilha, eles cantam e tocam músicas para ajudá-la a morrer feliz. E assim, consolam-se com a certeza de que a morte faz parte da vida e está destinada a todos os seres vivos.

Já o primeiro amor, é, por vezes, difícil de viver. Há medos e contradições no coração dos jovens.  Principalmente nos que não aceitam em si e nos outros, os desígnios da natureza.

Kaito está preso à mãe pelos laços primitivos de um Édipo que não permite que ele viva sua própria vida.

E como são lindas as cenas aquáticas, com Kyoko e Kaito mergulhando de mãos dadas no mar transparente.

A diretora japonesa concebe seu filme de maneira a nos conduzir a pensar que fazemos parte intrínseca da natureza, nossa mãe e que só em comunhão com ela seremos completos.

Um filme simples e poético.

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