Para Sempre Alice

“Para Sempre Alice”- “Still Alice” Estados Unidos, França 2014

Direção: Richard Glatzer e Wash Westmoreland

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Pode acontecer com qualquer um.

Mas quem vê aquela família que celebra o aniversário de 50 anos de Alice, mãe de Anna e Tom, que o marido brinda como a mulher mais linda e inteligente que ele conhece, não vai pensar em drama.

Uma das filhas, Lydia, não está presente porque mora em Los Angeles. Ela tem um teste para um papel na TV e não veio para Nova York.

Sente-se uma leve reprovação na voz de Alice quando dá essa notícia mas ela é afável, delicada e firme, não deixando o ar festivo do jantar sofrer qualquer abalo.

Alice Howland (Julianne Moore) é a mais jovem professora de Linguística da Universidade de Columbia. É referência em seu campo de estudo. Bonita, longos cabelos ruivos, pequena e bem cuidada, ela gosta de cozinhar e parece contente com sua vida. Por isso impressiona quando ela tem um branco durante uma palestra.

“- Eu sabia que não deveria ter bebido aquele champagne”, brinca ela, enquanto recupera a palavra perdida.

Mas quando se perde durante uma corrida no parque, vemos pânico em seus olhos. Curvada, respira profundamente para situar-se mas está mergulhada em confusão.

Auto-suficiente, Alice vai ao neurologista sozinha. Ele escuta seus sintomas, faz alguns testes e pede uma ressonância e depois um PET-SCAN. Mas não há dúvida. É Alzheimer. Um tipo raro e familiar.

E começa uma descida aos infernos para Alice:

“- Parece que meu cérebro está morrendo e tudo aquilo pelo qual trabalhei a vida inteira está indo embora…”

A família também sente o baque, o marido (Alec Baldwin) se impacienta e ela tem vergonha de ter essa doença que faz dela um ser no qual ninguém mais a reconhece.

A impotência e a dor estão nos olhos expressivos de Alice quando diz:

“- Eu queria ter câncer. As pessoas são solidárias. Usam fitas rosa por você, levantam fundos…”

Julianne Moore, 54 anos, ganhou todos os prêmios de melhor atriz, inclusive o Oscar, por esse papel. Mereceu, porque conseguiu expressar toda a dor psíquica que a doença traz com sua postura, seu olhar que busca e não encontra o que procura, a impotência em seus ombros caídos, a fragilidade extrema em que se encontra uma pessoa que vai se perdendo, morrendo em vida.

O filme tem uma particularidade. Dirigido por um casal gay, um dos diretores e roteirista, Richard Glatzer, enfrentava uma doença degenerativa incurável, a esclerose lateral amiotrófica (ELA), enquanto co-dirigia o filme. Um drama real acontecia por detrás das cameras. Ele não conseguiu resistir à doença que o levou no dia 10 de março, enquanto eu escrevia essa resenha. E talvez por isso, evitou-se o tom lacrimoso e o foco do filme está na atitude corajosa com que Alice lida com as perdas inexoráveis.

Lydia (Kristen Stewart), a única dos filhos de Alice que não fez o teste genético para saber se tem a doença, é também a única que demonstra generosidade com a doença da mãe. A atriz vem crescendo nos últimos filmes que fez,  contracenando com Juliette Binoche e agora com Julianne Moore.

“Para Sempre Alice” é um filme pequeno e belo, com uma grande atriz que nos toca com a interpretação de um ser humano que luta para viver mas que aceita o seu destino, com uma nobre resignação e não desiste do amor, mesmo que não haja mais palavras para dizê-lo.

 

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Blind

“Blind”- Idem, Noruega, 2014

Direção: Eskil Vogt

Ingrid (a talentosa Ellen Dorrit Petersen) apresenta-se na tela como uma mulher solitária. Alta, pele muito branca, olhos de um azul escuro, rosto nórdico, cabelos lisos louríssimos. Ainda jovem, senta-se num apartamento despojado, perto da janela. Tem computador e aparelho de som a seu lado.

Quando começa a narrar em “off” sua cegueira, não o faz para lamentar-se. Descreve o que aconteceu. A mancha no olho, a visita ao especialista, o diagnóstico.

“- Dizem que minha capacidade de visualizar vai desaparecer porque o nervo óptico vai definhar sem novas impressões. Mas também disseram que eu posso retardar o processo me exercitando todo dia.”

Lembranças, associações, desejos, conflitos, medo. Tudo isso vai entrar em cena.

Presa no apartamento por sua fobia, a princípio, como não vê, não quer ser vista.

Demora um pouco para o espectador perceber, mas a mente observadora e criativa de Ingrid vai abrindo espaços, através das histórias que ela conta para si mesma. Essas narrativas aparecem visualmente na tela, assim como aparecem na mente de Ingrid. Estamos dentro da cabeça dela, vendo o que ela imagina.

Ingrid encontrou sua Sherazade e as histórias vão sendo escritas no computador, pensadas e mesmo sonhadas.

“- Quando sonho, posso enxergar. Aí acordo pensando que vou voltar a ver e não…”

Para combater a solidão e a depressão, a libido de Ingrid vai ajudá-la a encontrar imagens e, em seu mundo interno, personagens se movimentam.

Há pornografia, sexo comum, voyeurismo, amizade, maternidade. Os cenários são os que ela conhecia antes de ficar cega. O humor começa a aparecer e ela sorri sózinha.

Porque ela sente que o casamento está em crise, o marido Morten (Henrik Rafelsen) é o centro de sua atenção.

“- Agora ele vai chegar, contar como foi o dia dele e perguntar do meu. Quer saber se eu saí. Não fala nada mas deve ficar decepcionado comigo…”

A auto-estima de Ingrid está abalada mas ela vai aos poucos ficando mais confiante, transmutando paranoia em desejo e, ao invés de procurar um outro mundo para o marido, longe dela, introduz o homem que ela ama em suas fantasias.

“- Às vezes eu sinto que ele está aqui no apartamento. Ele diz que não é para eu ficar imaginando coisas… Mas o piso faz barulho…Ele poderia estar sentado, calado e me observando…”

A luta de Ingrid para conseguir viver na escuridão, sair da depressão e o desejo de amar e ser amada, são traduzidos em imagens fantasiadas e vivências na realidade, às vezes difíceis de serem diferenciadas, devido à montagem impecável.

O roteiro é fascinante, escrito pelo próprio diretor, norueguês, que já nos envolveu com o roteiro de “Oslo – 11 de agosto” de 2011. Esse é o primeiro longa de Eskil Vogt, 40 anos,  o que aponta para uma carreira brilhante no cinema.

Elogiadíssimo pela crítica e premiado pelos festivais por onde passou, “Blind” é um filme raro, que provoca o espectador, para que ele possa refinar sua sensibilidade.

Uma experiência enriquecedora.

 

 

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