Um Pouco de Caos

“Um Pouco de Caos” – “A Little Chaos”, Reino Unido, 2014

Direção: Alan Rickman

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Quem já teve o privilégio de visitar o Castelo de Versailles, nos arredores de Paris, sabe do que eu vou falar. É sempre um encantamento quando saímos para conhecer os jardins.

A perder de vista, lá no fundo numa colina, sucedem-se espelhos d’água, fontes com repuxos e decorações, estátuas em pilares de mármore, canteiros floridos e muitas surpresas escondidas nas aleias que saem do caminho principal.

Olhando a obra do século XVII, ficamos a imaginar de que cabeça surgiu essa maravilha. Pois foi a arte do famoso paisagista André Le Nôtre (1613-1700).

“Um Pouco de Caos” conta a história criando uma personagem de ficção interpretada por Katie Winslet (linda e grávida disfarçada), Madame Sabine de Barra, que faz uma parte desse jardim encantado.

Foi em 1682, no reinado de Louis XIV, o Rei Sol, que a corte mudou do Palácio do Louvre, em Paris, para o campo, onde foi construído o “Chateau de Versailles”, uma das maravilhas francesas, imitado por toda a Europa mas nunca igualado.

O rei (Alan Rickman, que é o diretor do filme) queria que seus filhos respirassem um ar mais saudável e também que sua obra maravilhasse a todos e deixasse uma marca do seu reinado:

“- Vamos ter jardins maravilhosos! O céu será aqui.”

A época celebrava a harmonia e a simetria. Assim trabalhava Le Nôtre (Mathias Schoenaerts de “Ferrugem e Osso”, 2012).

Mas ele queria que seu jardim brilhasse e saísse do convencional e, por isso, pensou em contratar alguém diferente para construir “Rockwork Grove”, uma espécie de joia secreta.

E Le Nôtre encantou-se com o projeto de Madame de Barra, uma jardineira com um espírito criativo e grande dose de imaginação. Uma verdadeira vocação para celebrar a natureza.

Escolheu-a entre muitos para fazer a gruta, escondida por um bosque, que ela transformou num salão de baile ao ar livre, com uma arquibancada e cascatas de água jorrando pelo muro de pedras exóticas, enfeitado com conchas. Não foi fácil. Mas ela era teimosa e tinha Le Nôtre ao seu lado.

“Um Pouco de Caos” conta essa história sobre a criação dos jardins de Versailles, com o amor como licença poética. É um filme de época bem feito, com belas imagens, ao mesmo tempo grandiosas e delicadas, que nos transmitem o que seria viver na corte de Louis XIV, com toda a pompa e circunstâncias.

Belíssimo. 

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O Último Poema do Rinoceronte

“O Último Poema do Rinoceronte”- “Fasie kargadan”, Irã, Iraque, Turquia, 2012

Direção: Bahnan Ghobadi

Beleza e dor.Um grande amor não pode ser vivido por causa da injustiça e da inveja.

Essa é a história real de um poeta iraniano, Sadegh Kamangar, que passou injustamente quase 30 anos como prisioneiro político, por causa da Revolução Islâmica no Irã, que tirou o Xá Rezha Pahlevi do trono em 1979 e instituiu o governo religioso dos aiatolás.

Sahel ( Behraz Vossoughi), como é chamado no filme, era casado com a filha de um coronel do regime do Xá e, portanto, ambos são considerados inimigos pelo governo religioso.

Ela, Mina, interpretada com silêncio e doçura por Monica Bellucci, é uma “mater dolorosa”. Feliz e apaixonada pelo marido poeta, ela é jogada numa cela, torturada e obrigada a gerar filhos de seu carrasco, Akhbar Rezai (Ylmaz Erdogan).

Esse homem, cruel e desprezível, era chofer na casa do pai dela e cobiçava a bela filha do patrão. Nunca perdoou aquele casal apaixonado que ele olhava com rancor pelo espelhinho do motorista, quando os conduzia por Teerã.

Conseguiu sua vingança aliando-se aos adeptos do novo regime.

Se antes os porões da monarquia do Xá estavam repletos de opositores, o mesmo aconteceu quando o tirano foi deposto. Só que agora, os prisioneiros eram os privilegiados pelo antigo governo.

Tudo começa no filme com a alegria do lançamento do livro de Kamangar, “O Último Poema do Rinoceronte”, com muito sucesso. O casal feliz é conduzido no carro pelo chofer porque o poeta quer mostrar algo à sua bela amada, vestida com roupas ocidentais e maquiada.

Chegam à beira de uma estrada que entra pela floresta e descem do carro, num lugar onde impera uma estranha árvore muito antiga:

“- Acredite se quiser, eu falo com essa árvore e ela me responde. Ela me inspirou.”

Mas a felicidade dos dois dura pouco e logo o povo nas ruas grita contra o Xá e ouvem-se rajadas de metralhadoras.

A partir da prisão do casal, o diretor e roteirista curdo-iraniano Bahnam Ghobad muda a maneira de contar a história, valendo-se de imagens escuras e distorcidas para falar do sofrimento, da dor no corpo e na alma. São corações que sangram, impedidos de se ver e constantemente brutalizados.

E os poemas de Kamangar são recitados em “off” pela filha do poeta, que os diz com uma voz suave e grave, enquanto na tela, vemos com horror as imagens da prisão:

“Anunciaram sua morte.

Se você está vivo ou morto,

Ninguém sabe.”

Mina foi solta depois de 10 anos e mudou-se para a Turquia, alquebrada pelo luto da notícia da morte do marido. Mas nunca esqueceu seu grande amor. E faz sua poesia ser conhecida de uma maneira surpreendente.

O filme tem Martin Scorsese como produtor e foi premiado por sua fotografia em festivais por onde passou.

De inegável beleza, mas com uma narrativa difícil, “O Último poema do Rinoceronte” vai agradar a quem ama ver arte no cinema.

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