De Cabeça Erguida

“De Cabeça Erguida”- “La Tête Haute”, França, 2015

Direção: Emmanuelle Bercot

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Na cena inicial, uma juíza de menores, Florence Baque (Catherine Deneuve, sempre bela e competente), pergunta a uma jovem mãe solteira (Sara Forestier), com um bebê inquieto, chorando no colo , por que seu outro filho não vai à escola há três meses. Um menino, de uns seis anos, olha assustado os adultos.

A assistente social diz para a juíza que é difícil estabelecer um diálogo produtivo com Madame Ferrandot, mãe do menino.

Para nosso espanto, a mãe diz, olhando o filho:

“- Ele é esperto. É um bicho dentro de casa. Aqui vira um santo. Parece que sabe que está num tribunal. Quero me livrar dele.”

E sai, deixando as duas mulheres com um ar de surpresa e desânimo:

“- Espero que haja vaga no Lar das Crianças” diz a assistente social.

Assim começa a história de Malony Ferrandot, interpretado com garra pelo novato Rod Paradot.

Na próxima cena ele já tem uns 14 anos e guia um carro como um louco, incentivado pela mãe no banco de trás, com o irmãozinho.

Quando volta ao tribunal da juíza, vai ter que responder por roubo de carro e guiar sem carteira de motorista.

Malony não vai à escola, usa drogas, provavelmente será expulso e sua atitude frente à juíza é de descaso.

“- O que quer fazer de sua vida, Malony?”pergunta a juíza, severa.

Vai ser longo e difícil o caminho de Malony. Mas algo nele faz tanto a juíza, como o educador Yann (Benoit Magimel), não desistirem de tentar fazer ele compreender que tem que mudar de atitude.

Garotos delinquentes geralmente terminam mal. Mas no caso de Malony, muitas variáveis entraram em jogo para que ele pudesse ter uma chance. Sua agressividade e incapacidade de tolerar frustrações, cedem aos poucos, dando lugar a uma postura mais produtiva. Não sabemos por quanto tempo, mas torcemos por ele.

O filme mostra que o Estado tem o seu papel de educador mas que precisa de alguma reação positiva para poder recuperar um garoto como Malony.

E, em tempo de debate sobre a maioridade penal, a diretora, que abriu o Festival de Cannes de 2015 com seu filme, disse em entrevista:

“Entendo que o jovem não deva permanecer impune, mas colocá-lo na cadeia com adultos não é a solução. Isso só piora o problema.”

“De Cabeça Erguida” é um filme que ousa ter um olhar de esperança para os jovens que, por isso ou aquilo, não conseguem levar uma vida sem cair na marginalidade.

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A Festa de Despedida

“A Festa de Despedida”- “Mita Tova”, Israel, Alemanha, 2014

Direção: Sharon Maymon e Tal Granit

É difícil falar sobre a morte. Por isso a negação em torno a esse assunto. O que dirá então de tratar da morte concedida como uma saída digna de uma vida de sofrimentos, com o auxílio de outros?

Tal desejo de morrer com dignidade foi já assunto de alguns filmes ao longo dos últimos anos. Como não lembrar de Javier Bardem em “Mar Adentro” de 2004? E, antes ainda, de “Invasões Bárbaras” de 2002,  do canadense Denys Arcand? “Algumas Horas de Primavera” de 2012, traz Vincent Lindon como o filho que leva a mãe para a Suiça, para o chamado “suicídio assistido”, legal naquele país. “A Bela que Dorme” , dirigido por Marco Bellocchio, traz um fato real de eutanásia para as telas em 2012.

Para não falar no celebrado “Amour” de Michael Haneke e do filme islandês “Vulcão” de 2011, que tratam do assunto da mesma forma, ou seja, quando fazer o outro morrer é um ato extremo de amor.

No agridoce “A Festa de Despedida” é a vez de Israel. Tema difícil, já que ali a eutanásia é proibida fortemente pela religião e pela lei que castiga o autor do crime com prisão perpétua.

Mas a dupla de diretores, que ganhou o “Ophir de Ouro” de direção ( o Oscar de Israel), Sharon Maymon e Tal Granit, soube levar o roteiro deles com muita inteligência, sabendo trilhar a linha divisória entre o humor fino e, por vezes negro, evitando cair no sentimentalismo barato, ao falar sobre o suicídio assistido, a morte conduzida pelo próprio doente, que não aguenta mais viver do jeito que vive.

O filme, que tem um elenco genial, começa com risos. No telefone, “Deus” conversa com Zelda, uma paciente que sofre com uma recidiva de câncer, dizendo a ela que tenha mais um pouco de paciência, já que não havia vaga no céu no momento.

A brincadeira piedosa é armada por um amigo da paciente,Yehezkel (Ze’ev Revach) casado com Levana (Levana Finkelstein), todos vivendo num condomínio aprazível para idosos em Jerusalém.

Mas todo esse clima leve começa a pesar quando Yana (Alisa Rosen), desesperada com o sofrimento do marido Max (Schmud Wolf), que pede para morrer, internado no hospital, comove os amigos, que se juntam para encontrar uma solução.

O “Doutor Morte”, Kervokian, é relembrado, e o inventor amador Yehezkel, junta-se ao veterinário aposentado (Ilan Dar), também morador do condomínio, e conseguem fabricar uma máquina que ministraria uma combinação fatal de duas drogas  pelo tubo intravenoso, através de um controle manipulado pelo próprio doente.

Não é nenhuma surpresa que esse segredo mal guardado se espalhe e muita gente passe a assediar o grupo de amigos de Max. Todos com o mesmo problema.

Risos e comoção vão se alternando conforme o filme avança.

Toques surreais sublimes, como o canto que une vivos e mortos, são uma pausa para respiração, para depois voltar à realidade.

Porque é na nossa própria morte e na dos nossos entes queridos que pensamos enquanto assistimos “A Festa da Despedida”, um filme humanista, tão triste quanto realista.

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