Perdido em Marte

“Perdido em Marte”- “The Martian”, Estados Unidos, 2015

Direção: Ridley Scott

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Um alvorecer banha o planeta de vermelho e descortina uma planície de solo amarelado e picos de pedra negra. Aqui e ali vemos homens trabalhando, vestidos em trajes espaciais, que se comunicam entre si, através de um sistema embutido em seus capacetes. Perto, uma base, onde há um laboratório onde se estudam as amostras colhidas.

De repente, soa um alarme. Sinal de tempestade.

“- Estaremos lá dentro antes disso”, diz um dos homens.

Mas parece que a tempestade é pior do que eles pensavam. E todos se apressam para subir na nave pousada perto. A missão em Marte terá que ser abortada. A luz quase desaparece e só distinguimos vultos batidos por uma pesada chuva de detritos.

Dentro da nave aprontam-se para decolar e alguém informa que Mark Watney (Matt Damon) está morto. Não há sinais vitais dele na tela de monitoramento. Depois de hesitar, a comandante (Jessica Chastain) dá a ordem para a decolagem.

A nave Ares III se lança no espaço, sem ninguém imaginar que Mark Watney (Matt Damon) está vivo e, de agora em diante, sozinho em Marte.

Ridley Scott, 77 anos, é o diretor de muitos filmes que marcaram época. Basta lembrar de “Alien”1979, “Blade Runner”1982, “Thelma e Louise”1991, “Gladiador”2000 e outros menos apreciados mas grandiosos, “Prometheus” 2012, que terá uma sequência e “Exodo: Deuses e Reis”2014.

Baseado no livro de Andy Weir, um programador de computador que escreveu e publicou “on line” e depois viu seu livro tornar-se um “bestseller”, o filme tem roteiro inteligente de Drew Goddard. O grande tema é a ciência e como ela consegue dar respostas às perguntas que Mark levanta para resolver os problemas ligados à sua sobrevivência em Marte.

Fiel ao livro, o filme coloca as questões científicas, que estão rigorosamente corretas, de forma mais acessível para o público entender, quando Mark faz anotações no seu diário digital.

Matt Damon interpreta o papel com perfeição e sua simpatia natural empresta encanto ao personagem que não se deixa derrotar por dificuldades que desanimariam qualquer um. Ele vai resolvendo com calma, humor e tenacidade, cada passo em direção à sua sobrevivência. Sobrepuja a solidão e o medo, fazendo a cabeça funcionar em prol de si mesmo. É um campeão da resiliência, que é a capacidade de retornar ao estado anterior, ainda mais fortalecido, depois de passar por adversidades.

E há a solidariedade na Terra, com os cientistas procurando resolver o problema de mandar uma missão de socorro para trazer Mark de volta. Por mais difícil e improvável que isso pudesse ser.

A trilha sonora de “Perdido em Marte” é um achado delicioso. Mark ouve música dos anos 70 o tempo todo, já que é a única disponível, deixada pela comandante da nave no meio de suas coisas na base. Gloria Gaynor encerra o filme com seu hino “I Will Survive” que nunca esteve tão bem aproveitado.

Ridley Scott, altamente inspirado, fez um filme que prende a atenção, cria paisagens belíssimas e exalta as boas qualidades da natureza humana.

Estamos muito precisados disso.

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O Clube

“O Clube”- “El Club”, Chile, 2015

Direção: Pablo Larrain

Existem assuntos perigosos. Há que ter maturidade para mexer com eles. Foi o que aconteceu com o filme “O Clube”.

Pablo Larrain, diretor chileno, 39 anos, ganhou o Urso de Prata ou seja, o Grande Prêmio do Júri, no Festival de Berlim em fevereiro de 2015, com seu último filme. A crítica já tinha recebido bem o anterior “No”, que ganhou  em Cannes o prêmio da Quinzena dos Realizadores, o prêmio do público na Mostra de São Paulo e foi finalista no Oscar para filmes estrangeiros.

Mas, foi “O Clube” que alçou Pablo Larrain à seleta comunidade dos grandes cineastas contemporâneos, com excelentes críticas em Berlim.

A história, escrita por Larrain, Guillermo Calderón e Daniel Villalobos, se passa numa cidadezinha litorânea no Chile, “La Boca”, escura, pobre e destituída de encantos. O mar cinzento parece gelado e as areias da praia são negras. Mesmo quando o sol brilha, o vento cortante não deixa que ele aqueça aquele lugar esquecido do mundo.

Dentro da casa amarela, no alto da encosta próxima ao mar, é tão escuro, que mal identificamos os personagens que lá habitam. São quatro homens idosos, sentados à mesa do jantar. Comem silenciosos. Uma mulher mais jovem, está entre eles.

O mar ruge, lá embaixo na noite.

De dia, vemos esses homens (Alfredo Castro, Jaime Vadell, Alejandro Goic e Alexandro Sieveking) andando acompanhados de um galgo. A mulher (a excelente Antonia Zegers, mulher do diretor) desce a colina, com o cachorro pela coleira, e se aproxima de outras pessoas, também com cães. Vai haver uma corrida.

Da encosta, os quatro homens acompanham os acontecimentos com binóculos e comemoram sem alarido. O cão deles, Rayo, ganhou.

“- Com essa, já temos 400 mil. Vamos correr a regional e depois Santiago”, diz o homem que se ocupa com os treinos do galgo na praia negra.

Mas, um novo morador chega na casa:

“- Talvez alguns de vocês conheçam o padre Matias. De agora em diante, fará parte dessa comunidade”, diz o padre que trouxe o homem grande, de cabelos grisalhos revoltos e barba.

Aquela que se intitula irmã Monica, recebe o recém-chegado:

“- É uma casa de meditação. Muito importante para a Igreja”, fala ela, enquanto passa para o padre Matias Lazcano (José Sozo), as regras que ele deve obedecer. Não poderá ir ao povoado, a não ser em horários determinados e sozinho.

“- É absolutamente proibida a comunicação com alguém de fora.”

“- Não sei por que me submeter às mesmas regras que eles. Não cometi pecado. Não sou homossexual. Tive um probleminha…”

É só nesse momento que nos damos conta de que os personagens são padres excomungados da Igreja Católica, que praticaram delitos, tais como pedofilia, corrupção política e tráfico de bebês. Naquela casa a negação é regra, aliada à mentira e à falsidade. Entre eles, ninguém é culpado de nada.

E é justamente a chegada do padre Lazcano que vai deflagrar uma tragédia, lançando uma luz indesejável sobre aquelas pessoas escondidas do mundo.

Um jovem jesuíta virá com uma missão mas os acontecimentos se precipitarão e outro caminho terá que ser escolhido.

Larrain disse numa entrevista:

“- Fui educado em escolas católicas. Dos padres que eu conheci, alguns permaneceram homens honrados, respeitáveis. Outros estão na prisão ou tem problemas legais. E outros ainda, estão perdidos. O filme é sobre os que se perderam”. E acrescenta que “O Clube” é um filme sobre “amor, paixão e redenção”.

Quem gosta de acompanhar os grandes filmes, elogiados pela crítica séria, não pode perder esse último trabalho de Pablo Larrain, que ainda vai dar muito o que falar, por causa de seu talento.

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