A Lenda de Tarzan

"A Lenda de Tarzan”- “The Legend of Tarzan”, Alemanha, 2016

Direção: David Yates

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Desde sua criação como personagem em 1912, para uma revista, Tarzan encantou a todos os adolescentes e adultos que leram qualquer dos 24 livros escritos pelo americano Edgar Rice Burroughs, desde 1914.

Quando foi para a tela na pele do campeão de natação, Johnny Weissmuller, o primeiro Tarzan do cinema sonoro, emocionou as plateias com o famoso “Me Tarzan, You Jane” e principalmente por seu físico perfeito. Era a primeira vez que isso acontecia. Um corpo masculino mostrado com uma tanga, enorme na telona.

Mais. Personificava a força da natureza humana, o homem animal, aliada à inteligência e sentimentos puros que o tornavam um herói idealizado.

Desde então, outros atores apareceram como Tarzan, que quer dizer “Pele Branca” na língua inventada pelo criador do personagem.

O filme, dirigido por David Yates que adaptou para o cinema os últimos quatro volumes de “Harry Potter”, adota uma linguagem visual que mistura a tecnologia digital com filmagens em locação no Parque Nacional do Gabão, na África e nas montanhas Dolomitas da Itália.

As florestas são escuras e as imensas árvores servem ora como caminhos com seus largos galhos, ora seus cipós são a ocasião para os famosos voos de Tarzan que levam a gente junto, numa divertida e precisa coreografia.

A história do menino inglês órfão que foi criado por uma gorila e aceito como um igual por todo o bando de gigantes peludos e olhos quase humanos, é contada em “flashbacks”.

Quando no filme Tarzan aparece, ele é John Clayton, em seu castelo, na Inglaterra, lar dos nobres Greystokes, casado com Jane (Margot Robie, muito bonita e com uma boa química com seu par).

Ele parece estressado, caminhando pelos salões de sua mansão como um animal preso numa jaula. Quando vem o convite do rei Leopold da Bélgica, para visitar o Congo, ele não pergunta muito e vai. Jane atrás.

Mas quem os convence a ir para o lugar onde Tarzan passou grande parte de sua vida, foi o pesquisador americano negro George Washington Williams, (Samuel L. Jackson), que quer a ajuda de Tarzan para desmascarar a escravidão que acorrenta o povo do Congo com crueldade.

Na verdade, quem faz o convite é o vilão Leon Ron (Christoph Waltz, sempre maravilhoso) que é o representante do rei da Bélgica, que quer trocar Tarzan por diamantes da tribo africana que odeia o rei das selvas, por algo que aconteceu no passado.

Dessa forma, o personagem de Alexander Skarsgard tem uma complexidade que o afasta da ideia de um herói sem jaça como era o personagem no princípio.

Aliás o ator surpreende, não apenas pelo corpo esculpido e o visual louro de olhos verdes, mas pelo que transmite em seu olhar melancólico. Tarzan não pertence nem à selva, nem à cidade. É quase como se só se sentisse bem com Jane, aquela que teve um destino parecido com o dele e pode entender o que se passa em sua mente.

E temos, afinal, um filme onde o herói é levado por um negro (que realmente existiu e foi o maior inimigo do rei Leopold da Bélgica (1835-1909), que explorou a África sem dó nem piedade), a libertar um país de negros do jugo inominável da escravidão. Há uma crítica severa ao colonialismo.

Um filme que vai achar seu público, com certeza.

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Chocolate

“ Chocolate”- “Chocolat”, França, 2016

Direção: Rodschdy Zem

É uma vergonha para a humanidade que existam pessoas, no século XXI, comportando-se do mesmo modo que outras que viveram dois séculos atrás.

A atual onda de intolerância, preconceito e racismo que vemos acontecer, é algo que não podemos deixar de denunciar.

Por isso o filme do ator-diretor Rodschdy Zem, “Chocolate”, adaptado pelo diretor, Cyrill Gely e Olivier Gorce, do livro “Chocolat Clown Nègre – L’histoire oubliée du premier artiste noir de la scène française” escrito por Gérard Noiriel, é bem-vindo para colaborar na reflexão sobre esse assunto.

Rafael Padilha, o verdadeiro nome de Chocolat, nasceu em Cuba, em 1865, de uma família escravizada. Ele também foi vendido como escravo para a Espanha mas conseguiu fugir e sobreviveu como pôde, até conseguir um lugar no Circo Delvaux.

Lá fazia “Kalanka, o rei canibal”, que assustava crianças e adultos ingênuos, que nunca tinham visto um negro de verdade. Dividia o picadeiro com uma chimpanzé, grunhia e fazia caretas, do alto de seus quase dois metros de altura. A plateia gritava entre o susto e a surpresa.

Foi quando George Footit, um antigo palhaço, tem a ideia de inovar e incluir o negro em seu número. Ele seria o palhaço branco autoritário e Chocolat o perseguido, que apanhava e levava pontapés.

O número usava o preconceito que via o negro como alguém que só podia ser ridicularizado pelo branco, já que não impunha nenhum respeito.

Deu certo e a fama deles como uma dupla original chega aos ouvidos do diretor do “Circo de Inverno de Paris”, que contrata os dois.

Chocolat adora Paris. A visão do novo espaço de trabalho, para quem só tinha visto picadeiros de circos pobres, o encanta. Passar da pobreza à riqueza e à fama não demorou muito. E Chocolat, mulherengo e generoso, gastava mais do que podia, jogava, bebia e contraia dívidas. Seu parceiro ganhava o dobro do que ele ganhava mas gastava pouco e censurava Chocolat.

Os dois fazem tanto sucesso que são escolhidos para serem filmados pelos irmãos Lumière. O filme passa em preto e branco no final, antes dos créditos.

A dupla figura em cartazes de propaganda de produtos. Toulouse Lautrec pintou Chocolat muitas vezes. A fama dele estava no auge.

Até que Chocolat é preso por dívidas de jogo e fica conhecendo um haitiano que acorda nele o que estava adormecido. Tarde demais.

Omar Sy está excelente como o palhaço grandão, ingênuo e simpático, adorado pelo público. Faz, com talento, um Chocolat que não percebe que só é aceito enquanto interpreta o papel que o público quer para ele.

É comovente sua decepção quando, querendo fazer teatro sério, seu Otelo é vaiado.

O ator que faz seu parceiro, James Thierré é mais conhecido na França como artista de teatro. Neto de Charles Chaplin, ele herdou o talento do avô para compor um palhaço patético.

“Chocolate”, apesar de não ser um filme excepcional, agrada bastante ao contar uma história exemplar.

E Omar Sy mostra, mais uma vez, porque é o queridinho do cinema francês. Ele é um ator com muito carisma e encanto. Vale a pena vê-lo interpretando Chocolat, um artista pioneiro, esquecido e dramático.

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