Uma Casa à BeiraMar

“Uma Casa à Beira Mar”- “La Villa”, França, 2017

Direção: Robert Guédiguian

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O barulhos das ondas antecede a visão do terraço debruçado sobre o mar. Um pequeno porto rodeado de rochedos, casas e árvores. Atrás da casa, um antigo aqueduto romano tornou-se ponte para o trem que vem e vai.

Um homem velho, cabelos brancos, olhos azuis e pele crestada de sol, olha a paisagem do por do sol e pensa em algo:

“- Azar…”, diz com impotência e cenho franzido.

Acende um cigarro e um close em sua mão que tenta agarrar a mesa, mostra que ele não está bem. As imagens do mar ficam desbotadas, quase em preto e branco.

Mas ele não morreu. Pior. Está na cama, com uma respiração agônica e olhos abertos que nada veem. Teve um derrame que o deixou paralisado e sem fala.

A doença do pai e, por que não dizer, a expectativa que ele morra, traz de volta à casa seus outros dois filhos, recebidos pelo irmão mais velho Armand (Gérard Meylan). Ele ficou na casa da infância e cuida do pequeno restaurante modesto fundado pelo pai.

“- Por que veio? Não precisava. Mas estou contente de te ver. Você não?”, pergunta a Angèle, sua irmã.

Ela (Ariane Ascaride, mulher do diretor e um rosto sempre presente em seus filmes) é atriz de sucesso e não volta à casa paterna há 20 anos. Está angustiada, já que essa visita vai trazer à tona memórias funestas, que ela quer evitar. Nunca perdoou o pai por causa de uma tragédia acontecida naquele lugar.

E Joseph (Jean-Pierre Darroussin) chega com uma namorada bem mais nova (Anais Demoustier) e traz consigo uma amargura e acidez que pioraram com o tempo e os infortúnios. Ele é um escritor que não consegue escrever nada há muito tempo.

A primeira parte do filme vai contar a história dos irmãos e como eles vão lidar com as recordações boas e más, que aquela casa traz de volta. Um balanço da vida é inevitável e e eles vão ter que encarar a realidade que foi possível, apesar de querer que quase tudo tivesse sido diferente.

Há também histórias de amor que ajudam a pensar em dias melhores, contadas com humor e doçura.

Na segunda parte, há uma reversão das preocupações por causa das crianças imigrantes que sobreviveram ao naufrágio que os trazia da África do Norte. São encontradas vivendo escondidas e à mingua pelos irmãos. O coração deles vai se abrir à essa tragédia

que roubou pais e país daqueles refugiados.

Robert Guédiguian, 65 anos, faz um filme com uma  visão humanista e parece que nos acena com esperança de um mundo melhor, baseado não em ideias de progresso ou de um retorno ao passado, mas na possibilidade das pessoas se reinventarem enquanto é tempo.

A vida é curta mas enquanto ela palpita em nosso coração, há sempre tempo para rever nossos passos e se inspirar para trilhar novos caminhos.

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Hannah

“Hannah”- Idem, Itália, 2017

Direção: Andrea Pallaoro

O curso de teatro que Hannah frequenta é um lugar onde poderia expressar emoções que na vida ela se proíbe. Talvez. Estranhamente, diálogos e pequenas cenas que ela representa lá, durante o filme, lembram idênticos momentos de sua vida. Parece que o diretor italiano Andrea Pallaoro avisa o espectador: prestem atenção nela.

Charlotte Rampling, atriz inglesa, 72 anos, é Hannah, uma mulher complexa e enigmática, até que entendemos melhor o contexto em que ela vive. No grupo de teatro ela interpreta como uma ficção, a terrível realidade.

E naquela mesa onde janta com o marido (Andre Wilms), o silêncio é o que resta, além de ações automáticas como comer, trocar a lâmpada que queimou, ir deitar. Mas uma massagem que ela faz com carinho nas costas do marido é um detalhe importante. Hannah expressa cuidado e amor.

O que aconteceu com aquele casal que parece caminhar para algo terrível ou ter vivido um drama pesado?

As duas opções parecem ser verdadeiras. Mas não ficamos sabendo logo. A história se desenrola devagar.

No dia seguinte, eles se vestem e ela pergunta:

“- Está pronto?”

Ele se curva e acaricia um cão, sussurrando palavras doces e amorosas. Uma despedida?

No taxi ele entrega a ela seu relógio. Entram num lugar que é uma prisão. Ele se entrega. Houve um crime?

Quando ela volta ao apartamento, ao colocar as roupas dele sobre a cama, temos a impressão de ver as roupas de um morto. Ela está de luto.

Seu rosto, filmado em close quase o tempo todo, expressa angústia, raiva, grande tristeza e um mergulho no lado mais escuro de sua alma.

Mas alguma esperança ainda resta. Porque ela trabalha como faxineira na casa de uma família rica e deita o menino cego em seu colo para fazer os carinhos que ele pede. Ela faz isso lembrando que tem um filho e um neto. Mas não mais. Foi expulsa da casa deles com um bolo de aniversário na mão.

O que aconteceu de tão grave? Que crime é esse que também a compromete?

Ouvimos uma mulher batendo na porta do apartamento e pedindo para falar com ela. Uma conversa de mãe para mãe, diz a voz. Ela não abre a porta. Mas há indícios que se confirmam quando ela encontra fotos escondidas.

O que interessa aqui não é a revelação de um crime. É o essa situação vivida faz com Hannah. Parece que ela afunda dentro de si mesma. Quando desce as escadas intermináveis do metrô, quando olha a carcaça da baleia na praia, quando joga fora os lírios mortos ou as fotos que encontrou.

Até quando ela vai aguentar?

Charlotte Rampling ganhou o prêmio de melhor atriz por sua Hannah no Festival de Veneza de 2017.

Merecido. Ela é o filme.

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