Filmes que eu assisti na Mostra

Filmes que eu assisti na Mostra:

“NO” do diretor chileno Pablo Larrain abriu a Mostra – Com Gael Garcia Bernal à frente de um elenco chileno, o filme conta a história do plebiscito de 1988, que tinha como finalidade limpar a imagem da ditadura do General Pinochet, levando-o ao poder por via democrática. Em uma história de David e Golias, o publicitário René Saavedra volta do exilio para comandar a campanha do “NO” ao regime cruel que colocou o Chile em boa situação econômica, às custas de 40% da população abaixo da linha da pobreza. É um filme que conta como um publicitário lida com o medo dele e do povo chileno com humor.

“A Bela que Dorme” do diretor italiano Marco Bellocchio faz crítica à mentalidade italiana – Esse filme concorreu ao Leão de Ouro em Veneza. Bellocchio se vale de um fato que dividiu as opiniões dos italianos quanto à eutanásia: uma mulher que estava há 17 anos em coma, com seu pai pedindo o desligamento dos aparelhos que a mantém em um estado vegetativo, consegue a permissão oficial. O diretor aproveita a ocasião para discutir a religião católica e sua proibição de qualquer intervenção no sentido da eutanásia, mostrando uma mulher muito católica que pede ao marido, senador da república, que lhe abrevie os sofrimentos para que possa ir ter com Deus no paraiso. E põe em pauta a responsabilidade dos médicos para com seus pacientes. Deixar que sofram indefinidamente é um ato digno? Uma drogada suicida adiciona um novo problema ético a um jovem médico.

“Na sua Ausência” de Sandrine Bonnaire traz William Hurt a Paris – O primeiro longa da atriz francesa Sandrine Bonnaire é tocante e chocante. Tem William Hurt em mais uma de suas interpretações magistrais. A tradução correta do titulo original seria “Fico louco com a sua ausência “ ( “J’enrage de son absence”).

É a história de um pai que se culpa pela morte do filho de 4 anos em um acidente de carro. Quando ele, que mora nos Estados Unidos com a mãe americana, volta a Paris depois de 10 anos, porque seu pai, que é francês, morreu, tudo volta à tona com força em sua mente. Lá, onde tudo aconteceu, reencontra a mãe desse filho morto, que tem um menino de 7 anos, com o seu segundo marido.

A partir do encontro com essa criança, a loucura do titulo vai tomar conta desse homem.

Sensível, simples e muito duro, leva às lágrimas o espectador que se identifica com Jacques, personagem do grande William Hurt.

Bravo a Sandrine Bonnaire que dirige com firmeza e doçura seu primeiro longa.

“A Parte dos Anjos”- “The Angel’s Share” de Ken Loach – Vocês sabiam que os 2% de um barril de uisque que evaporam são chamados pelos escoceses de “a parte dos anjos”? Pois esse foi o nome escolhido pelo grande diretor escocês Ken Loach para o seu novo filme que está na Mostra.

A história se passa em Glascow, Escócia, onde jovens delinquentes cumprem penas alternativas por brigas, pequenos roubos, arruaça.

Um deles vai se destacar porque descobre seu talento natural de provador de uisques. E uma nova chance vai acontecer em sua vida porque o senhor que se ocupa com o cumprimento das penas alternativas tem um bom coração.

O cineasta Ken Loach de 66 anos é um humanista que acredita na recuperação do ser humano, que pode estar perdido e se encontrar.

Divertido e emocionante, “A Parte dos Anjos” merece ser visto por quem gosta de histórias de superação contadas sem tragédias. De quebra ficamos conhecendo os belos lagos e os verdes “glens” que são o cenário das destilarias de uisque nos Highlands escoceses.

“A Caça”de Thomas Vinterberg –

Pedofilia é tabu. Crime punido severamente não só pela lei mas pelos próprios membros da comunidade onde acontece. No Brasil sabemos a
triste sorte dessas pessoas qdo são presas.

Na distante Dinamarca, Lucas, um homem atraente e separado da mulher é alvo de invejas que se declaram cruelmente qdo ele é acusado do crime por uma meninazinha, contrariada em seu amor infantil pelo belo professor, na escolinha que todas as crianças do vilarejo frequentam.

O clima de histeria coletiva que se instala mostra que qto mais condenado seja um desejo, mais pessoas vão perseguir cruelmente quem eles acham que é culpado disso. É como se dissessem: “É proibido para todos. Como ousas?”

A repressão cobra de todos que se vinguem.

Num país onde todos os homens ganham um rifle como ritual de passagem, Lucas passa de caçador a caça.

Uma bela fotografia repousa nossa alma.

Filme perturbador que mexe com as nossas certezas.

 

“O Gebo e a Sombra”  de Manoel de Oliveira

Leonor Amarante, uma das atrizes preferidas de Manoel de Oliveira estava presente na sessão do CineSesc onde fui ver o filme, “O Gebo e a Sombra”.
Ela disse para a platéia que tinham pedido para o diretor fazer um fime sb a miséria e que ele fez um filme sb a condição humana.
Gebo e a Sombra é quase teatro filmado e com grandes atores. Para mim foi um prazer rever Jeanne Moreau que faz uma velhinha charmosa e opinativa, a
Candinha. Claudia Cardinalle que se lamenta quase o tempo todo é Dorotea, mulher de Gebo e o grande Michael Lonsdale que faz Gebo, o contador.
Ricardo Trêpa, neto do diretor faz o filho ladrão de Gebo e Dorotea.
A trama , baseada numa peça de teatro de 1920 do dramaturgo português Raul Brandão, parece resumir a natureza humana em seis personagens.
Cada um deles vive a vida à sua maneira e apesar de serem todos mt pobres, em alguns há resignação, em outro revolta, em outro ainda uma saida pela
escolha da arte como trabalho de uma vida, e em outro mais uma idealização do que é uma boa vida. A melhor frase é de Gebo:
” -Será que viemos a esse mundo para ser felizes?”
Soa mt atual essa preocupação em buscar uma felicidade que escapa, que está na vida dos outros e não na nossa e na ânsia de entender pq ela não aparece
na nossa vida. Será que temos só essa vida? É a pergunta da atriz Leonor Amarante que faz a nora de Gebo.
Gebo é o personagem que aceita a vida como ela se apresenta, mostra compaixão e, na longa vida que teve, parece que aprendeu do que se trata o
tempo de uma vida. Eu diria que ele parece ser o alterego do diretor misturado ao personagem que põe a arte no centro de sua vida.
Manoel de Oliveira, criativo ainda em seus 103 anos de vida, surpreende com seu filme onde o tempo e o que fazer dele é o tema principal.
Vamos torcer para que ele continue a compartilhar sua sabedoria com o seu público por qto tempo ele puder. Seu próximo filme, “A Igreja e o Diabo”
baseia-se em um conto de Machado de Assis.

 

“Reality” de Matteo Garrone

O filme começa com uma carruagem de um dourado exagerado e cavalos brancos
conduzindo os noivos. Entra num velho palácio aristocrata que conheceu tempos melhores.

Aquela algazarra, as familias enfarpeladas com roupas de cores berrantes, crianças correndo, as avós, as tias. Vários casamentos acontecem ao mesmo tempo nos salões, muito parecidos uns com os outros.

Mas aquela ali já não é a Nápoles das comédias que conhecemos… O Vesúvio continua dominando a paisagem mas, nos casamentos, o convidado especial é um ganhador do Big Brother e as pessoas estão fascinadas com ele. Os poucos minutos que concede a cada festa são maquinais. O discurso é sempre o mesmo.
Fotos com os convidados e sai correndo para pegar o helicóptero que o espera.
“Don’t give up”, grita a toda hora. O falso brilhante.

Parece que o diretor Matteo Garrone quer falar de uma cidade, até mesmo de um país de pessoas pobres que sonham com a fama da TV, sonhos que viram pesadelo.

É a Itália de Berlusconi que está na tela. Ilusões perigosas.

E vamos acompanhando, com o coração apertado, a falência das fantasias que parece que contaminaram aquela alegria ruidosa da velha Nápoles, da pobre

Itália.

O riso agora é louco, desesperado…

” Reality ” levou o Grand Prix no último Festival de Cannes e conta com Aniello Arena no papel principal, que cumpre pena de prisão perpétua por assassinatos acontecidos numa guerra entre grupos rivais da Máfia. Ele participa de uma companhia teatral de detentos na prisão onde cumpre sua pena e recebeu uma ordem especial do juiz para filmar com Matteo Garrone.
Um filme que mexe com o espectador que vê que a realidade agora é outra.

Mais dura.

 

“Hannah Arendt” de Margareth von Trotta

Ela era uma mocinha quando entrou no gabinete de um professor de filosofia na Alemanha , onde vivia e pediu a ele que a ensinasse a pensar. Heidegger disse a ela:

“O pensamento filosófico é diferente do cientifico, não produz nada. Mas ajuda a diferenciar o bem do mal.”

Muitos anos depois em New York, onde vivia com seu marido, fica sabendo do julgamento de Eichmann, o criminoso nazista que tinha fugido para a América do Sul, e pede para ir para Israel para assistir.

O marido ficou preocupado porque temia que ” os anos de horror” voltassem com muita força nela.

Ambos eram judeus e estiveram em campo de concentração mas conseguiram um visto para os USA antes da guerra acabar. Fugiram da Europa para New York e ficaram apátridas por 18 anos, até conseguir um passaporte.

Os artigos dela no New York Magazine, que depois viraram um livro, sobre o julgamento do nazista Adolf Eichmann fizeram escândalo. Neles
ela desenvolveu sua teoria sb “a banalidade do mal”.

Não foi compreendida, a não ser por poucos. O fato de ter sido aluna de Heidegger, que se filiou ao Partido Nazista durante a guerra, não a ajudou. Ela lamentou o fato profundamente. Mas manteve um relacionamento com ele até o fim da vida.

Barbara Sukowa interpreta a filósofa com grande entrega. E a diretora Margarethe von Trotta fez um filme brilhante.

Hannah Arendt já era escritora famosa nos anos 60 quando escreveu o livro sobre o julgamento de Eichmann e até o fim de sua vida, aos 69 anos, tentou compreender a essência do mal que conhecera tão de perto em sua vida.

Ela é considerada uma das maiores filósofas do século XX.

 

“Like Someone in Love”de Abbas Kiarostami

Uma garota de programa é mandada à casa de um velho professor que precisa de companhia feminina. Ela tem um namorado ciumento e violento.

Há um abismo entre a sabedoria do velho professor e a ignorância dos jovens.

Ele se encaixa no papel de avô e tenta ajudá-los. Mas talvez nem isso seja possivel.

Na vitrola, Ella Fitzgerald canta “Like Someone in Love”na casa do velho senhor romântico.

O filme é uma denúncia carinhosa dos nossos tempos. A tradição cedendo às imitações da vida ocidental num país como o Japão…

Mostra Tokio como uma cidade onde a alma japonesa se perde sem possibilidade de resgate. A delicadeza, o respeito aos mais velhos, a vida em familia, tudo se acabando e pior, não trazendo nenhuma alegria aos mais jovens.

O personagem sábio tentando incluir-se na vida tumultuada dos jovens que não sabem o que fazer com a angústia de viver sem raizes…

A sabedoria sendo trocada pela violência…

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