Em um Mundo Melhor

“Em um Mundo Melhor”- “Haevnen”, “In a Better World”, Dinamarca / Suécia, 2010

Direção: Susanne Bier

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Se Jesus Cristo, Buda ou Gandhi voltassem entre nós, pregando lições de amor, perdão e respeito ao próximo, como seriam recebidos?

Esses mestres privilegiavam a não-violência como uma resposta aos conflitos entre os seres humanos. Mas sabemos que poucos, muito poucos mesmo, a praticaram no mundo em que vivemos.

“Em um Mundo Melhor”, filme premiado com o Globo de Ouro e o Oscar desse ano para melhor filme estrangeiro, traz um médico (Mikael Persbrandt) que parece ser uma dessas pessoas raras. Mas não que seja um santo, pois seu próprio casamento vai mal por conta de um caso que ele teve e que a mulher Marianne (Trine Dyrholm) não perdoa.

Sueco, vivendo na Dinamarca, o médico Anton atende regularmente pacientes no Quênia, país devastado por guerras civis.

Seu quotidiano, quando lá está, é levantar-se ao amanhecer e receber, num dispensário improvisado, uma fila de africanos, principalmente mulheres e crianças, que vivem em condições precárias, em tendas no deserto, sofrendo a falta de tudo.

Vítimas da brutalidade de um chefe de uma gangue local, meninas estupradas tem suas barrigas cortadas à faca e seus bebês arrancados de seus ventres, para satisfazer apostas sobre o sexo desses fetos, frutos da violência sexual.

E é nesse mundo, onde o médico vive parte de seu tempo, que ele vai confrontar-se com a questão do mal e será pressionado a conhecer os seus próprios limites.

Mas mesmo quando está na Dinamarca, um mundo melhor se pensarmos que tanto questões materiais quanto de segurança já foram resolvidas, o médico terá também que enfrentar essa mesma questão, aqui disfarçada em racismo, preconceito, ódio, luta pelo poder, falta de compaixão, desejo de vingança e intolerância.

Seu filho Elias (Markus Rygaard) sofre “bullying” no colégio e um garoto novato, Christian (William Johnk Nielsen), que veio da Inglaterra com o pai, sai em sua defesa usando de uma violência brutal contra o agressor.

É que Christian perdeu sua mãe e, já na cerimônia de cremação, nos surpreendemos com o seu rosto severo, seus olhos duros dirigidos ao pai e a falta de lágrimas.

A perda de um ser querido pode gerar muito ódio no coração de quem não consegue lidar com isso.

Esse ódio, justificável para Christian, que crê que seu pai queria que a mãe dele morresse, vai ser dirigido contra outros alvos e até contra ele mesmo, antes que possa ser compreendido e contido.

A diretora Susanne Bier, além de uma excelente direção dos atores-mirins, é responsável também pelo roteiro, escrito em parceria com Anders Thomas Jansen. Contada com delicadeza, sem grandes diálogos e imagens que dizem tudo, a história do filme é um dos trunfos que trouxe todos os prêmios que ele ganhou.

“Em um Mundo Melhor”, que foi atacado como sendo moralizante por alguns, para mim tem o mérito de trazer questões importantes à tona, porque falam sobre a escalada da violência no mundo todo, sem preocupar-se em dar respostas cabais.

O certo é que aponta o coração do ser humano como o lugar onde o mal pode desabrochar a qualquer momento e fazer do homem o lobo do próprio homem.

E talvez sugira a natureza como sendo um lugar de regeneração. Reparem nas belíssimas imagens que Susanne Bier escolheu para finalizar o seu filme generoso.

Aceitar a própria natureza e conhecê-la, para dirigi-la pelo livre arbítrio, talvez seja a saída para os males da humanidade.

Utopia?

Nada entre os humanos é simples, pode ser também uma das conclusões de “Em um Mundo Melhor”.

Pensem e conversem depois do filme.

Incêndios

“Incêndios”- “Incendies”, Canadá, 2010

Direção: Dennis Villeneuve

Palmeiras ao vento. Alguém canta em uma língua que parece árabe. Janelas abertas para um vale verdejante e rochoso. Dentro da casa um menino de olhos tristes e vazios tem o seu cabelo cortado por um adulto. Outros meninos sofrem o mesmo destino. Rifles na mão de soldados. Que lugar é esse?

“Incêndios” é um filme que se desenrola em retalhos, criando um suspense emocionado. A história é contada por imagens que, aos poucos, vamos costurando em nossas mentes em busca de um sentido.

Há capítulos assinalados por títulos em letras vermelhas. Daresh, Le Sud, Deressa, Kfar Ryat, A mulher que canta, Nihad…

Mas o primeiro deles é : Os gêmeos.

Ficamos sabendo que a mãe dos gêmeos, Narwal Marwan, imigrante que vivia no Canadá, pede em seu testamento para ser enterrada nua, com o rosto sobre a terra. Sem pedra nem epitáfio.

Deixou duas cartas para seus filhos. Jeanne (Mélissa Désormeaux- Poulin) deve procurar um irmão deles e Simon (Maxim Gaudette), o pai.

Os gêmeos nunca tinham ouvido a mãe falar desse irmão, nem que o pai deles estava vivo…

Atônitos, escutam o tabelião (Rémy Girard) dizer que, só depois que atendessem ao pedido da mãe, é que ela poderia ter uma lápide em seu túmulo. Uma promessa teria que ser cumprida.

É essa procura e essa investigação que vamos acompanhar passo a passo, muitas vezes nos perdendo nos “flashbacks” e, logo depois, compreendendo melhor a história dessa mulher misteriosa, interpretada com paixão pela atriz belga Lubna Azabal.

Jeanne, a filha, ensina matemática pura na Universidade e escuta do professor a quem assiste:

“- Você descobriu que seu pai está vivo e que você tem um outro irmão. Vá procurar a verdade. Porque sem paz de espírito, nada de matemática pura.”

No segundo capitulo, Narwal, somos levados ao passado da mãe dos gêmeos.

Uma jovem abraça amorosamente um rapaz, debaixo de uma oliveira. É brutalmente afastada dele pelos irmãos que atiram nele e escuta da avó:

“- Você manchou a honra de nossa família!”

Ela é cristã. Ele era muçulmano.

Estamos em um lugar onde a lei do talião, “olho por olho, dente por dente”, é a única que existe. Por causa disso, já existem mortos no futuro.

É uma terra habitada por famílias de crenças religiosas diferentes, que se comportam como tribos primitivas. Cada ato a ser vingado, soma-se a outro e mais outro. Uma sucessão de represálias sangrentas.

Lá, o perdão e a compaixão ainda não nasceram…

E inocentes vão sofrer. Um bebê é arrancado de sua mãe e ela grita aos prantos:

“- Um dia vou encontrar você, meu filho!”

É essa promessa que Narwal quer que seus filhos gêmeos cumpram por ela.

Inspirado na peça teatral do libanês radicado no Canadá, Wadji Mouawad, “Incêndios” não nos diz qual é o nome do país onde tudo acontece. Adivinhamos ser o Libano mas poderia ser qualquer lugar onde o ódio norteia vinganças e separa famílias.

O mais estarrecedor final espera você, espectador de “Incêndios”, que foi indicado para o Oscar de melhor filme estrangeiro.

O diretor Dennis Villeneuve prepara esse final com cuidado e competência. Quando ele vem, deixa a platéia muda e comovida.

Vamos aprender uma lição de amor com “Incêndios”?