Cópia Fiel
“Copie Conforme”, França, Itália, Irã, 2010
Direção: Abbas Kiarostami
Oferecimento
Quando é que a sétima arte, o cinema, imita a vida?
Quando é que um filme torna-se um acontecimento para alguém?
Talvez quando um roteiro, escrito, dirigido e interpretado com sensibilidade, propõe temas que nos tocam profundamente e começamos a nos perguntar sobre nós mesmos. A história precisa nos comover e nos convidar a pensar. O filme fica na cabeça, as imagens voltando e nos estimulando para diálogos íntimos. A sós ou acompanhados.
Assim é com “Cópia Fiel”, o primeiro filme ocidental do diretor iraniano Abbas Kiarostami.
Uma mulher, Elle, (Juliette Binoche) sente-se atraída por um homem, James Miller (o barítono inglês, William Shimell). O filho adolescente dela é o primeiro a perceber. E ela se irrita por ser tão transparente assim…
Os dois trabalham com arte. Ela tem um antiquário. Ele escreveu um livro sobre a cópia de uma obra de arte, coisa tão antiga quanto os romanos e que pode valer mais que o original.
Vão se encontrar e andar juntos por um dia, pela Toscana, onde ela mora.
No começo é o livro dele e a questão da originalidade, do falso e do autêntico na arte, que parece ser o centro da história. Mas, logo, essas questões vão convergir para a relação afetiva dos dois. O discurso intelectual serve apenas como um pano de fundo para os sentimentos que já brotam com força:
“-Não acredito que você está sentado no meu carro!”, exclama ela, logo no início do passeio.
E, com a câmara fechada no rosto dos dois, vamos seguindo o diálogo. A bela paisagem da Toscana é ignorada.
Ela traz para a conversa a amiga Marie, que tinha sido a primeira a ficar intrigada com o livro dele. Elle, a francesa, conta para James, o inglês:
“- Ela diz, melhor uma cópia que o original. Por isso só usa jóias falsas. Assim não tem com que se preocupar.”
E, como quem não quer nada, acrescenta que Marie tem um marido apaixonado, um homem simples, que gagueja e que ela adora.
Ele autografa o exemplar de Marie e escreve: ”Você é original!”
“- Somos parecidos, eu e Marie”, comenta ele.
E é aí que surge a faísca que vai uni-los e separá-los durante aquele dia:
“-Não acho. Marie não quer convencer ninguém. Você sim, com o seu livro.”
“-Eu escrevi esse livro para ser honesto, para convencer a mim mesmo. Não é fácil ser simples.”
Ela retruca:
“-Mas não precisamos ser simples! Somos complexos!”
E, na parada para o café, surge a dona, uma italiana, que os confunde com um casal e comenta com Elle sobre os confortos do casamento.
Pronto. O jogo vai começar.
Ele saíra para falar ao celular e quando volta, ela diz:
“-Sabe que a dona do café nos confundiu com um casal casado?”
O rosto dela vai mudando, uma lágrima logo aflora e Elle instiga James a segui-la numa conversa íntima sobre um casamento de 15 anos.
E a dúvida nos assalta. Mas não se trata de desconhecidos? São mesmo casados e se separaram ou é tudo uma farsa?
Não importa. Ao topar o jogo, o inglês vai ter que acompanhar Elle, que dirige a ação.
Juliette Binoche, que ganhou o prêmio de melhor atriz em Cannes por essa atuação, disse em uma entrevista ao jornal Valor:
“Sim, ela conduz a ação! Isso não é maravilhoso? Porque, às vezes, são as mulheres que têm que arrancar as emoções dos homens! (Risos) As mulheres são capazes de despi-los de suas carapaças para que se revelem. Somos como deusas do amor, estamos aqui para revelar os homens. Se não fosse pelos homens, como poderíamos ser mulheres?”
O iraniano Abbas Kiarostami que apresentou ao mundo seu país e sua cultura, através de seu povo (“O Balão Branco” 1995, “Gosto de Cerejas” 1997, “Onde fica a casa de meu amigo?” 2000), em “Cópia Fiel” fala de algo que todo mundo entende: as glórias e os fracassos do amor no casamento.
Os sinos da Toscana dobram ou repicam para esse amor casado? Ou talvez apenas toquem para acordar quem mantém ilusões que sustentam relacionamentos equivocados?
Elle inveja o casal de velhinhos que vê sair da igreja. Será que ela sabe dos auto-enganos que tiveram que ser superados para que acabassem juntos a vida?
Mais perguntas que respostas…Cabe ao espectador pensar sobre elas.
É bom lembrar que Kiarostami aproveita também para denunciar ao mundo, através de sua opção de filmar na Itália, que seu país sofre nas mãos de um regime autoritário que inibe a liberdade de expressão.
Em entrevista ao jornal O Globo, quando perguntado sobre a opressão no Irã, Kiarostami, 70 anos, com 40 de cinema no currículo, citou uma declaração de outro cineasta iraniano, Asghar Farhadi, que ganhou o Urso de Ouro esse ano em Berlim:
“Vivendo sob tamanha pressão, não sei se paro de filmar e passo a me expressar a partir de atos políticos radicais ou se devo continuar filmando, sabendo que as reflexões propostas pelos nossos filmes podem mudar mentalidades e esclarecer pessoas.”
Por enquanto, Abbas Kiarostami escolheu seguir fazendo filmes.
Sorte nossa.