Na Terra de Amor e Ódio

“Na Terra de Amor e Ódio”- “In the Land of Blood and Honey” Estados Unidos, 2011

Direção: Angelina Jolie

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Angelina Jolie é daquelas raras mulheres que tem tudo. Boa atriz, linda, rica, bem amada e generosa, ela também é inteligente, sensível e tem espírito humanitário. Essa mulher invejada se compadece dos que sofrem.

Seu primeiro longa, escrito, dirigido e produzido por ela, “Na Terra de Amor e Ódio”, é surpreendente e corajoso. Conta a história de um romance que acontece no cenário de uma das mais terríveis guerras do século XX. A guerra da Bósnia, que começou em 1992 e foi até final de 1995, é considerada o mais mortal conflito na Europa desde a Segunda Guerra.

Os números dessa guerra são impressionantes. Entre 100.000 e 110.000 pessoas foram mortas. Mais de 2.5 milhões tornaram-se refugiados porque um em cada dois bósnios foi obrigado a abandonar a sua casa. Durante a guerra 50.000 mulheres bósnias foram violentadas, o que levou a violência sexual a ser considerada um crime contra a humanidade, pela primeira vez no direito internacional. O cerco a Sarajevo foi o mais longo da história moderna.

Por três anos e meio, a comunidade internacional deixou de intervir e acabar com a guerra. Havia uma discussão sobre se era uma guerra civil ou internacional.

E pensar que antes dessa guerra cruenta, a República da Bósnia- Herzegovinia fazia parte de um dos países mais diversificados do ponto de vista étnico e religioso de toda a Europa, a Iugoslávia. Lá, viviam em harmonia, muçulmanos, sérvios e croatas.

Mas a guerra, insuflada pelos países vizinhos da Bósnia, a Sérvia e a Croácia, depois da declaração de sua independência em 1992, fez aflorar os piores instintos nos homens. Depois da guerra, nas negociações de paz, a CIA considerou as forças do exército sérvio como responsável por 90% dos crimes cometidos durante o conflito.

Angelina Jolie começa a contar a história de seus personagens um pouco antes da guerra. Num bar, a bela morena muçulmana Ayla, que é pintora, se encontra com Danijel, filho de um general sérvio. Flertam, dançam e cantam alegres, até que o estrondo de uma bomba introduz o horror, a morte e o sangue na vida de todos.

A partir daí o romance deles vai enfrentar obstáculos insuportáveis. Ela é levada, com outras mulheres, como prisioneira, para servir de escrava sexual no quartel das forças sérvias. Danijel tenta protegê-la mas o ódio antigo dos sérvios aos muçulmanos vai selar o destino daquele amor.

Angelina Jolie filmou na Hungria e na Bósnia- Herzegovinia. “Na Terra de Amor e Ódio” é falado em servo-croata e os ótimos atores são todos nascidos na região, inclusive o par principal formado por Zana Marganovic e Goran Kostic.

A fotografia é austera e a música é usada de maneira sensível e comedida. Gabriel Yared, o compositor e pianista, pontua cenas com temas minimalistas.

A diretora e roteirista foi indicada ao Globo de Ouro no ano passado e apresentou seu filme no Festival de Berlim. Diz ela:

“- Esse filme poderia ser sobre qualquer guerra… mas escolhi esse conflito por ser muito recente e ainda não totalmente compreendido.”

“Na Terra de Amor e Ódio” é um alerta sobre o rancor e a vontade de dominar com crueldade aqueles que são considerados os inimigos que, de tempos em tempos, desperta no coração dos homens.

Sensível e dramático na medida certa.

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Holy Motors

“Holy Motors”- Idem Alemanha/França 2012

Direção: Leos Carax

À falta de quem nos conte histórias, como nossas mães e avós fizeram na infância, vamos ao cinema, alimentar nossas mentes que precisam de relatos fantásticos e mesmo quotidianos, para funcionar e viver. O cinema é como um sonho que alimenta outros sonhos.

A primeira impressão de “Holy Motors”, na volta de Leos Carax à telona, é que ele confirma o que eu digo: o cinema é essencial para nós humanos. Podemos até ampliar a homenagem que ele faz ao cinema e incluir todas as artes cênicas, o “faz de conta” de que precisamos tanto.

Por isso, em “Holy Motors”, o ator Denis Lavant, o preferido do diretor, transforma o interior da limusine branca na qual se desloca por Paris, em camarim. Lá, como Oscar, ele se prepara e se caracteriza para os personagens que vai viver, seguindo roteiros que são fornecidos a ele pela motorista Céline.

Tudo começa com um homem que acorda e, com uma chave, abre uma porta numa floresta de árvores pintadas na parede de seu quarto. Ele entra numa sala de projeção e aí começam suas aventuras, sua loucura, seus sonhos, suas realizações de desejos infantis. Mas pouco importa o nome do que ele passa a viver. Estamos todos seguros naquele lusco-fusco da sala de cinema. Olhamos e participamos.

Assim, Oscar transforma-se primeiro no milionário da limusine e logo depois na velha mendiga que diz:

“- Ninguém gosta de mim… Mas continuo vivendo. Tenho medo de não morrer nunca…”

Depois vem o estranho mergulhador fosforecente que dança uma cópula sensual com uma mulher de vermelho (Eva Mendes) e longo rabo de cavalo. Parecem dois moluscos no fundo do mar.

Ao ler o terceiro dossiê, Oscar coloca barba postiça, um olho cego, unhas longas. Mas há uma pausa para ele comer com palitos chineses.

Sai da limo vestido de verde e entra num bueiro que vai dar no cemitério, onde os corvos grasnam e ele come as flores que recolhe nos túmulos, que convidam em suas lápides a visitar o site. Humor negro.

E assim vai o filme. Nonsense, surrealismo, caos, decadência, graça, morte, bizarrice, fantasia. Cenários construídos por uma mente que não se policia. E Paris iluminada nunca foi tão bela.

Às tantas, ele diz para a chofer da limusine, após cantarolar “My Way”:

“- Logo será meia noite.”

“- Nós precisamos rir antes”, responde ela.

E a piada mais conhecida do cinema é encenada:

“- Siga aquele táxi!”

Mas a vida é sempre curta para um desejar que nunca acaba.

Como entender “Holy Motors”?

O próprio Carax disse em uma entrevista no Rio que cada um precisa decodificar o filme com base em seu próprio repertório, com a sua imaginação.

Em tempos de espectadores preguiçosos que querem tudo mastigado, pronto para ser esquecido, o filme de Leos Carax pode causar indigestão.

Mas não para aqueles que gostam de sonhar de olhos abertos. Para esses, “Holy Motors” é um alimento raro e bem-vindo.

 

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