Depois de Lucia

“Depois de Lucia” - “Después de Lucía”, México, França, 2012

Direção: Michel Franco

Oferecimento Arezzo

A estranheza toma conta do espectador que assiste às primeiras cenas do filme. Afinal, por que esse homem corpulento e silencioso vai buscar um carro que mandou consertar e logo o abandona no meio da rua, com a chave dentro, como se fugisse de algo?

“Depois de Lucia” é assim. Seco. Sem concessões. Sem trilha sonora. Um filme diferente, premiado em Cannes na mostra “Un Certain Régard”, segundo longa de Michel Franco, jovem diretor mexicano que já se destaca no mundo do cinema.

A câmara quase sempre fixa de Michel Franco, também roteirista, documenta as cenas. É como se entrássemos na vida de um pai e sua filha sem convite, abruptamente. E seguíssemos com eles, com muitas perguntas na nossa cabeça.

Aos poucos, vamos entendendo que aconteceu alguma coisa terrível. O comportamento do pai (Hernán Mendoza) é claramente o de um homem deprimido. A filha (Tessa Ia ) traz um semblante tranquilo mas adivinha-se que ela também está sob o impacto de algo trágico. Os dois não conversam sobre o que ocorreu. Mas, pelos telefonemas do pai, começamos a entender o que se passou.

Lucia, a mãe de Alejandra, morreu em um acidente de carro. Aquele que foi abandonado.

É disso que fogem pai e filha? Como foi que aconteceu o acidente? Não sabemos. O fato é que eles até mudam de cidade. E não comentam com ninguém sobre a morte de Lucia.

Para Alejandra, a nova escola parece que vai bem. No grupo de adolescentes na sala de aula ela é a nova, a estranha no ninho e a enchem de perguntas. As respostas são lacônicas mas ela quer ser aceita. Precisa de companhia. Porém passa muito tempo na piscina, nadando e pensando.

O exame de sangue, obrigatório naquela escola, denuncia que ela usa maconha. O pai estranha mas aceita, de um jeito desligado, a promessa de Ale que isso não vai mais acontecer.

Parece que ela não quer sobrecarregar a situação do pai que está francamente desnorteado. Assim, irrita-se no novo trabalho como “chef” de um restaurante. Briga no trânsito por nada. Pede demissão do emprego sem uma razão que justifique essa atitude. Tem crises de choro frequentes.

Mas, pai e filha, apesar de não falarem sobre o assunto, sabem como o outro está se sentindo. Um luto pesado envolve aqueles dois. E as consequências vão aparecer logo.

Numa festinha, Ale transa no banheiro com um garoto que filma a cena toda no celular. No dia seguinte, todos na escola já sabem de tudo. E começa o martírio de Alejandra.

Hipócritamente, o comportamento da menina é tratado pelos outros jovens como o de alguém que merecesse censura e castigo. E o “bullying” é violento.

Mas por que ela não reage? Por que aceita tudo como se quisesse ser punida?

A passividade estoica de Ale incita os colegas a aumentar a violência dos ataques.Mas ninguém repara que pai e filha estão prestes a explodir.

A depressão está relacionada à raiva que se vira contra a própria pessoa. Freud falou em melancolia quando o luto leva a uma diminuição extrema da auto-estima. Parece que são esses os temas que levam pai e filha a agir de forma extremada. O filme tem um desfecho arrasador.

Além de contextualizar um problema contemporâneo, o “bullying”, “Depois de Lucia” sugere que ele é sintoma da violência maior que nos cerca.

O filme denuncia uma ausência de soluções por parte dos adultos, pais e professores. Talvez porque o mundo de hoje aceite passivamente a violência geral sem ver uma saída?

“Depois de Lucia” ajuda nessa reflexão.

 

 

Ler Mais

A Busca

“A Busca”, Brasil, 2012

Direção: Luciano Moura

O rosto expressivo de Wagner Moura, transtornado, em lágrimas, cambaleando no meio de uma estrada. De repente um baque. Atropelado?

Esse começo, com a cena que se repete no meio do filme, nos faz conhecer o estado em que se encontra o personagem Theo, médico, pai de Pedro (Brás Antunes), quase 15 anos e ex-marido de Branca (Mariana Lima).

Ele não se conforma com a separação. Está tão deprimido com a situação de seu casamento, que a raiva explode nele por quase tudo. Seu mundo desabou. Não presta atenção em nada. Só pensa em convencer Branca a voltar com ele.

Pior. Desconta o que lhe vai na alma em cima do filho, Pedro, que faz aniversário em breve e ganha uma cadeira do avô. Por que Theo não quer que o filho aceite o presente do pai dele?

Havia entrado na casa da família com a chave que ainda guardava, sem ter direito a ela, e reclamara com Branca, com um jeito bravo, que Pedro não tinha ido na reunião de intercâmbio para a Nova Zelândia.

Notamos por esse diálogo que Theo quer escolher à força um caminho para o filho.

Logo ficará patente que conversa do garoto com os pais não existe. E ele some no mundo sem deixar pistas.

É a história dessa busca que o filme do estreante em longas, Luciano Moura, vai contar. O roteiro escrito em parceria com sua mulher, Elena Soarez, descreve a viagem de um pai à procura do filho, por estradas de terra que o menino trilhou em um cavalo negro, que adotara na Zoonose.

Por que Pedro fugiu num cavalo? Ninguém sabe dizer até que a mãe, vasculhando desesperada o quarto do filho, encontra desenhos que fornecem indícios para que o pai possa procurá-lo.

À medida que essa busca se desenrola, Theo vai encontrando personagens e lugares que mostram sinais rarefeitos de Pedro. Isso vai levá-lo a também procurar dentro de si as memórias do filho perdido e Theo revigora assim, o laço que parece que tinha ficado esquecido dentro dele.

A viagem de carro pelas estradas pouco trafegadas entre São Paulo e Espírito Santo, é acompanhada por uma imersão de Theo em seu interior e, buscando o filho, ele vai reencontrar a si mesmo. Aliás, esse é sempre o destino das buscas que envolvem afetos.

O maravilhoso ator Lima Duarte, em uma ponta, mostra o seu talento e esclarece o enigma da fuga do garoto.

A vida tem desses desencontros e reencontros e “A Busca” mergulha nesse tema, envolvendo o espectador com emoção, paisagens pouco vistas, bela fotografia e música de Arnaldo Antunes, pai do adolescente que faz Pedro.

Como disse o próprio Wagner Moura, um dos nossos melhores atores, “A Busca” é “um filme brasileiro argentino”. E claro que isso é um elogio.

 

Ler Mais