Licorice Pizza

“Licorice Pizza”- Idem, Estados Unidos, 2021

Direção: Paul Thomas Anderson

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A adolescência é um estranho acontecimento na vida da gente. Altos e baixos, fobias e complexos, auto estima baixa ou alta demais, medo e coragem juntos, um mar de aflições. Mas tem também o primeiro amor que não esquecemos nunca mais.

Em “Licorice Pizza” muita coisa igual aconteceu na nossa vida, igual à dos personagens. Outras acontecem só para quem viveu sua adolescência nos Estados Unidos nos anos 70.

Por exemplo o nome do filme. Só quem viveu nos anos 70, por lá, sabe que discos de vinil eram chamados de “licorice” e “pizza” por causa do formato. Entendemos então o título do filme porque havia uma loja “Licorice Pizza” que vendia discos, os sucessos da época.

Paul Thomas Anderson, diretor e roteirista, 51 anos, nasceu e ainda vive no lugar onde se passa esse seu novo filme, San Fernando Valley. Ele convidou dois novatos no cinema que são a atração maior e o coração de “Licorice Pizza”. Assim, o garoto Gary, ator mirim, é interpretado por Cooper Hoffman, filho do saudoso Philip Seymour Hoffman. E Alana Haim faz a garota Alana Krane e é vocalista da banda Haim, na vida real, com suas duas irmãs, que também estão no filme.

O tema do filme é o amor não correspondido. Gary se encanta com Alana mas ela não o leva a sério. Ela tem 25 anos e ele 15. E realmente demora para ela não confundir companheirismo e amor. A história deles é mesmo inacreditável, absurda e terna. Doce e, principalmente, bem humorada e sem tragédias. Se bem que há um flerte com o perigo que nos deixa em alerta.

Em 1970 não existiam celulares. Então os personagens do roteiro escrito pelo diretor, movimentam-se nas ruas, correm muito para ver onde o outro está e às vezes não se acham. São criativos e inventam novidades para vender e até se metem em política (Benny Safdie faz o candidato enrustido).

E vamos ver em pontas nomes famosos do cinema como Sean Penn, como um ator mais velho e Bradley Cooper como um personagem da vida real, um cabelereiro das estrelas que namorou Barbra Streisand e tornou-se produtor de cinema.

O diretor convidou outros nomes para o elenco que são filhos ou parentes de celebridades como Sasha Spilberg, filha do diretor famoso, George DiCaprio, irmão de Leonardo, produtor e ator, Este Haim e Danielle Haim que tem uma banda com Alana, irmã delas, Ray Nicholson, filho de Jack, sem esquecer os pais da vida real de Alana e irmãs.

Geralmente, os filmes de Paul Thomas Anderson são intensos e trágicos, explorando o lado difícil da natureza humana e aprofundando taras e vícios, como em “Boogie Nights”1997, ”Magnolia”1999, “The Master”2012 e “Phantom Thread” 2017.  Valeram a ele 25 indicações ao Oscar e 3 estatuetas. Em “Licorice Pizza”, são 3 indicações para o Oscar, inclusive a de melhor filme e o tema é muito diferente dos outros filmes dele.

Mas não pensem que é um filme bobinho e raso. Nada disso. O diretor surpreende com a dupla que finge não amar o outro mas que finalmente, encara a verdade e entregam-se os corações.

Um filme feliz e ao mesmo tempo nostálgico.

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Drive My Car

“Drive My Car”- “Doraibu mai kâ”, Japão, 2021

Direção: Ryusuke Hamaguchi

Quando aparecem os créditos aos 40 minutos do filme, levamos um susto. Acabou? Não. É somente o prólogo o que vimos. O tempo voou e não queremos interrupções. Porque “Drive My Car” nos envolve e fabrica uma teia que nos prende em suas 3 horas.

Deixe-se levar pelas cenas que, no início, são misteriosas.

Assim, aquele casal na cama, faz amor enquanto ela, uma Sherazade em transe, conta uma história erótica. Ela tem uma voz sexy e um corpo belo. Ele, atento ao que ela conta à noite, escreve tudo pela manhã. Porque ela não se lembra de mais nada.

Ambos são artistas. Ryusuke Kafuku ( Hidetoshi Nishiijima) é ator e diretor de teatro. Sua mulher Oto (Reika Kirishima) é roteirista.

Mas tudo vai mudar. Ele vai viver uma traição e outro luto. Oto no presente e a filha deles no passado, aos 4 anos de idade.

Muito fechado em sua dor, o vemos, dois anos depois, no seu amado Saab 900 Turbo de 1987, vermelho e muito bem cuidado. Envelopado por metal e couro é ali  que ele ouve as fitas cassete na voz de sua esposa morta. Ela gravara as falas dele como ator na peça “Tio Vania “. Convidado para apresentar sua versão num festival de teatro em Hiroshima, ele segue para lá.

É dele um projeto inovador. Os atores dirão suas falas em suas línguas natais e estas serão mostradas em legendas traduzidas. Haverá inclusive uma atriz surda que se expressa em linguagem de sinais.

Yusuke, como diretor, quer que os atores sejam compreendidos não pelas palavras que usam mas pela emoção do texto.

E uma surpresa desagradável espera pelo diretor. Devido ao seguro que fez a produção do espetáculo, ele não vai poder dirigir seu carro amado, uma proteção e um lugar para reviver o passado na voz da mulher que tanto amou. Terá que ter uma motorista, Misaki (Toko Miura), tão calada e jovem, quanto experiente na direção.

Nas idas e vindas de sua casa cercada pelo azul do mar e as estradinhas de Hiroshima que levam ao teatro, uma viagem com duração de uma hora, os vemos calados e, um pouco mais tarde, ouvindo as fitas gravadas.

Aqueles dois irão se aproximar pouco a pouco e confessar culpas imaginárias que até então os impediam de viver. Há um trabalho de luto que implica na aceitação da pessoa que se foi e a certeza de que ninguém conhece o outro a fundo, mortos ou vivos e  seus segredos. É necessário também abrir mão da tentação de pensar em vidas alternativas que mudariam o rumo dos acontecimentos. E se…não é a solução para aliviar essa dor da perda.

O diretor Hamaguchi usou um conto de Haruki Murakami, com o mesmo título do filme, um trecho de “Esperando Godot” de Beckett e a peça teatral russa de Anton Tchecov, “Tio Vania” e arquitetou “Drive My Car” que é um mergulho profundo nas dores escondidas e mal curadas do coração humano.

Mas é também uma proposta com alusões a caminhos criativos para chegarmos a um lugar onde possa haver intimidade e harmonia, lá mesmo em Hiroshima, onde a crueldade humana matou pessoas inocentes, com um venenoso cogumelo gigante que vimos tantas vezes no cinema.

“Drive My Car” nos convida a ter compaixão e a perdoar o nosso passado para andar em frente e continuar a construir um futuro.

A caminho do Oscar, o filme que já ganhou vários prêmios, foi indicado a melhor filme, melhor direção, melhor roteiro adaptado e melhor filme internacional.

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