Blonde

“Blonde”- Idem, Estados Unidos, 2022

Direção: Andrew Dominik

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Antes de mais nada, é bom lembrar que essas histórias sobre Marilyn Monroe são ficção. Correspondem, talvez, à verdade íntima que Joyce Carol Oates, escritora famosa, intuiu sobre os fatos conhecidos da vida dela. E escreveu em 700 páginas de seu livro.

Andrew Dominik, o diretor de “Blonde”, transformou em imagens essa versão, utilizando cor e preto e branco, conforme o clima interno da atriz naqueles momentos escolhidos para o filme.

As primeiras cenas de “Blonde” sugerem uma infância infeliz. A menina Norma Jeane, pequena ainda, tentava entender a loucura da mãe e ansiava por um pai. Vivia agarrada com seu tigrinho de pelúcia. Assustada.

Em cima de sua cama o retrato de um homem sedutor. A mãe diz que é seu pai mas que ele não as visita porque vive longe. Cria assim um ambiente de dúvida e desconfiança no amor do pai. Dizia que ele se fora por causa dela: “- Ninguém pode amar uma criança tão amaldiçoada”.

Um dia obriga a menina a entrar na banheira e sua intenção é clara e terrível.

Esse foi o pesadelo que marcou Norma Jeane para sempre e que criou Marilyn. Uma cisão que atrapalhou a vida dela.

Orfanatos, famílias adotivas, mas ninguém que a amasse como ela precisava. Depois a mãe no sanatório, ela nos estúdios querendo ser atriz e sofrendo abusos. Queriam seu corpo sensual mas não queriam ela. Criavam um símbolo sexual para ganhar dinheiro para os estúdios.

Tudo isso e mais as pílulas para emagrecer e outras para dormir e a bebida arrastaram Marilyn para os casamentos fracassados, os abortos e finalmente para essa Marilyn sufocada por sua parte Norma Jeane, tão louca e desesperada quanto a mãe.

A atriz cubana Ana de Armas está espetacular como Marilyn, merecendo uma indicação ao Oscar. Os atores são identificados como o “ex atleta”, “o escritor” e “o presidente” e são Bobby Canavale, Adrien Brody e Caspar Phillipson. Nenhum deles era o pai tão procurado e nunca encontrado. Mas ela chamava todos eles de ”Daddy”.

Quem assiste ao filme vê a criação de uma personagem fictícia mas verdadeira nos sentimentos loucos e nos sonhos maus de Norma Jeane, que acaba dominando e levando o “sex simbol” à morte com apenas 36 anos.

“Blonde” mostra o que Marilyn pode ter vivido. É triste e sombrio.

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Uma Garota de Muita Sorte

“Uma Garota de Muita Sorte”- “Luckiest Girl Alive”, Estados Unidos, 2022

Direção: Mike Barker

Essa garota tem algo tenebroso em seu passado. Prestem atenção no que acontece na loja onde ela vai escolher os presentes para a lista de casamento. As facas de cozinha escorrem sangue nas mãos de Tifani Fanelli (Mila Kunis), a Ani. Luke (Finn Wittrock), o noivo, não percebe o que vemos. Serão alucinações da noiva?  O que foi que aconteceu com ela?

Aos poucos vamos conhecendo melhor a história, porque há flashbacks que vão mostrando o que Ani ou Tiff, como a chamam na escola, viveu. Foi um pesadelo. Um trauma inesquecível, não levado a sério por quem abusou dela, seus próprios colegas.

E quando acontece o horror atingindo a vida de vários dos adolescentes daquela escola, os que sobreviveram pensam que ela foi cúmplice. Tinha motivo, diziam. Vingança.

O trauma foi duplo e ela vítima duas vezes. E Ani se isolou, tentando enterrar bem fundo em sua mente as lembranças que teimavam em vir à tona, atormentando mais e mais.

Ela era bolsista numa escola de meninos e meninas ricos. Tinha um corpo de mulher, numa idade precoce. E não se fazia respeitar.

Uma voz interna, que só ela e nós ouvimos, faz observações ferinas sobre si mesma e os que a rodeavam.

“- O que acontecia era que eu não tinha pedigree”, diz para si mesma, anos depois, quando sua vida mudara e ela iria se casar com Luke, de família tradicional e rica.

Ani trabalhava na redação de uma revista feminina e, como na escola, seu texto era cativante e as manchetes que sugeria faziam sucesso com a diretora da redação.

Mas quando reaparece na redação o diretor de um documentário que faz perguntas sobre o que acontecera na escola, anos atrás, e pede seu depoimento, Ani se desestabiliza. Apega-se ao faiscante anel de noivado e diz que vai pensar. Está nervosa e os flashbacks voltam com força. E finalmente entendemos porque ela havia criado uma nova “persona” para viver sua vida.

Não pode haver meio termo para Ani. Ou ela continua a fingir que nada aconteceu ou ela enfrenta e se expõe. E fica livre para fazer suas escolhas.

O roteiro de Mike Barker é baseado no livro de Jessica Knoll e mantém um ótimo suspense com o uso criativo dos flashbacks. O assunto é pesado mas Mila Kunis dá o tom certo à vítima que se trata com dureza, voltando a agressividade contra si mesma, como se houvesse um castigo a ser executado por ela, contra ela mesma..

Respeitar-se e fazer-se respeitar foi o caminho conquistado com dificuldade e perdas, mas finalmente, Ani se liberta de uma vida fingida.

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