Uma Garota de Muita Sorte
“Uma Garota de Muita Sorte”- “Luckiest Girl Alive”, Estados Unidos, 2022
Direção: Mike Barker
Essa garota tem algo tenebroso em seu passado. Prestem atenção no que acontece na loja onde ela vai escolher os presentes para a lista de casamento. As facas de cozinha escorrem sangue nas mãos de Tifani Fanelli (Mila Kunis), a Ani. Luke (Finn Wittrock), o noivo, não percebe o que vemos. Serão alucinações da noiva? O que foi que aconteceu com ela?
Aos poucos vamos conhecendo melhor a história, porque há flashbacks que vão mostrando o que Ani ou Tiff, como a chamam na escola, viveu. Foi um pesadelo. Um trauma inesquecível, não levado a sério por quem abusou dela, seus próprios colegas.
E quando acontece o horror atingindo a vida de vários dos adolescentes daquela escola, os que sobreviveram pensam que ela foi cúmplice. Tinha motivo, diziam. Vingança.
O trauma foi duplo e ela vítima duas vezes. E Ani se isolou, tentando enterrar bem fundo em sua mente as lembranças que teimavam em vir à tona, atormentando mais e mais.
Ela era bolsista numa escola de meninos e meninas ricos. Tinha um corpo de mulher, numa idade precoce. E não se fazia respeitar.
Uma voz interna, que só ela e nós ouvimos, faz observações ferinas sobre si mesma e os que a rodeavam.
“- O que acontecia era que eu não tinha pedigree”, diz para si mesma, anos depois, quando sua vida mudara e ela iria se casar com Luke, de família tradicional e rica.
Ani trabalhava na redação de uma revista feminina e, como na escola, seu texto era cativante e as manchetes que sugeria faziam sucesso com a diretora da redação.
Mas quando reaparece na redação o diretor de um documentário que faz perguntas sobre o que acontecera na escola, anos atrás, e pede seu depoimento, Ani se desestabiliza. Apega-se ao faiscante anel de noivado e diz que vai pensar. Está nervosa e os flashbacks voltam com força. E finalmente entendemos porque ela havia criado uma nova “persona” para viver sua vida.
Não pode haver meio termo para Ani. Ou ela continua a fingir que nada aconteceu ou ela enfrenta e se expõe. E fica livre para fazer suas escolhas.
O roteiro de Mike Barker é baseado no livro de Jessica Knoll e mantém um ótimo suspense com o uso criativo dos flashbacks. O assunto é pesado mas Mila Kunis dá o tom certo à vítima que se trata com dureza, voltando a agressividade contra si mesma, como se houvesse um castigo a ser executado por ela, contra ela mesma..
Respeitar-se e fazer-se respeitar foi o caminho conquistado com dificuldade e perdas, mas finalmente, Ani se liberta de uma vida fingida.