Mademoiselle Paradis

“Mademoiselle Paradis”- “Licht”, Alemanha, Áustria, 2017

Direção: Barbara Albert

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Uma visão estranha e algo constrangedora. Uma moça de uns 18 anos, com uma peruca enorme e pluma, vestido de seda listrada com capa e laços, está tocando o piano. Vemos no início apenas seu rosto infantil que expressa emoções em conflito, tenacidade, envolvimento com a música mas também um desagradável revirar de olhos  que não é natural, acompanhado por movimentos de balanço com o corpo.

Alguém diz ao outro na plateia:

“- Bonita não é mas toca bem”.

“- Pobre, tenho pena dela”, retruca outra.

“- Mademoiselle Jeunehomme é melhor”, responde outro ainda.

“- Mas ela não é cega”.

Essa última observação explica tudo. Estão ali para ver a cega tocar piano. Tem algo de circense nisso.

Quando ela termina é aplaudida e rodeada de nobres que comentam a performance de Maria Theresia von Paradis.

“- Fique de boca fechada”, adverte a mãe dela.

“- Você toca tão bem que me levou às lágrimas”, vem dizer uma dama.

Outras comentam o tratamento anterior da pianista que fazia com que caíssem seus cabelos e cheirasse mal.

“- Melhorou muito”, comenta uma delas.

Estamos em Viena, 1777 e a pianista cega vai ser levada pelos pais ao dr Franz Anton Mesmer (1734-1815), última chance para Theresia, já que outros médicos nada tinham conseguido.

O dr Mesmer (Devid Striesow) era o teórico do magnetismo animal, o mesmerismo, que acreditava existir uma força natural invisível em todos os seres vivos e que essa força tinha propriedades curativas. Seus seguidores o consideravam um sábio e os detratores o diziam um charlatão.

A diretora Barbara Albert faz um filme onde a romena Maria-Victoria Dragus brilha como a pianista cega, figura da vida real. Com o dr Mesmer, Resi, como a chamavam em casa, não vai sofrer torturas como foi com os outros médicos. Ele vai conseguir, com uma firme delicadeza e paciência, destravar algo que acontecera quando ela era muito pequena e perdera a visão, da noite para o dia.

Desde então Theresia fora treinada para o piano. Certamente teria um talento natural. Com Mesmer ela encontrou acolhimento e a oportunidade de descobrir o mundo visual.

Mas ela vai ter que escolher em que mundo quer viver. Irá privilegiar sua arte ou seus olhos? O que nos leva a perguntar também qual seria o papel que a autossugestão teria na cegueira dela?

O filme tem uma bela produção de arte e fotografia inspirada. E o elenco foi muito bem dirigido.

“Mademoiselle Paradis” é um filme interessante que traz à cena a figura envolvente de Mesmer, adaptação do livro “Mesmerized” de Alissa Walser.

Tudo o que tivemos

“Tudo o que tivemos”-“What They Had”, Estados Unidos, 2018

Direção: Elizabeth Chomko

O que são aquelas imagens um pouco desfocadas que passam na tela? Um carro antigo, um casal, ele levando ela nos braços, sorridentes. São memórias, lembranças de uma vida a dois. “What They Had”, o título em inglês, alude a algo que eles tiveram.

“- Um casamento para toda a vida”, diz o pai (Robert Foster) para a filha Bridget (Hilary Swank).

E agora a filha viera de longe, chamada pelo irmão Nicky (Michael Shannon) que quer resolver um problema da família Brickers. O que fazer com a mãe deles (Blythe Danner) que afunda na demência?

Na noite passada ela saíra, mal vestida para o frio, no meio da noite, sem que o marido percebesse. Sumira na neve que caia. Ele só entenderia o que acontecera quando vê as pegadas na neve. Onde ela estava?

Quando Bridget com a filha Emma (Vera Farmiga)  e Nicky chegam no hospital, o pai está bravo:

“- Por que chamou ela? Eu disse para não ligar. Sua mãe está ótima! Sabia que voltaria a fumar por causa daquele bar”, diz fuzilando o filho com os olhos.

Depois, os dois irmãos vão ao bar de Nicky conversar sobre o assunto que a trouxe a Chicago.

“- Ele está enlouquecendo, Bitty. Parece um fantasma. Ele vai ter que deixar ela ir para um lugar apropriado e esquecer essa besteira de viagem para a Flórida.”

E estende o folheto do lar para idosos para Bridget ver.

Ela parece relutante e pergunta:

“- E Rachel?”

Pronto. Não é só a mãe que tem problemas. Os relacionamentos afetivos dos filhos vão mal.

Por sua vez, a neta Emma só é carinhosa com a avó e trata mal a própria mãe.

Ou seja, o pai e a mãe desses dois irmãos tem um casamento sólido. E para sempre. Há crises? Mas o pai de Bridget e Nicky agarra-se à mulher dele e diz que melhor cuidador que ele não existe.

E ela, Ruth? Poucos momentos de lucidez que emocionam mas age quase o tempo todo como se fosse uma menina levada. Ela é a nota de humor nessa história, que não tem nenhuma graça, pensando bem.

O filme de estreia da até então atriz, Elizabeth Chomko, trata de família, casamento, velhice e amor.

Mesmo com a demência, Ruth sabe que é amada. O marido vive para ela. Dá para separar um casal assim?

Parece que os filhos vivem um problema insolúvel, existente antes da doença da mãe e do qual não tem consciência. É muito penoso ter inveja do amor dos pais. Tais filhos nunca se sentirão tão amados como gostariam de ser. No caso de Ruth e seu marido, eles tem algo muito precioso, um elo que os liga e une para sempre. Nicky e Bridget não tem nada parecido. Algum dia terão?

O roteiro da diretora é bem escrito, consegue olhar a demência de um outro ângulo e as atuações são convincentes.

Bom filme.