Amanda

“Amanda”- Idem, França, 2018

Direção: Mikhael Hers

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A vida é cheia de surpresas, boas e más. Quanto às primeiras, aceitamos naturalmente como se tudo fosse natural. Quanto às más, custamos a acreditar e não as aceitamos facilmente.

Os personagens desse filme, simples e tocante, vão viver uma experiência traumática para a qual não estão preparados. Aliás ninguém nunca está.

Somos apresentados a Amanda (Isaure Multrier), a garota loura, de cabelos compridos, corada e cheia de vida, através de seu tio David (Vincent Lacoste), que tem vinte e poucos anos. Ela espera na rua que ele venha buscá-la na escola. Está atrasado.

Quando chegam na casa dela, a mãe, Sandrine (Ophélia Kolb), fica brava com o irmão dela:

“- David, ela só tem 7 anos! Como você deixa a menina na rua sozinha?”

Mas já numa cena seguinte, Sandrine que é professora e mãe solteira, dança um rock animado com a filha. São muito próximas.

Aliás, o rock apareceu porque Amanda pergunta para a mãe o que significa o título do livro que ela está lendo: “Elvis left the building”.

Sandrine explica então que essa é uma expressão que significa que algo terminou. O locutor avisa no microfone para as fãs, ainda emocionadas pelo show, que podem ir embora. Elvis se foi.

Essa é uma nota antecipada de perda que as duas compartilham, sem saber que esse tema será central na vida de Amanda.

David ajuda Sandrine a cuidar de Amanda. Ele tem tempo livre, já que é corretor de imóveis e jardineiro, especialista em poda. Cuida dos parques, praças e ruas de Paris.

Amanda e David são mais como se fossem irmãos do que tio e sobrinha. Um irmão mais velho, divertido, para quem ela pode contar, por exemplo, onde esconde a comida que tira do prato quando a mãe não está olhando. Riem juntos.

Quando Lena (Stacy Martin) chega em Paris, a nova locatária de um apartamento em frente ao de David, ele fica encantado com ela. Logo estão trocando histórias de vida num barzinho.

Lena vem de Bordeaux, é professora de piano e procura alunos. David diz que vai ajudar a encontrá-los. E logo lembra de Amanda. Talvez ela gostasse de aprender a tocar piano com Lena, uma garota doce e bonita.

David, Lena, Sandrine e Amanda vão estar juntos num drama que vai marcar a vida de cada um deles de maneira diferente. Esse filme delicado vai fazer os personagens saírem da zona de conforto onde vivem e ter que encontrar novos e inesperados caminhos.

“Amanda” é um filme que, sem grandes pretensões, trata de temas trágicos do mundo em que vivemos. Nunca estamos preparados para enfrentar um choque do tipo que acontece no filme.

Mas a vida traz desafios nos quais às vezes perdemos, às vezes ganhamos. O importante é enfrentar e continuar seguindo, como ensina Mikhael Hers, o diretor e co- escritor do roteiro desse filme caloroso.

Border

“Border”- “Grans”, Suécia, Dinamarca, 2018

Direção: Ali Abbasi

Estranhamento, repulsa, desconforto. É o que as pessoas geralmente sentem quando confrontadas com outro ser humano diferente delas mesmas. A polidez social manda que façamos de conta que não estamos perturbados. Apenas desviamos o olhar, seja da incapacidade, seja da deformação.

“Border” é uma fábula sobre esse fato que reconhecemos em nós mesmos. Vamos encontrar Tina, uma agente de alfândega (interpretada por Eva Melander, atriz fantástica), que no mínimo, é muito feia. Seu rosto de testa larga e curta, a pele grossa e com cicatrizes, o cabelo hirsuto e a expressão estranha, sempre com a boca aberta mostrando dentes grandes e amarelos, causa repulsa.

Ela parece um ser selvagem, saído de uma fotografia antiga ou desenho, mas não existente no mundo real. Diga-se de passagem que o trabalho de maquiagem é excepcional.

E, no entanto, ela é uma agente alfandegária indispensável naquele porto onde atracam navios e balsas vindas de outros países, trazendo toda sorte de passageiros. Tina funciona como um detector de coisas proibidas nas malas que eles trazem consigo. Mais, sabe quem tem um sentimento de culpa, raiva ou qualquer outro sentir inadequado. Seu nariz capta tudo isso com facilidade.

Tina vive numa casa na floresta próxima com um companheiro com quem parece não se dar bem. E é hostilizada pelos cães dele que vivem presos num canil ao lado da casa.

Assim que chega do trabalho, descalça, corre para a floresta onde finalmente se sente em casa. Raposas e alces não se assustam com a sua presença. Lá ela está livre de olhares hostis.

Um certo dia, um homem estranhamente parecido com Tina passa pelo posto que ela ocupa. Ela sente algo indefinível nele. Seu faro não sabe distinguir o que é que ela não está identificando em Vore (Eero Milonoff).

Claro que se reencontram e Vore parece libertar Tina da sensação de ser um monstro, porque ele conta para ela quem ela é. Pertencem os dois a um mesmo povo e ele a convida para se juntar a eles.

A cena de sexo entre os dois é curiosa e estranha para quem só acha normal o que conhece.

E mais não digo porque o espectador precisa ver para crer nas surpresas que o diretor Ali Abbasi, de origem iraniana, preparou na tela, inspirado pela história escrita e adaptada para o cinema por John Ajvide Lindquist, o mesmo autor do roteiro de “Deixa ela Entrar”.

Qual a fronteira que define o que é ser humano? Essa é a questão central do filme, que remete à empatia com o diferente e à pluralidade de gêneros.

Se você quer ver um filme criativo e estranho mas com uma mensagem contemporânea, não perca “Border”, que encantou a plateia do mais recente Festival de Cannes, onde ganhou o prêmio da Mostra “Un Certain Regard”.