Hannah

“Hannah”- Idem, Itália, 2017

Direção: Andrea Pallaoro

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O curso de teatro que Hannah frequenta é um lugar onde poderia expressar emoções que na vida ela se proíbe. Talvez. Estranhamente, diálogos e pequenas cenas que ela representa lá, durante o filme, lembram idênticos momentos de sua vida. Parece que o diretor italiano Andrea Pallaoro avisa o espectador: prestem atenção nela.

Charlotte Rampling, atriz inglesa, 72 anos, é Hannah, uma mulher complexa e enigmática, até que entendemos melhor o contexto em que ela vive. No grupo de teatro ela interpreta como uma ficção, a terrível realidade.

E naquela mesa onde janta com o marido (Andre Wilms), o silêncio é o que resta, além de ações automáticas como comer, trocar a lâmpada que queimou, ir deitar. Mas uma massagem que ela faz com carinho nas costas do marido é um detalhe importante. Hannah expressa cuidado e amor.

O que aconteceu com aquele casal que parece caminhar para algo terrível ou ter vivido um drama pesado?

As duas opções parecem ser verdadeiras. Mas não ficamos sabendo logo. A história se desenrola devagar.

No dia seguinte, eles se vestem e ela pergunta:

“- Está pronto?”

Ele se curva e acaricia um cão, sussurrando palavras doces e amorosas. Uma despedida?

No taxi ele entrega a ela seu relógio. Entram num lugar que é uma prisão. Ele se entrega. Houve um crime?

Quando ela volta ao apartamento, ao colocar as roupas dele sobre a cama, temos a impressão de ver as roupas de um morto. Ela está de luto.

Seu rosto, filmado em close quase o tempo todo, expressa angústia, raiva, grande tristeza e um mergulho no lado mais escuro de sua alma.

Mas alguma esperança ainda resta. Porque ela trabalha como faxineira na casa de uma família rica e deita o menino cego em seu colo para fazer os carinhos que ele pede. Ela faz isso lembrando que tem um filho e um neto. Mas não mais. Foi expulsa da casa deles com um bolo de aniversário na mão.

O que aconteceu de tão grave? Que crime é esse que também a compromete?

Ouvimos uma mulher batendo na porta do apartamento e pedindo para falar com ela. Uma conversa de mãe para mãe, diz a voz. Ela não abre a porta. Mas há indícios que se confirmam quando ela encontra fotos escondidas.

O que interessa aqui não é a revelação de um crime. É o essa situação vivida faz com Hannah. Parece que ela afunda dentro de si mesma. Quando desce as escadas intermináveis do metrô, quando olha a carcaça da baleia na praia, quando joga fora os lírios mortos ou as fotos que encontrou.

Até quando ela vai aguentar?

Charlotte Rampling ganhou o prêmio de melhor atriz por sua Hannah no Festival de Veneza de 2017.

Merecido. Ela é o filme.

Nos Vemos no Paraíso

“Nos Vemos no Paraíso”- “Au revoir là-haut”, França, 2017

Direção: Albert Dupontel

Numa cena original, vemos um cão pastor alemão, correndo entre crateras de um campo de guerra, para levar às mãos do oficial encarregado, dentro da trincheira, um aviso secreto de cessar as hostilidades.

O Tenente Pradelle (Laurent Lafitte) ignora a ordem oficial e faz uma maldade. Manda dois soldados, em plena luz do dia, para uma missão de reconhecimento. Estão condenados à morte.

E outros também morrerão porque os alemães revidam. São de novo o alvo a ser riscado do mapa. O Tenente comanda o inútil combate, a poucos dias do Armístício.

Isso é contado por Albert Maillard (Albert Dupontel) durante um depoimento à polícia em 1920, no Marrocos. Por que? Saberemos aos poucos, num longo “flashback”.

Percebemos que, ambientado no fim da Primeira Grande Guerra, novembro de 1918, vamos ouvir falar nesse filme sobre as consequências das guerras no comportamento dos homens, que ganham muito dinheiro em negócios escusos.

E é também a história de uma grande amizade.

Assim, vemos que durante a última batalha, Albert fica conhecendo Édouard Péricourt (Nahuel Pérez Biscayart). O escriturário e o jovem, filho de uma família rica, não tem nada em comum, a não ser o laço criado na luta pela sobrevivência, naquele campo de batalha. O jovem salva Albert numa situação difícil e por causa disso é atingido por uma bomba e tem o rosto desfigurado.

No hospital, Albert ajuda Péricourt a ter um alívio de suas dores. Rouba morfina. A gratidão de Albert é enorme e faz tudo que Édouard pede a ele. Inclusive dizer à sua família que ele morreu. Está brigado com o pai (Niels Arestrup).

Os dois vão viver juntos em Paris. E o jovem artista, além das belíssimas máscaras que faz para esconder seu rosto, vai convencer Albert sobre dois planos de vingança.

O filme ganhou cinco Césars, inclusive o de melhor diretor e melhor roteiro, adaptado do livro de Pierre Lemaitre, ganhador do Prêmio Goncourt, além de melhor cenografia, fotografia e figurinos (Mimi Lempicka).

“Nos Vemos no Paraíso” é um espetáculo visual bem cuidado nos mais ínfimos detalhes e o elenco convence com interpretações dramáticas que nunca descambam para o ridículo, apesar das extravagâncias da história.

É um filme que merece ser visto por um público exigente.