Todo o Dinheiro do Mundo

“Todo o Dinheiro do Mundo”- “All the Money in the World”, Estados Unidos, 2017

Direção: Ridley Scott

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O diretor britânico Ridley Scott tem no currículo filmes inesquecíveis como “Alien”1979, “Blade Runner”1982, “Thelma e Louise”1991, “Perdido em Marte”2015, entre outros. No ano passado completou 80 anos e enfrentou um problema não imaginável antes dos eventos marcados por manifestações contra o assédio sexual.

Ora, Kevin Spacey, apontado como um dos figurantes da lista negra, era o ator principal do novo filme de Scott, “Todo o Dinheiro do Mundo”, interpretando o bilionário J. P. Getty que, aos 80 anos, tem o neto mais velho sequestrado na Itália e recusa-se a pagar o resgate, mesmo sendo o homem mais rico do mundo.

O diretor foi rápido. Chamou o talentoso Christopher Plummer, 88 anos e, um mês antes do lançamento, refilmou todas as cenas. Foi um acerto a mais na vida desses dois octogenários. A única indicação para o Oscar do filme foi a de de melhor ator coadjuvante para Plummer, mostrando o faro indiscutível de Ridley Scott.

“Todo o Dinheiro do Mundo” conta o que foi um dos sequestros mais conhecidos do século XX, em 1973, nas ruas  de uma Roma que vivia momentos de festa e liberdade de costumes. Jean Paul Getty III (Charlie Plummer, sem parentesco com Christopher), de 16 anos, é forçado a entrar numa Kombi velha e é levado por bandidos sujos e primitivos para a Calábria, sul da Itália. Pedem 17 milhões de dólares como resgate.

E o homem que era o mais rico da história do mundo nega-se a pagar um centavo, fazendo até uma piada com isso e seus 14 netos. No começo, todos pensavam que tudo não passava de uma brincadeira ou até de um modo de tirar dinheiro do avô, imaginado pelo próprio neto.

Mas, conforme o sequestro se alonga por meses, e a mãe de Paul (uma impecável Michelle Williams), divorciada do filho do velho Getty (Andrew Buchan), um homem drogado, luta para conseguir o dinheiro que ela não tem, com a ajuda de Fletcher Chace (Mark Wahlberg, apagado no papel), luzes sombrias focam a personalidade do avô.

Um colecionador de beleza, ele encontrava mais prazer com as peças únicas que comprava do que com a convivência com outros seres humanos. Na mansão palaciana de Londres, quadros de mestres renomados que valiam fortunas, esculturas gregas e romanas, faziam companhia para o velho arrogante e solitário. Enormes lareiras, sempre acesas, tentavam aquecer o lugar gelado e seu frio habitante.

Mas nada é para sempre. Nem ninguém. O desfecho da história é conhecido.

E Ridley Scott demonstra mais uma vez, nesse suspense doloroso, o que o dinheiro não pode comprar. Uma fábula moral a ser relembrada no século XXI.

O Sacrifício do Cervo Sagrado

“O Sacrifício do Cervo Sagrado”- “The Killing of a Sacred Deer”, Reino Unido, Irlanda, 2017

Direção: Yorgos Lanthimos

Um coração pulsando no peito aberto de um homem. A fragilidade desse órgão nas mãos de um outro homem causa apreensão. E nos prepara para o que vamos ver na tela.

A história é sobre um cirurgião cardiologista ( Colin Farrell) e sua família.  Nicole Kidman é a oftalmologista, mulher do cirurgião famoso, com quem tem dois filhos, Bob o caçula e Kim, a mais velha.

Estranhamos os encontros iniciais do médico com um adolescente (Barry Keogan). Haveria algo sexual entre eles? Aos poucos vai ficando mais clara a relação entre os dois. Há um clima de chantagem e sedução.

“Não sei se este é um filme sobre sacrifício, embora alguém seja imolado. Prefiro pensar que é uma reflexão sobre a justiça e sobre escolhas”, disse o diretor grego de  44 anos, no Festival de Cannes do ano passado.

E a justiça aqui é aquela dos deuses antigos. Imediatamente pensamos em uma história de vingança.

Quem conhece um pouco das tragédias gregas vai se lembrar da personagem de Ifigênia. Mesmo porque o nome é citado, já que a filha do cirurgião escreveu um trabalho da escola elogiado sobre essa personagem de Eurípedes. Ifigênia escapa de ser morta em sacrifício pelo pai Agamenon, que ofendera a deusa Artemisa, porque é substituída por um cervo.

Quem será o cervo na história do cirurgião?

Lanthimos vai desenvolvendo o clima trágico, criando suspense, E vai nos envolvendo no horror proposto por uma justiça do “olho por olho”.

O médico vai ter que expiar sua culpa na morte de um paciente durante uma cirurgia. Ele se submete aos desejos do adolescente, filho do morto, levado pela culpa. Sabe que o paciente teria uma chance se ele não tivesse bebido.

A maldição que o filho do morto lança sobre a família do médico, começa a surtir efeito. Uma estranha paralisia joga os dois filhos dele numa cama.

Lanthimos usa esses personagens, aparentemente banais, para expor as reações deles quando colocados numa cilada que os obriga a uma escolha impensável. A natureza humana sob a influência das forças inconscientes, maiores do que pode suportar, vai atuar em obediência a esses deuses, as fúrias internas que castigam sem piedade.

“O Sacrifício do Cervo Sagrado” é um filme para poucos mas fica conosco quando saímos do cinema porque leva a reflexões pouco convencionais.