O Silêncio

“O Silêncio”- “The Silence”, Estados Unidos, 2016

Direção: Martin Scorsese

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A abertura é cruel. Pessoas são torturadas numa paisagem rochosa e vulcânica, encoberta por neblina.

Distinguimos um rosto conhecido entre os japoneses. É Liam Neeson que interpreta o jesuíta português, padre Cristovão Ferreira. Ele também é torturado e parece assustado com o sofrimento ao seu redor.

Estamos no Japão no século XVII. Cristãos são perseguidos pelos homens do shogunato Tokugawa. A religião pregada pelos jesuítas é ilegal e punida com a morte.

“O Silêncio”é adaptado do livro do escritor católico Shusaku Endo de 1966, que narra as perseguições cruéis aos cristãos, nos anos 1600 no Japão. Martin Scorsese, o grande diretor de cinema americano, descobriu esse livro em 1989 e desde então teve o desejo de adaptá-lo para o cinema. Numa recente edição do livro, ele escreveu no prefácio:

“O Silêncio é a história de um homem que aprende – com muita dor – que o amor de Deus é mais misterioso do que ele pensa. Que Ele deixa muita coisa para que os homens decidam do que podem conceber e que Ele está sempre presente…mesmo em Seu silêncio.”

Não é uma história fácil de ser contada. E o filme não é fácil de ser assistido.

Tudo começa em Macao, quando os jovens jesuítas Sebastião Rodrigues (Andrew Garfield) e Francisco Garupe (Adam Driver) chegam de Portugal para sua missão de ajudar os cristãos perseguidos. Ficam sabendo que seu mentor, padre Ferreira, está desaparecido e correm boatos que teria abjurado sua fé sob tortura. Eles não acreditam nisso mas partem à procura dele.

E o que os espera é assustador. Dão-se conta de que os camponeses japoneses pobres vivem como animais, mas professam sua fé em segredo. Os jesuítas são recebidos por esses seres famintos e sujos como se fossem deuses. Essas pobres criaturas ignorantes e miseráveis querem ir para o paraíso, onde não há miséria nem sofrimento. Cedo, o padre Rodrigues percebe que o modo dos japoneses serem cristãos é pouquíssimo espiritualizado e que eles se apegam a cruzes e outros símbolos religiosos como se fossem amuletos.

Eles estão dispostos a morrer por sua fé para proteger os jesuítas, que seriam os facilitadores da ida ao paraíso, com seus sacramentos e a Missa.

Mas e os jesuítas? Estarão dispostos a dar sua vida certamente, mas e quanto a abjurar sua fé para salvar aqueles pobres japoneses tratados tão cruelmente?

“O Silêncio” trata da fé e da dúvida, sua companheira inseparável.

A fotografia de Rodrigo Prieto e a produção de arte de Dante Ferretti criam belas cenas que parecem pinturas, que são um alívio ao peso do sofrimento que permeia todo o filme.

“O Silêncio” tem uma mensagem bem atual. Querer dominar povos com culturas diferentes através da imposição de outra, alheia a eles, nunca dá certo. E a verdade é que, infelizmente, em nome da religião, muitas injustiças e crueldades foram e ainda são cometidas mundo afora.

Aliados

“Aliados”- “Allied”, Estados Unidos, 2016

Direção: Robert Zemeckis

Um filme de amor? Um filme de guerra? Nem um, nem outro mas tem tudo isso no mais novo trabalho de Robert Zemeckis, que assina muitos filmes. Ganhou o Oscar com “Forrest Gump, o Contador de Histórias”.

A dupla romântica é o suprassumo da elegância. São da elite do cinema: Marion Cotillard, Oscar por “Piaf” e Brad Pitt, sem Oscar mas com muitos outros prêmios. Ela interpreta Marianne Beauséjour, francesa e ele Max Vatan, canadense, que se encontram durante a Segunda Guerra, em 1942, no Marrocos, na época Protetorado Francês.

E aqui, entra outro elemento interessante: espionagem e suspense. Os dois vão se empenhar em eliminar um general alemão, numa festa luxuosa na embaixada alemã em Casablanca, que vira um campo de guerra, com a vitória para a dupla que foge para a Inglaterra.

Lá eles se casam, tem uma filhinha e vivem uma felicidade de apaixonados numa casa em Londres.

Tudo parecia perfeito e só faltava a guerra acabar, quando o serviço de contraespionagem inglês acusa Marianne de ser uma espiã alemã. Será possível? O tenente-coronel Vatan faz tudo que pode para provar o contrário.

O roteiro de Steven Knight é baseado numa história real que ele ouviu contar há mais de 30 anos. O suspense é bem armado e a dupla, principalmente Marion Cotillard, comove e envolve a plateia.

Há cenas espetaculares como a de abertura do filme, em que Brad Pitt desce de paraquedas no deserto, entre as dunas amarelas ao sol brilhante e é recolhido por um carro. Lá dentro, abre uma valise e verifica documentos falsos, armas e dinheiro. O motorista passa uma caixinha de veludo para ele, onde brilha uma aliança. E diz:

“- Sua esposa o espera. Cherchez le colibri (procure o beija-flor).”

E, num clube noturno todo de mármore, cristais e elementos art-deco, lá está ela, deslumbrante, com o beija-flor bordado num xale de seda.

Aliás, os figurinos são um dos pontos altos do filme. Joanna Johnston foi indicada ao Oscar de melhor figurino, não ganhou mas fascinou quem gosta de moda com os vestidos de Cotillard. O sedutor peignoir de seda bordado com flores, o de paetês negro com decote nas costas, o verde água de cetim longo, com uma “basque” na frente e o bordado de uma pluma no ombro, distraem a atenção, de tão maravilhosos que são.

Marion Cotillard resplandece na tela, grávida de dois meses, segundo filho dela e do seu companheiro Guillaume Canet, ator e diretor francês.

Só isso já desqualifica o boato, que atrapalhou o filme, de Brad Pitt estar tendo um caso com ela. Diziam que havia detetives no estúdio onde eram rodadas as cenas. Aliás, isso deve ter contribuído para seu desempenho rígido e forçado, sem verdadeira entrega, destoando do estilo de Cotillard, que palpita tão verdadeira na pele da sua personagem.

O fato é que ela parece feliz e realizada e ele tenso e distante. A vida real apareceu nesse filme sem ser convidada. O casal Brangelina não existe mais. Acontece todo dia mas na realeza hollywoodiana isso faz manchete no mundo todo.

De qualquer modo, “Aliados” é um filme com uma pegada antiga que cai bem.