Moonlight – À Luz do Luar

“Moonlight: à Luz do Luar”- “Moonlight”, Estados Unidos, 2016

Direção: Barry Jenkins

Oferecimento Arezzo

Ele é negro, pequeno e assustado. Todos o chamam Little. Mas seu nome é Chiron (Alex Hibbert). Vive com a mãe drogada, Paula (Naomi Harris)

Se não fosse aquele homem negro, grandão, todo enfeitado de ouro, que passeia num Cadillac azul antigo e salva Little dos garotos da escola que, sentindo sua fragilidade, se aproveitam para maltratá-lo, não saberíamos o que seria daquele menino. Calado, ombros caídos, ele é a imagem da necessidade de sustentação.

E Juan (Mahershala Ali, magnífico), o grandão de dentes com capa de ouro, brincos e um lenço negro amarrado na cabeça e que vende drogas, põe Little sob sua proteção. Conversa com ele, faz perguntas e como Little não responde, leva ele para comer na casa da namorada Teresa (Janelle Monaé):

“- Você não fala nada, mas come muito, ein?”diz rindo Juan.

E, finalmente o garoto se abre:

“- Meu nome é Chiron mas as pessoas me chamam de Little.”

“- Vive onde?”

“- Miami, Liberty City.”

“- Com sua mãe? “

Little acena com a cabeça. “- E seu pai? “

Silêncio. E ele vai dormir ali pela primeira de muitas vezes. Teresa sempre será um abrigo para Chiron, quando sua mãe não o quer por perto.

E Juan, que veio de Cuba, faz o que aquele menino sem pai nunca tinha feito. Leva ele para aprender a nadar no mar.

“- Eu te seguro. Você relaxa.”

 Assim, com a câmara boiando a seu lado, numa bela cena, começa o resgate de Chiron. Juan tinha tido uma vida parecida. Mãe drogada. Em seu peito amplo, Chiron podia se sustentar.

Mas os meninos do colégio continuam a perseguir Chiron. Ele não reage. Mas sentimos que a raiva está se acumulando naquele corpo magro.

Kevin, o único colega que se aproxima dele, dá uma força e ensina a lutar:

“Você precisa ser mais duro.”

E é com Kevin que Chiron (Ashton Sanders) vai ter uma experiência afetiva, fumando maconha, quando já é um adolescente. Não se trata simplesmente de sexo. Vemos uma carência enorme que começa a poder ser preenchida. Depois de Juan, que funcionou como um pai, Kevin é seu primeiro amigo.

E, quando tudo que foi acumulado de desgosto e raiva explode com fúria, Chiron vai ter que passar por uma prova difícil e vai se tornar Black.

Juan foi o Blue porque uma mulher disse que ele ficava azul ao luar. Chiron vai ser Black (Trevante Rhodes) até poder abrir seu coração.

Numa estrada ao luar, num Cadillac preto, ao som de “Paloma”, cantada por Caetano, Chiron nos convence que fez a passagem de sua vida miserável quando criança para uma auto-confiança saudável. Ele também é Blue ao luar. Não sómente Black. E ser triste não é uma doença fatal.

Saímos do cinema comovidos e encantados com a sensibilidade do diretor Barry Jenkins, 37 anos, em seu segundo filme, inspirado na peça teatral “À luz do luar garotos negros ficam azuis”de Taren Alvin McCraney.

“Moonlight”ganhou o Globo de Ouro de melhor filme drama e 8 indicações para o Oscar: melhor filme, diretor, atriz coadjuvante (Naomi Harris), ator coadjuvante (Mahershala Ali), fotografia, roteiro adaptado, edição e trilha sonora.

Excelente. “Moonlight” tem um brilho sublime.

Até o Último Homem

“Até o Último Homem”- “Hacksaw Hidge”, Estados Unidos, 2016

Direção: Mel Gibson

A abertura, em câmara lenta e com som abafado, nos joga brutalmente no filme, um inferno de explosões que faz corpos voar, soldados correndo em chamas, tiros. Mortos pavimentam o solo sangrento. Horror.

Ouve-se em “off” a voz, que depois vamos saber que é do soldado Desmond Doss (Andrew Garfield):

“…aqueles que esperam no Senhor

renovam suas forças…”

E alguém diz:

“- Desmond, aguenta mais um pouco. Nós vamos tirá-lo daqui!”

E um “flashback”nos tira da guerra e nos leva para 16 anos antes, com os irmãos Doss brincando nos campos e rochedos da Virginia.

O pai deles (Hugo Weaving) é um sujeito que bebe e é violento e não se esquece dos amigos mortos na Segunda Guerra a seu lado. Faz visitas frequentes ao cemitério.

Quando Desmond atinge seu irmão Hal numa briga e pensa que ele morreu, vemos a que ponto a culpa se entranha no coração do garoto.

O pai tira o cinto mas a mãe (Rachel Griffts) acode:

“-Pare! Desmond, Hal vai ficar bem!”

“- Ele poderia ter morrido…” balbucia Desmond.

“- Sim e não há maior pecado do que tirar a vida de alguém”, diz a mãe.

O pai grita com a mãe.

“- Por que ele nos odeia tanto?” pergunta Desmond à mãe.

“- Ele odeia a si mesmo. Queria que vocês tivessem conhecido ele antes da guerra…”

E, por causa dessa infância, começamos a ter uma ideia do caráter de Desmond que, apesar de se alistar no exército depois do ataque a Pearl Harbour, como o irmão, recusa-se a pegar num rifle no treinamento do exército.

“- Vou ser médico e salvar vidas, Dorothy. Não vou matar”, diz à noiva enfermeira (Teresa Palmer).

Essa postura ética e religiosa (ele é adventista), que ele defende com perseverança, vai custar muito sofrimento a Desmond. Chamam ele de covarde, louco, idiota. Mas nada disso o abala. Mesmo quando os companheiros de dormitório passam a surrá-lo à noite.

Enfrenta uma corte marcial e é o primeiro “Opositor Consciente”que parte para a guerra sem uma arma. Na mão leva a Bíblia, com a foto de Dorothy.

A história é verídica e no fim do filme vemos o próprio Desmond Doss dar seu depoimento, antes de morrer aos 87 anos. Outros companheiros de seu batalhão, inclusive o sargento, falam sobre sua atuação heroica na batalha de Okinawa, no Japão em 1945, quando salvou 75 vidas. Foi condecorado com a Medalha de Honra do Congresso.

Mel Gibson dirige o filme, indicado para 6 Oscars, inclusive melhor filme e diretor. Parece que ele resgata a inspiração de “Coração Valente” de 1995, depois de um tempo eclipsado, por causa de sua reputação de anti-semita e homofóbico.

Há no filme de Gibson muito dele mesmo. Crueza e quase que um mau gosto em mostrar cenas desnecessárias no campo de guerra, com um sadismo que cansa, porque é repetitivo. Mais do mesmo.

Mas o filme envolve o espectador porque o personagem principal, interpretado com grandeza e humildade por Andrew Garfield, é um homem fascinante, só agora conhecido do grande público.