A Qualquer Custo

“A Qualquer Custo”- “Hell or High Water”, Estados Unidos, 2016

Direção: David Mackenzie

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O cenário rude e crestado pelo sol inclemente do Velho Oeste é o mesmo desde que o mundo é mundo. É uma geografia de planícies, mesas e um solo que, ao invés de produzir comida, fornece petróleo e gás, riquezas descobertas pelos brancos que dominam o Texas há tempos.

Antes eram os comanches, índios aguerridos, que eram os donos da terra, até 1875, quando o exército acabou com a supremacia dos “Senhores das Planícies” que se retiraram para uma reserva em Oklahoma. Ainda restam alguns deles no Texas, cheios de um ódio calado contra os usurpadores de sua morada ancestral.

“A Qualquer Custo” passa-se nesse cenário onde tantos faroestes foram filmados. Mas este filme é um neo- faroeste. E agora são os bisnetos dos colonos brancos que perdem suas terras para os bancos. O novo inimigo deles é o sistema financeiro que rouba as terras dos brancos pobres.

Dois irmãos, em tudo diferentes, se unem para conseguir dinheiro e resgatar o rancho de sua recém falecida mãe, da ganância do Texas Midland Bank. Devem uma fortuna em juros da hipoteca e não tem um tostão. Toby Howard (Chris Pine), o mais moço, além disso deve dinheiro da pensão à sua mulher. Tanner Howard (Ben Foster), o irmão mais velho, ex-presidiário, é alguém com quem Toby pode contar para a execução de um plano amalucado: roubar as agências do Texas Midland Bank e pagar a dívida que eles tem com o banco com esse dinheiro roubado.

Aos olhos dos irmãos isso é a justiça que tem que ser executada. Se alguém morrer na empreitada, será por causa de Tanner, o mais velho que tem um temperamento agressivo e parece definitivamente perdido para o crime.

Mas Toby é bem intencionado. Não vai ficar com o rancho para ele. Quer deixar algo para seus dois filhos: a fazendinha que foi da avó deles. Mesmo que tenha sido um pai adolescente e ausente, algo nele quer mais para os filhos do que ele mesmo teve. Seria a quebra de uma maldição de pobreza por gerações.

Só que não estava no programa o aparecimento de uma dupla de Texas Rangers, a polícia armada que investiga o roubo aos bancos.

Jeff Bridges, excelente, garantindo sua sétima indicação ao Oscar, faz Marcus Hamilton, entrado em anos mas forte bastante e experiente, tentando seu “canto do cisne”, última glória antes da aposentadoria.

Seu parceiro Alberto Parker (Gil Birmingham) é mestiço de comanche e mexicano e, por isso, alvo de piadas racistas do branco Hamilton. O que expõe outra ferida da mentalidade americana que considera inferiores todos que não são brancos.

Mas ninguém é de todo mau, nem de todo bom. E o roteiro de Taylor Sheridan mostra a complexidade dos personagens e faz o filme ter um peso de crítica social bem evidente, através do uso certeiro da ironia. Mais, de certa forma explica os motivos que os levaram a ser quem são. Não há para eles outra saída. São homens de tudo ou nada.

A direção do escocês David Mackenzie cria cenas atraentes e bem interpretadas e a fotografia de Giles Nuttgens mostra a miséria e a desesperança em tons terrosos.

Depois dos créditos finais, o diretor colocou uma homenagem. Ofereceu este filme aos pais dele, David e Ursula Mackenzie, com a data do nascimento e morte dos dois. Estranhamente, morreram no mesmo ano, apesar da grande diferença de idade e no ano que precede a filmagem de “A Qualquer Custo”. Não consegui saber o porquê mas certamente dá ao filme um sabor pessoal.

“A Qualquer Custo” foi indicado ao Oscar de melhor filme, roteiro original, edição e ator coadjuvante. Merecido.

Estrelas Além do Tempo

“Estrelas Além do Tempo”- “Hidden Figures”, Estados Unidos, 2016

Direção: Theodore Melfi

Quando vemos aquela menininha negra demonstrando um complicado raciocínio matemático com clareza e autoridade, ficamos certos de que ela vai ser uma figura importante no futuro.

E assim será. O filme mostra que, em 1961, Katherine Johnson (Taraji P. Henson) vai trabalhar na NASA em Hampton, Virginia, como um computador. Naquele tempo, computadores eram pessoas superdotadas para cálculos necessários ao programa espacial americano, que estava atrasado em relação ao soviético, em plena Guerra Fria.

A cena de abertura mostra três mulheres negras com um problema mecânico no carro que as leva, juntas, todo dia para o trabalho. Chega um carro com um policial que se espanta ao saber que trabalham na NASA.

Dorothy Vaughan (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monaé) são as companheiras brilhantes de Katherine, que conseguiram um trabalho importante por seus próprios méritos.

Mas logo vamos nos dar conta de que a vida para qualquer negro, especialmente na conservadora Virginia, não era nada fácil naquela época em que havia uma política de segregação entre brancos e negros. Assim, nos ônibus públicos deveriam sentar-se nos lugares do fundo, havia escolas só para brancos, bebedouros e banheiros públicos separados.

A história de Katherine é a melhor contada no filme. Viúva, com três filhas pequenas e trabalhando até tarde, já que tinha sido recrutada para um trabalho especial de cálculos sobre o lançamento, trajetória e retorno do foguete Atlas, que poria um primeiro americano em órbita, tinha uma vida difícil. Era a única mulher na sala de Al Harrison (Kevin Costner), chefe do programa.

Pobre Katherine. O racismo fazia com que tivesse que correr mais de 500 metros para poder ir ao banheiro. E Harrison se irrita com suas ausências, sem perceber que não havia banheiros para negros no prédio onde trabalhavam.

Mais tarde, ele vai se dar conta disso e mudar muita coisa no que dizia respeito à segregação na NASA.

Dorothy também sofria pelo fato de não ser reconhecida como chefe de departamento, onde trabalhava coordenando várias moças negras. Sua chefe (Kirsten Dunst) a tratava com frieza e menosprezo.

Mary vai ter que entrar na justiça para poder estudar à noite numa escola para homens brancos e tornar-se a primeira engenheira mulher e negra da NASA.

Essas três mulheres inteligentes, brilhantes e lutadoras vão sobressair-se e fazer um trabalho importante, que só foi reconhecido há muito pouco tempo.

O diretor Theodore Melfi adaptou o livro do mesmo nome do filme em inglês: “Hidden Figures” de Margot Lee Shetterly.

É um filme bem cuidado, com boa reprodução da época, tanto nos cenários como nos figurinos e conta a história da conquista do espaço de maneira tradicional, usando do talento do elenco, todos muito bem em seus personagens.

O racismo e a misoginia não são apenas americanos. Sabemos bem como existem de variadas formas em quase todos os países. Mas o impacto dessa história das três mulheres negras, tão importantes na corrida espacial americana, ainda que com tardio reconhecimento, é bem contada nesse filme e incentiva a refletirmos na injustiça e falta de bom senso que levam a esse tipo de comportamento.

O filme foi indicado a melhor filme e melhor atriz coadjuvante (Octavia Spencer) no Oscar.