O Último Poema do Rinoceronte

“O Último Poema do Rinoceronte”- “Fasie kargadan”, Irã, Iraque, Turquia, 2012

Direção: Bahnan Ghobadi

Oferecimento Arezzo

Beleza e dor.Um grande amor não pode ser vivido por causa da injustiça e da inveja.

Essa é a história real de um poeta iraniano, Sadegh Kamangar, que passou injustamente quase 30 anos como prisioneiro político, por causa da Revolução Islâmica no Irã, que tirou o Xá Rezha Pahlevi do trono em 1979 e instituiu o governo religioso dos aiatolás.

Sahel ( Behraz Vossoughi), como é chamado no filme, era casado com a filha de um coronel do regime do Xá e, portanto, ambos são considerados inimigos pelo governo religioso.

Ela, Mina, interpretada com silêncio e doçura por Monica Bellucci, é uma “mater dolorosa”. Feliz e apaixonada pelo marido poeta, ela é jogada numa cela, torturada e obrigada a gerar filhos de seu carrasco, Akhbar Rezai (Ylmaz Erdogan).

Esse homem, cruel e desprezível, era chofer na casa do pai dela e cobiçava a bela filha do patrão. Nunca perdoou aquele casal apaixonado que ele olhava com rancor pelo espelhinho do motorista, quando os conduzia por Teerã.

Conseguiu sua vingança aliando-se aos adeptos do novo regime.

Se antes os porões da monarquia do Xá estavam repletos de opositores, o mesmo aconteceu quando o tirano foi deposto. Só que agora, os prisioneiros eram os privilegiados pelo antigo governo.

Tudo começa no filme com a alegria do lançamento do livro de Kamangar, “O Último Poema do Rinoceronte”, com muito sucesso. O casal feliz é conduzido no carro pelo chofer porque o poeta quer mostrar algo à sua bela amada, vestida com roupas ocidentais e maquiada.

Chegam à beira de uma estrada que entra pela floresta e descem do carro, num lugar onde impera uma estranha árvore muito antiga:

“- Acredite se quiser, eu falo com essa árvore e ela me responde. Ela me inspirou.”

Mas a felicidade dos dois dura pouco e logo o povo nas ruas grita contra o Xá e ouvem-se rajadas de metralhadoras.

A partir da prisão do casal, o diretor e roteirista curdo-iraniano Bahnam Ghobad muda a maneira de contar a história, valendo-se de imagens escuras e distorcidas para falar do sofrimento, da dor no corpo e na alma. São corações que sangram, impedidos de se ver e constantemente brutalizados.

E os poemas de Kamangar são recitados em “off” pela filha do poeta, que os diz com uma voz suave e grave, enquanto na tela, vemos com horror as imagens da prisão:

“Anunciaram sua morte.

Se você está vivo ou morto,

Ninguém sabe.”

Mina foi solta depois de 10 anos e mudou-se para a Turquia, alquebrada pelo luto da notícia da morte do marido. Mas nunca esqueceu seu grande amor. E faz sua poesia ser conhecida de uma maneira surpreendente.

O filme tem Martin Scorsese como produtor e foi premiado por sua fotografia em festivais por onde passou.

De inegável beleza, mas com uma narrativa difícil, “O Último poema do Rinoceronte” vai agradar a quem ama ver arte no cinema.

Jauja

“Jauja”- Idem, Argentina, Dinamarca, 2014

Direção: Lisandro Alonso

Um texto na tela informa que os antigos falavam de “Jauja”, uma terra mitológica, de abundância e felicidade. Muitas expedições a procuraram. Estrangeiros participavam dessas buscas, em terras do sul da Argentina.

Podem preparar-se para a beleza das imagens que trazem a Patagonia para os nossos olhos. Há uma contemplação da natureza que hipnotiza, ao mesmo tempo que observamos os poucos personagens: o capitão Gunnar Dinensen (Viggo Mortensen) e sua filha, uma menina bonita de 15 anos, loura de olhos azuis, vestida à moda do século XIX (Ghita Norby).

“- Papai, por que não posso ter um cachorro?”

“- Você vai ter Inge, quando voltarmos para casa.”

Estão sentados numa pedra, próximos ao mar, onde formam-se lagoas entre os recifes cobertos de musgo. Vemos leões marinhos ao longe.

Outros personagens aparecem: um militar de calças vermelhas, dono de um olhar lúbrico e cruel, que deseja a menina dinamarquesa, tem colares de prata no peito queimado de sol. Outro ainda, fala em francês e usa bengala e chapéu, afetado como um dândi.

Em suas conversas, referem-se aos “cabeças de coco” e a um certo Zuluaga, que desapareceu. Correm boatos que se juntou a um bando e cavalga vestido de mulher.

“- Por que os chamam de “cabeças de coco”? Precisamos saber quem são para poder entendê-los” diz o capitão dinamarquês.

“- Não vamos entendê-los, vamos matá-los”, responde ríspido o militar de olhar cruel.

Mas a procura do paraíso, “Jauja”, como os indígenas chamavam, transforma-se num inferno para o dinamarquês. Sua filha desaparece com um soldado, ele vai atrás dela e vaga sozinho por uma terra verdejante com riachos e depois árida e pedregosa. Tromba com mortos, quase mortos e fantasmas.

“Jauja” traz uma natureza de rara beleza que convida à contemplação, enquanto desafia o capitão dinamarquês. A câmara, fixa, mostra grandes planos com o capitão lá longe. À noite, o céu de estrelas brilhantes, de dia o azul ou chuva intensa sobre os campos amarelos.

E nós nos perguntamos: foi tudo um sonho? Que salto foi esse para um século depois?

O roteiro escrito por um poeta, Fabian Casas, conta a história argentina da campanha sangrenta dos militares para conquistar as terras dos índios e mistura a esse episódio a expedição de busca de “Jauja”, o paraíso perdido.

O tema do feminino e do amor costura as personagens mulheres através de um soldadinho de brinquedo.

O formato da tela não é o usual e a narrativa é solta.

“Jauja” não é um filme para se  compreender. É um convite para uma interpretação pessoal sobre o que significa essa busca do paraíso, tema recorrente na história da humanidade.