Anna Karenina

“Anna Karenina”- Idem, Reino Unido, 2012

Direção: Joe Wright

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A primeira imagem do filme é a cortina no painel, pintada de vermelho no veludo e ouro nos bordados, réplica da que existe no Opéra Garnier, em Paris. Estamos em 1874, na Rússia Imperial.

E o espetáculo começa como um “vaudeville”, em que vários personagens se apresentam no palco em cenas curtas e com um quê de farsa.

Em sua primeira aparição como Anna Karenina, a bela Keira Knightley tem um anel de brilhantes, em “close”, colocado em seu dedo, enquanto ela lê uma carta e toma café, sendo vestida pelas criadas. E surge o primeiro vestido, de seda cor de ameixa, gola alta e saia farta com a cintura marcada. Todos os holofotes brilham sobre ela.

“- Ah! Stiva…”, exclama com um meio sorriso de desaprovação, fechando a carta.

E em seu escritório, o marido, Alexei Karenin, interpretado com gravidade por Jude Law, diz a ela:

“ – Não o desculpe só porque ele é seu irmão.”

Leon Tolstoi, um dos grandes escritores russos, nos coloca no princípio de sua história o tema que propõe: infidelidade conjugal.

E, enquanto Anna tende a ser mais condescendente, o marido já mostra sua severidade. E este vai ser o drama, numa sociedade onde as regras, os costumes, são mais importantes que as leis.

O modo teatral com que o diretor Joe Wright (“Orgulho e Preconceito” 2005 e “Desejo e Reparação” 2007) imaginou sua Karenina, fotografado com perícia por Seamus McGarvey, faz com que se acentue o artificialismo da alta sociedade da época, vivendo já o começo de sua derrocada. Tom Stoppard, o roteirista, não precisou alterar nada do que havia escrito para que fosse possível a encenação do diretor.

E é estupenda a transição do artificial/teatral para o naturalismo do campo russo onde vive Levin (na pele de Domhnall Gleeson), o alter-ego de Tolstoi, que se preocupa em encontrar novos valores para sua vida. Como num sonho, o palco se abre para uma planície gelada onde brilha o sol em contraste com os holofotes do palco. Uma “dacha” de madeira e o patrão ceifando o campo junto a seus camponeses, enquanto sonha com sua Kitty (a adorável atriz sueca Alicia Vikander que fez “O Amante da Rainha” 2011).

Joe Wright apenas sugere o momento político, para privilegiar o estético e o sentimental, o que tanto pode ser seu “calcanhar de Aquiles” para alguns, como o seu ponto forte para outros. Afinal, o romance de Tolstoi e sua pobre heroína já foram vistos e revistos em dezenas de adaptações para o palco e para a tela. Greta Garbo, Vivien Leigh e Sophie Marceau, para só citar as melhores e mais famosas, viveram Anna e seu drama.

Joe Wright inova com Keira Knightley. A beleza, sensualidade e o luxo estão em primeiro plano. Uma festa para os olhos, embalada pela trilha de valsas de Dário Marinelli.

Anna K. por Chanel, ostenta joias preciosas e ao gosto do século XXI, enquanto seus vestidos, que valeram o Oscar e o Bafta para Jaqueline Durran, são chics e femininos, com saias amplas mas sem exageros de época, atuais, com destaque para as golas de pele e os chapéus pequenos, plumas na cabeça e véu de renda sobre o rosto.

E, se o Conde Vronsky (o fraco Aaron Taylor-Johnson) serve apenas como pretexto para Anna seguir seus impulsos auto-destrutivos, tudo é embalado com arte e sedução. A cena do piquenique na floresta, os dois de branco, deitados numa toalha sobre a grama fresca, tem o “close” de uma língua rosada que roça a boca do amante e passa o gosto de uma sensualidade infantil e sem problemas, que Anna busca e não encontra em seu casamento.

Anna K. ama o amor. E não hesita em entrar em choque com os preconceitos. Parece, antes, ávida para viver a vida num rodopio.

Belíssima, a cena do baile, com sua coreografia de ballet, enfatiza o sonho de Anna de viver o desejo sem pensar nas consequências.

O preço a pagar será alto.

Tolstoi inicia seu romance com uma frase bem conhecida: “Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes o são, cada uma à sua maneira”.

Anna ilustra a segunda opção e Levin com Kitty a primeira. Para contar sua história e provar sua tese, Leon Tolstoi imaginou a frágil Anna e a eternizou, como o símbolo do perigo de entregar-se à ilusão que idealiza o amor.

Muitos de nós já passaram por essa pena. Vale rever essa nova versão.

 

 

O Quarteto

“O Quarteto” - “The Quartet” Reino Unido,2012

Direção: Dustin Hoffman

 

Para quem gosta de ópera é uma delícia. Para os que apreciam boas atuações é um prazer. E para quem quer se distrair, é um bom entretenimento.

Dustin Hoffman, 75 anos, em sua primeira investida como diretor de cinema, acertou em cheio com “O Quarteto”.

Como bom ator que ele é, deixou que seus convidados fizessem o que sabem. E ele os acompanhou com a câmara que mostra que, se não são mais jovens, são ainda pessoas que valorizam a vida, apesar dos males que os afligem.

Tudo se passa em Beecham House, onde artistas são acolhidos numa bela mansão, cercada de um parque magnífico. E seus hóspedes foram (como extras no filme e na vida real no passado), cantores de ópera, de “vaudeville”, musicistas de todos os instrumentos, agora aposentados e, como quase todo artista, sem dinheiro.

Mesmo assim, são muito bem tratados pelo pessoal da jovem médica (Sheridan Smith) que administra a casa de repouso.

Dustin Hoffman vai apresentando os personagens sem pressa, passeando pelas salas da velha mansão, decorada com móveis antigos e cores brilhantes nas paredes, como os ingleses gostam e sabem fazer como ninguém.

Mas, parece que algo vai mal porque todos se entreolham quando o excêntrico Cedric (Michael Gambon) diz que, se não ensaiarem direito, o gala beneficente será um fracasso e a casa de repouso não terá outra saída senão fechar as suas portas.

Veremos que os empecilhos não são apenas de disciplina nos ensaios, porque fica claro que as vozes nem sempre conseguem alcançar a nota da partitura, alguém se esquece do que tinha de dizer, outro ainda não pode ficar porque passa mal e ruma para o hospital, para consternação geral.

A idade não ajuda os intérpretes que fizeram sucesso no passado e agora se reúnem para ouvir suas antigas gravações, relembrando a glória.

E quando chega a grande diva, interpretada por Maggie Smith, esplêndida em seus trajes elegantes, luvas e bengala encastoada em prata, há um rebuliço geral.

O ex-marido Reggie (Tom Courtenay), seu amigo conquistador Wilfred (Billy Connolly) e a companheira de turnês artísticas Cissy (Pauline Collins), a reverenciam e Jean recebe os aplausos dos outros hóspedes, quando chega na mansão, com graça. Mas está insegura e, sem ela, o quarteto do “Rigoletto” não poderá ser o “grand finale” do espetáculo de arrecadação de fundos.

A peça de teatro de Ronald Harwood deu origem a um bom roteiro escrito pelo autor e os diálogos são entremeados por músicas que todos conhecem.

O número final do quarteto emociona e nos faz lembrar que a velhice não precisa necessariamente ser um tempo de apenas recordações do passado.