Elles

“Elles”- Idem França/ Polonia/ Alemanha 2011

Direção: Malgorzata Szumowska

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O que esperar de uma jornalista madura, classe média alta, que resolve escrever um artigo para a revista “Elle”, que envolve uma pesquisa com estudantes que se prostituem para pagar seus estudos?

Anne (Juliette Binoche, atriz fantástica), mergulha no assunto e se entrega. Noites sem dormir no computador, filhos, marido e casa em segundo plano. O quotidiano a enfada.

Pior. Tudo que descobre a deixa fora de prumo, excitada.

Alicja, uma garota polonesa que ela conhece através de um anúncio na internet, a envolve completamente. Com ela, Anne descobre um mundo novo, tentador, pecaminoso.

E, ao mesmo tempo, começa a focalizar os homens pela maneira como essa moça pensa sobre os seus clientes:

“- Que tipo de clientes você tem?”

“- Maridos que se aborrecem.”

“- O que você disse que faz sem camisinha?”, pergunta ela ao ouvir Alicja marcar um encontro pelo celular.

“- Sexo oral. Esses homens só dormem com suas esposas, não tem perigo”, responde a garota.

Lola, a francesa que Anne também entrevista, perguntada sobre o que fazia antes, responde:

“- Baby-sitter, garçonete… Isso ainda me serve de cobertura para contar para meus pais, amigos e namorado. Mas é com esse trabalho que eu faço dinheiro.”

Lá pelas tantas Anne comenta:

“- Mesmo assim, não é fácil…”

“- A gente se acostuma com o dinheiro”, diz Lola.

E a polonesa Alicja, que esconde da mãe o que faz na vida, conta:

“- Você sabe como é difícil arranjar apartamento em Paris. Depois de um mês de trabalho consegui um lindo!”

Anne, uma intelectual desligada no começo do filme, começa a se preocupar com o peso, faz exercícios e dieta. Está sempre pensativa e longínqua em casa, escutando música clássica.

Inveja a jovem polonesa bonita e realista? E o que pensar sobre a francesinha que parece tão à vontade em sua vida dupla? E o sexo que elas encaram com tanta naturalidade? E os homens? E o marido?

Parece que Anne não tem outra saída. Sua sexualidade redescoberta vai ter que ser enfrentada.

O marido reclama:

“- Desde que começou a escrever esse artigo você está bizarra…”

Vai ser possível voltar ao que era antes?

Para muitas mulheres o sexo permanece um tabu.

A educação moralista dada às meninas, a ignorância sobre o próprio corpo e seus desejos, a falta de sinceridade nas relações marido/mulher e o preconceito com a sexualidade feminina existente ainda na nossa cultura, colaboram para esse resultado que empobrece a vida de muitas mulheres.

“Elles”, dirigido e co-roteirizado pela polonesa Malgorzata Szumowska de 34 anos, trata disso tudo com coragem, questionando e botando o dedo em uma ferida que parece longe de cicatrizar.

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A Vida dos Peixes

“A Vida dos Peixes”- “La Vida de los Pesces”, Chile 2010

Direção: Matias Bize

 

“É desconcertante rever um grande amor”? Chico Buarque afirma isso na canção “Anos Dourados”.

Eu diria que é muito mais. Principalmente se o amor perdura.

“A Vida dos Peixes” coloca um reencontro desses no centro do palco e, fazendo isso, adiciona outros sentimentos mais profundos ao de ser apenas perturbador.

Quando André, que escreve guias de turismo, volta à sua terra natal, o Chile, depois de dez anos na Alemanha, ele não veio para ficar.

No aniversário de um amigo, se despede dizendo:

“- Tenho que fazer as malas… Vou amanhã, já é tarde.”

Os amigos brincam comentando as bugingangas que ele leva na mala por causa de sua profissão.

“- Viajo, me pagam bem. E depois, turistas não querem nada de importante. É tudo sempre igual. Clichês. O que fazer com a família, as crianças…”

André ganha tempo? Certamente ele evita um assunto que paira no ar:

“-Você a viu?”

“- Não…”

“- Nós a convencemos a dar um pulo aqui. Espere. Há quanto tempo não a vê?”

“- Muito…”

Ele se despede dos amigos, da dona da casa e, de repente, na sala escurecida e enfeitada por lampejos de luzes coloridas, onde pessoas dançam, ele a vê. Dá passos para trás, abalado.

Entra em um quarto, como que fugindo e encontra uma velha amiga pondo o bebê para dormir. Conversam banalidades mas o tema reaparece:

“- Quando vocês terminaram, para mim foi muito incômodo. Não sabia o que fazer… Não queria tomar partido. Então me afastei de vocês dois. Um dia fui tomar sorvete com Bea e ela me falou de você.”

Ele corta e dirige a conversa para outro rumo.

Mas não vai dar para adiar aquilo que, fatalmente, vai acontecer. Lutando consigo mesmo, ele vai ao encontro dela.

“A Vida dos Peixes” é um filme raro. Com um roteiro brilhante, co-escrito pelo diretor de cinema chileno de 34 anos, Matias Bize e atores que mergulham sem medo em uma água turva de sentimentos contraditórios, coloca a nu, a alma dos personagens. Santiago Cabrera e Blanca Lewin vivem na tela, com sinceridade, no espaço de algumas horas, o que a maioria de nós só vive em pensamento.

E, por isso, nós na plateia, perturbados, aflitos, emocionados, somos testemunhas de que reviver o amor é um sentimento complexo. Atrai, na mesma proporção que afasta.

Rever o grande amor faz um convite perigoso para viver uma vida que não aconteceu e que, por isso, pode parecer mais convidativa do que aquela que vivemos.

Somos como peixes em um aquário presos na escolha de vida que fizemos?

Talvez… Certamente que sim para a maioria de nós.

 

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