37a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

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Eleonora Rosset

Todo ano é aquela expectativa para ver os filmes da Mostra. Fui ver alguns muito bons, que eu recomendo. Vocês podem ver porque alguns desses ainda vão passar outras vêzes, ou na repescagem da Mostra, depois do dia 31/11. Quem quiser conferir a programação vá até o site da Mostra: www.mostra.org.

Aqui estão algumas anotações na saída da sala, bem esquemáticas:

1 – “A Mulher do Policial” – “Die Frau Des Polizisten”, Alemanha, 2013-10-23 Direção: Philip Groning

Em 59 capítulos, o diretor vai introduzindo, através de belíssimas imagens, a vida de uma família composta por um casal e uma filha pequena.

Em alguns desses capítulos, de alguns minutos, a natureza do local é mostrada e quase nada acontece. São espaços de meditação que vão levando a gente a poder ver o que vai acontecer. Em outros, vemos a mãe e a filha, amorosas, na vida diária e em outros ainda, o pai e a família. Mas o assunto que vai ser tratado é bem pesado: violência doméstica.

O filme nos leva a pensar sobre o desespero e a loucura que unem o sádico e a masoquista. Os dois fogem da realidade vivida para se enganar e acreditar, no caso desse filme, que existe uma família feliz.

A menina, filha dos dois é a maior vítima, retirada brutalmente de um paraíso de felicidade com a mãe, para acordar num inferno onde o pai/bicho machuca a mãe e grita. Ela se pergunta: onde está o papai bonzinho?

O espectador só acorda para a realidade crua do massacre que sofre a mulher, quando vemos as marcas em seu corpo.

A dupla de pais se infantiliza como defesa, para não ter que lidar e controlar os surtos de agressividade do homem da casa, do qual se espera afeto e proteção.

Na falta de um superego protetor, nesse casal, sucumbem todos.

No capítulo final, o diretor nos remete, com imagens de água e o corpo da mãe e da menina, a uma fantasia: a volta ao útero materno.

Muito impactante.

(O filme ganhou o Prêmio Especial do Júri do Festival de Veneza 2013)

  

2 – “Inside Llewlyn Davis”, Estados Unidos/França 2013

Direção: Joel e Ethan Cohen

Sem um canto seu, sem emprego, sem amor mas com alguns amigos.

O filme dos Cohen retrata uma situação cruel. Por que o jovem cantor de música folk não consegue nada na vida? Será que é o destino ou ele mesmo nada faz em seu favor?

Ele é como um gato vira-lata sem dono, à mercê da bondade ou maldade das pessoas. Ou como uma folha ao vento. O mundo em que ele vive tem pouca compaixão.

Triste e frustrante, o filme pinta um cenário quase sem esperanças para o protagonista.

Ele, que canta lindamente músicas tristes, está só porque seu parceiro saltou da ponte para a morte.

Ele parece se esforçar para dar certo mas a evidência dos fatos mostra o contrário.

A depressão e o luto pela morte do parceiro o levam a uma sinistra e calada auto-destruição sem saída.

Provavelmente, o voo na ponte será também o seu destino…

(O filme ganhou o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes 2013)

3- “Bertolucci por Bertolucci”, Itália, 2013

     Direção: Luca Guadagnino e Walter Fasano

É um privilégio assistir a esse documentário que faz uma interessante montagem de entrevistas dadas ao longo da vida do cineasta e mestre do cinema, Bernardo Bertolucci, 73 anos.

Vamos vê-lo em imagens antigas, desde as primeiras, recebendo um prêmio dado ao mais jovem poeta italiano, filho de um poeta e já cineasta, até aquelas na cadeira de rodas, na qual ficou nove anos sem filmar.

Ao longo de entrevistas com cortes que fazem o tempo ir e voltar, vemos Bertolucci contar suas ideias sobre o cinema, sobre política, sobre a psicanálise, sobre a censura italiana, sobre os Oscars que ganhou em Hollywood, enfim, uma vida é passada na tela.

É um desfile montado por ele mesmo, o poeta, o humanista, o comunista sonhador, o diretor apaixonado por seus atores, o cineasta orgulhoso de seus sucessos, o megalomaníco infantil competindo com outros mas também o homem mais velho e sábio que fala por paradoxos e aceita as contradições nele mesmo e no mundo.

Diz que pensa que o cinema deve proporcionar prazer ao espectador. Mas que se compreenda, assinala ele, que não se trata de um prazer só de alegria mas de sentimentos humanos, de angústia, a ponto do diretor de cinema não poder ter medo de se despir perante o público e até de ser julgado de forma injusta.

Bertolucci diz que o cinema é sombra, é reflexo de um reflexo. E é um sonho que podemos sonhar juntos na sala de cinema.

Durante o documentário vemos o rapaz bonito e confiante, o homem maduro sedutor e seguro de si e o homem mais velho, realista e carinhoso.

Fala muito da psicanálise como uma experiência que o ajudou a se conhecer melhor e aceitar os outros. Considera “La Luna” seu filme mais psicanalítico.

Ele conversa com vários entrevistadores ao longo do documentário e fala sobre seus filmes mais famosos como “Antes da Revolução” 1964, “O Conformista”1970, “O Último Tango em Paris”1972, “1900” 1976, “O Último Imperador”1987, “O Céu que nos Protege”1990, “O Pequeno Buda”1993, “Beleza Roubada”1996, “Os Sonhadores”2003 e “Io e Te”2012.

É um privilégio assistir “Bertolucci por Bertolucci”.

4 –“Miss Violence”, Grécia, 2013

Direção: Alexandros Avranas

Algo muito errado acontece naquela família.

A menina que faz aniversário, onze anos, se suicida durante a festinha familiar, se jogando pelo terraço do apartamento.

Por que Angeliki se suicidou? E com um sorriso nos lábios?

Todos se perguntam sobre isso na escola, a polícia, o serviço social, os vizinhos.

Mas só o espectador vê seu último sorriso.

Os avós, a mãe da menina e seus irmãos (uma menina mais velha de14 anos, muito próxima de Angeliki, um menino de uns 9 e outra menina de uns 10 anos), não falam sobre o acontecido.

O avô dá remédios fortes para a filha, mãe de Angeliki, que parece muito deprimida. Mas ela só pode chorar trancada no banheiro.

Todos moram juntos num apartamento agradável.

Ninguém diz nada sobre o pai dessas crianças. É como se não existisse.

À mesa de refeições todos se sentam eretos e calados, esperando a avô, o chefe daquela família, muito rígido.

As crianças são mandadas para a escola no dia seguinte da tragédia, para espanto dos professores.

Parece que todos temem o avô, apesar de algumas demonstrações mínimas de afeto.

“Miss Violence” é o segundo longa do jovem diretor grego de 36 anos. Aparentemente é um filme que trata de segredos de família bem guardados que são revelados quando, inesperadamente, a violência explode.

Mas parece que o filme pode também fazer uma leitura crítica do estado dos valores morais e éticos na Grécia, que passa por uma grave crise econômica.

É como se o filme nos perguntasse: como chegamos a esse ponto? O que foi que deixamos fazer conosco? Por que nunca nos rebelamos?

( O filme ganhou o Leão de Prata de melhor diretor e  também o de melhor ator para Themis Panou, que faz o avô, no Festival de Cinema de Veneza 2013)

5 – “Child’s Pose”- “Instinto Materno” Romenia, 2012

Direção: Peter Netzer

Uma mãe dominadora, antipática e cheia de si (a excelente Limunita Gheorgiu), vestida com casacos caros, bolsas de couro brilhantes e muito ouro nas mãos, punhos e orelhas. Cornélia, aos 60 anos já perdeu seu único filho, que não tem uma boa relação com ela. E mais que isso, vive com uma moça divorciada, que ela desaprova.

Rica e manipuladora mas contrariada por causa do filho, leva uma vida afetiva de fachada.

“- Ela nem ao menos colocou um bebê no colo dele”, reclama com sua melhor amiga.

Um acidente trágico vai ser a oportunidade que Cornélia vê de se reaproximar do filho.

Morreu um menino de 14 anos, pobre, das redondezas de Bucareste, por imprudência do filho de Cornélia que queria ultrapassar um carro em alta velocidade.

É a hora em que essa mãe onipotente, muito bem relacionada, começa a se intrometer na investigação policial, pensando que pode comprar a liberdade do filho e trazê-lo de novo para o seu domínio.

Mas o filme envereda por outro caminho e aproxima duas mães que nada tem a ver uma com a outra.

O novo cinema romeno, premiadíssimo já, tem em “Child’s Pose” um excelente representante de seu vigor.

(O filme ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim de 2013)

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Diana

“Diana”- Idem, França/Suécia/Bélgica 2013

Direção: Oliver Hirschbiegel

 

Ela conheceu dias de glória e também de choro e ranger de dentes. Era a mulher mais famosa do mundo

e dizia que queria ser amada, não só pela multidão de fãs mas por um homem.

Via-se como rejeitada, por isso queria tanto agradar?

“Diana”, o primeiro filme que fazem sobre a vida de Lady Di (e muitos virão), foi baseado no livro de Kate Snell, “Diana: Her Last Love” de 2001( “Diana: O Último Amor de uma Princesa”, Prata Editora).

A trama do filme centra-se no suposto relacionamento amoroso com um médico paquistanês, que operava num hospital em Londres, Hasnat Khan (Naveen Andrews, péssimo no papel).

E o roteiro fraco, não ajuda a vender esse romance desmentido por ela.

Na verdade, nunca saberemos a verdadeira história da princesa de Gales, que dizia preferir ser a “Rainha dos Corações” a ser rainha da Inglaterra.

E, se tudo é ficção, uma coisa é certa. Desde sua primeira aparição na imprensa, com aquela saia transparente na contraluz e rosto de anjo, num jardim da infância onde trabalhava, Diana levou uma vida sendo fotografada e filmada.

E parecia gostar disso.

A famosa entrevista de 1995 para a BBC foi um choque para o mundo todo. A cena do filme em que ela ensaia as respostas em frente ao espelho, mostra algo que pode fazer sentido. Porque parece que Diana sempre quis se vingar da rejeição que dizia ter sofrido por parte da família real e de Charles, seu marido.

Conta a lenda que foi Camilla Parker Bowles, na condição de amante, quem escolheu Diana para ser mãe dos herdeiros de Charles, o primeiro na lista da sucessão, se Elizabeth II renunciar ou morrer.

“ – Éramos três naquele casamento…” diz ela com o rosto angelical e grandes olhos azuis marejados, fazendo de si mesma uma vítima a ser glorificada.

A partir daí, em sua curta vida de 36 anos, a imprensa nunca mais deixou de acompanhar cada passo que ela dava. Todo mundo viu todas as fotos.

E, por isso mesmo, Naomi Watts mostra que, na difícil missão de encarnar Diana, ela se saiu muito bem. Nosso olhar a segue em todas as posturas de cabeça, modo de andar e olhar, que flagramos na princesa. Claro que maquiagem, roupas, joias, fazem parte do cenário e ajudam, mas Naomi Watts é o filme.

Percebe-se o talento da atriz, que não fez uma imitação barata mas incorporou a personagem, identificando-se com ela e simpatizando com seus sentimentos.

Isso passa para o público no cinema de maneira tão forte, que, acabado o filme, pensamos em Diana e em nossas memórias sobre ela. Cada um com sua versão particular, mas todos encantados com essa princesa bela e simpática, aberta para as pessoas simples e necessitadas mas que sempre foi e para sempre será enigmática.

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