Preenchendo o Vazio

“Preenchendo o Vazio”- “Fill The Void”- “Lemale et ha’halal”, Israel, 2012

Direção: Rama Burstein

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Para uma cultura laica com a nossa, pode parecer impensável regrar a vida das pessoas pela tradição ditada pela religião.

Mas essa foi e é a atitude corrente em muitas culturas, na nossa e em outras épocas.

Sabemos que pessoas cultas não julgam uma cultura pelos olhos de outra. Portanto, a propósito do filme israelense “Preenchendo o Vazio”, soaram preconceituosas as críticas mal informadas que, não compreendendo o significado de certas práticas da religião judaica, viram tudo como um desrespeito à mulher, adotando uma postura nada condizente com a regra de não julgar qualquer cultura com os preceitos de outra.

Melhor assistir ao filme despindo-se de seus preconceitos, deixando-se envolver.

O filme conta a história de Shira (Hada Yaron), 18 anos, filha caçula do casal Aharon e Rivka (Irit Sheleg). A outra filha, Esther (Renana Raz), 28 anos, está grávida.

No início da trama, vemos Shira e sua mãe escondidas, olhando o moço da família Miller no supermercado. Ele é um possível pretendente da menina.

Mas a felicidade da família de Shira vai ser abalada. Esther morre ao dar a luz a Mordechai, deixando viúvo Yochay, homem alto, de olhos inteligentes e doces, ainda jovem e que era muito apaixonado pela esposa morta.

Ao saber que foi feita uma proposta de casamento para Yochay, com uma moça viúva belga, a mãe de Shira se desespera porque vai perder a convivência com o netinho.

“- Eu enlouqueço se tirarem ele de mim”, diz Rivka.

“- Pode enlouquecer, eu estou aqui”, responde o marido com carinho.

“- Por favor, vamos falar com Shira”.

E, mesmo não estando de acordo com sua mulher, o pai pergunta a Shira o que ela pensa sobre o casamento com o viúvo da irmã:

“- Shira, ninguém a está obrigando, é uma decisão sua.”

E, apesar de ficar muito abalada com essa proposta, ela começa a pensar. Acompanhamos seu rosto de criança transformar-se e adquirir expressões maduras.

Ao longo do filme, vemos Shira amedrontar-se, revoltar-se com a ideia de ser colocada no lugar da irmã morta mas também a vemos olhar Yochay mais detidamente. E rezar, pedindo forças para tomar sua decisão.

Conversa até com seu pretendente jovem mas tudo acontece diferente do que ela imaginava. Ele quer se casar com uma dona de casa na cozinha:

“- E você?” pergunta o jovem Miller.

“-Quero que a minha, seja uma casa de verdade”, responde Shira com o rosto iluminado.

“Preenchendo o Vazio” mostra que os sonhos românticos das mocinhas é natural e se exarceba nas culturas onde elas não podem ter a liberdade que temos na nossa. Mas sentimentos são próprios dos seres humanos em qualquer cultura. E Shira deixa-se levar pelos seus.

Na bela cena final, ela reza, balançando como trigo ao vento e sorri.

Rama Burstein, 45 anos, diretora e roteirista, nasceu em Nova York mas foi criada e estudou em Jerusalém, na Escola Sam Spiegel de Cinema e Televisão.

Pertence à comunidade judaica ortodoxa e por muito tempo reuniu-se com mulheres como ela, que faziam filminhos domésticos, para diversão da família.

Isso não bastava para Rama, que dedicou 15 anos de sua vida ao seu primeiro longa. Foi exibido no Festival de Veneza e  Hadas Yaron, que faz o papel principal, ganhou o prêmio de melhor atriz. O filme ganhou outros prêmios pelo mundo, inclusive o de melhor longa de ficção, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo no ano passado.

“Preenchendo o Vazio” é um olhar feminino, de dentro de uma cultura, que mostra que, apesar das roupagens e costumes diferentes, somos todos muito parecidos.

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A Família

“A Família”- “The Family”, Estados Unidos/França, 2013

Direção: Luc Besson

Um susto. O frio assassinato de uma família. Estranhamente, o assassino, de terno e chapéu marrons, corta o polegar do pai morto. Por que?

“- Quanto vale a vida de um homem? Eu valho 20 mil. Daria tudo para ter a minha vida de volta”, diz em “off” uma voz conhecida.

E a cena mostra Robert De Niro, o dono da voz e Michelle Pfeiffer, que continua bela, com os filhos, um menino de 14 anos (John D’Leo), uma mocinha de 17 (a linda Dianna Abron) e o pastor alemão, Malavita, que chegam de carro, furtivamente, à noite, numa cidadezinha da Normandia, norte da França.

Procuram uma casa sem número.

E logo entramos no clima do filme que não é de tragédia mas de farsa.

Claro que erraram de família na primeira cena. Essa aqui é a que está condenada a morrer. Mas o que será que fizeram para merecer tal sorte?

Luc Besson, 54 anos (“Big Blue – A Imensidão Azul”1988, “Nikita”1990, “O Quinto Elemento”1997, “The Lady”2011), diretor e co-roteirista  do filme “A Família”, associou-se a ninguém menos que Martin Scorsese, 70 anos (“Hugo Cabret”2011, “Taxi Driver”1976, “Goodfellas – Os Bons Companheiros”1990, “A Ilha do Medo”2010), que é o produtor e resolveram brincar com a ideia do livro de Tonino Benacquista, “Malavita”: uma família de gansgsters americana tem que viver na França, às custas do programa de proteção a testemunhas, do governo americano.

Giovanni Manzoni, o pai, delatou a “família” da máfia de Nova Iorque à qual pertencia e agora tem a cabeça dele e de toda a sua própria família, a prêmio.

O agente do FBI que os protege é Tommy Lee Jones, irritadíssimo, porque os problemas que a família cria por onde passa, faz com que tenham que ser relocados sempre.

E, em se tratando de mafiosos, em tom de humor negro, vemos todos daquela família usar de violência extrema para resolver questões de toda ordem, no dia a dia. Aqui, cai como uma luva o ditado “filho de peixe, peixinho é”. Ái de quem irrita alguém da família “Blake”…

A convivência forçada, dos franceses com a família mafiosa disfarçada, é também pretexto para mostrar tanto o esnobismo dos franceses quanto a arrogância dos americanos.

Robert De Niro que atuou em tantos filmes sobre a máfia, está ótimo no papel e faz rir sem esforço. A cena na cinemateca, em que ele tem que explicar como alguém se torna um gangster para a plateia embasbacada, é hilária.

Aliás, todos estão muito bem no filme, que é divertido, apesar de não ser, e nem ter a pretensão de ser, um grande filme.

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