Os Amigos

“Os Amigos”, Brasil, 2014

Direção: Lina Chamie

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Aquele homem tem algo que o faz melancólico, olhando a paisagem cinza da cidade que amanhece. Seus gestos são lentos ao fazer café, pegar o jornal, receber a velha empregada que chega.

“- Dona Julieta, vou ter que ir ao enterro do Juliano.”

“- Seu amigo de infância? Que triste… Você fala tanto dele, Theo. Que pena morrer assim…Tão jovem…”

“- Morrer nunca é bom…” diz Theo.

“- Mas é a vida, né?”responde ela.

Este é o tema do filme “Os Amigos” de Lina Chamie, roteirista e diretora.

Vamos seguir Theo (Marco Ricca), uns 40 e poucos anos, arquiteto, em um dia de sua vida. O dia em que o amigo Juliano morreu.

Velório. Cemitério. Palavras ditas e que ficam com ele:

“- Transformemos suas lembranças em vida.”

Theo aproxima-se da viúva e do filho do amigo, para se despedir:

“- Não sabia que o que ele tinha era tão grave…”

“- A gente nunca se prepara o suficiente para a morte… Tem uns livros do Juliano que eu queria te dar. Passa lá em casa?”

E Theo se vai. Mas não parece muito envolvido com sua própria vida. O luto pelo amigo traz de volta a infância dos dois. As brincadeiras, as brigas e as pazes, o pai violento do amigo, o irmão dele expulso de casa. Cenas que fazia tempo que Theo não revia.

Mas as lembranças de Juliano vão mantê-lo vivo dentro de Theo, o amigo que se afastara do outro na idade adulta mas com quem repartira momentos íntimos, quando o mundo ainda era a escola, a casa dele, a rua, a casa do amigo.

Theo se tranca no banheiro e chora. Vê o amigo no espelho, que sorri para ele.

E Theo se lembra da amiga Majú (Dira Paes) que está no zoológico com as filhas. Imagens de vida , natureza e luz invadem a tela.

A morte é natural. Tudo que vive morre. Só as lembranças não morrem. E o luto leva Theo para uma viagem pelo seu mundo interior.

Crianças, como um coro grego, contam a história de Ulisses e sua viagem. A “Suite Peer Gynt” de Grieg toca  em certos momentos. E tudo isso lembra a vida de heróis que empreendem viagens mágicas.

Hoje é dia de Theo viajar para dentro de si mesmo e reencontrar os heróis de sua infância.

Não é à toa que ele compra um Hércules para o menino que faz aniversário mas que acaba dando para o que perdeu o pai. Para protegê-lo.

A amiga levanta a moral de Theo. Ela também está sózinha. E a amizade aparece aqui, no presente da vida de Theo, como um sentimento forte que socorre, que sustenta em horas difíceis.

Poético e delicado, “Os Amigos” é um filme especial, para pessoas que gostam de um cinema que fala de sentimentos. 

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À Procura

“À Procura”- “The Captive”, Canadá, 2014

Direção: Atom Egoyan

Pedofilia é tabu. Assunto difícil de ser tratado num filme, sem que haja um apelo quase irresistível para mostrar imagens que chocam. Não é o caso de Atom Egoyan, diretor que consegue falar de inocência roubada com delicadeza. Em “À Procura”, há inclusive uma tentativa sincera de alertar para o problema, sem tapar o sol com a peneira.

Aquele pai desesperado (Ryan Reinolds), que deixou a filha no carro, no fim de um dia gelado nas montanhas canadenses, para vê-la desaparecer sem deixar vestígio, causa pena. Ele foi comprar uma torta para o jantar, depois de pegar Cassandra no ensaio da dupla de patinação com o  amiguinho Albert, quando o inesperado drama começa.

E pior. Ninguém acredita nele. A mãe de Cass (Mireille Enos) culpa o marido de ter abandonado a filha e a polícia desconfia dele. Seu negócio vai mal, ele está falido, não pode ter vendido a filha para gente inescrupulosa?

Participamos do calvário do pai porque somos os únicos a ver Cassandra (Alexia Fast) nas mãos de uma rede bem organizada de pedófilos na internet, que tem entre seus membros, pessoas importantes da sociedade local.

Em “flashbacks”o diretor conta a história de Cassandra, 10 anos de idade, uma bela menina loura que se transforma, 10 anos depois, em uma mocinha sem brilho, tristonha, que faz tudo que seu dono (Kevin Durand) manda fazer. Como já não interessa sexualmente, Cassandra desempenha o papel de aliciadora de novas crianças pela internet.

Vemos na tela, menos em Cassandra e mais em outra moça que trabalha para a rede de pedofilia, o que tecnicamente é conhecido como “Síndrome de Estocolmo” e que tem esse nome desde 1973, quando sequestraram funcionários de um banco na Suécia. Mantidos presos no cofre, enquanto os sequestradores conversavam com a polícia, os sequestrados passaram a mostrar simpatia por seus algozes, rejeitando inclusive o auxílio do governo,  mostrando-se mesmo ligados emocionalmente aos que os aprisionavam, defendendo-os até.

A hipótese mais aceita para esse tipo de comportamento é a entrada em cena de um mecanismo de defesa, estudado pela psicanálise, conhecido como “identificação com o agressor”. O trauma da vítima transforma-se em uma ligação emocional com o seu algoz, numa tentativa de eliminar o perigo. Colocada numa situação de total impotência, a vítima tende a transformar seu agressor na figura de uma mãe poderosa, com direito à vida e à morte, mas que poupa sua vítima. O temor extremo transforma-se em uma espécie de laço amoroso.

Em seu filme, Egoyan trata todos os personagens com a mesma dureza. Ninguém escapa. Todos ficam presos na história de Cassandra e não vivem suas vidas. O pai, a mãe e até a própria polícia, na pele da investigadora Nicole Dunlop (Rosario Dawson) e do detetive Jeff ( Scott Speedman).

Atom Egoyan, 54 anos, filho de pais armênios, nascido no Egito, vivendo no Canadá, é o diretor do brilhante “O Doce Amanhã – The Sweet Here and After”1998. Em “À Procura” consegue realizar um filme interessante que faz pensar nos perigos do progresso, quando novas tecnologias são usadas por gente do mal.

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