Las Insoladas

“Las Insoladas” – Idem, Argentina, 2014

Direção: Gustavo Taretto

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Buenos Aires à noite. Prédios iluminados vão apagando suas luzes. A madrugada ganha vida e morre. Amanhece. Os primeiros raios de sol iluminam a arquitetura da cidade.

“Vem aí o sol”, canta George Harrison (“Here comes the sun”) e um grupo de mulheres começa a aparecer num telhado de um prédio da cidade. É verão e as adoradoras do sol, com seus biquinis coloridos e jeitinho portenho de ser, estendem-se para se bronzear.

Seis mulheres de classe média, com profissões diferentes mas com os mesmos sonhos, abrem seus corações e falam de seus desejos e medos.

Estamos nos anos 90, Menem é presidente e o consumo anima o país. Sabemos que isso durou pouco.

O filme de Gustavo Taretto, diretor e roteirista do sucesso “Medianeras”, interessa-se aqui pelo universo feminino que ele usa como metáfora da humanidade. Faz delas o centro de sua câmera e convidou uma roteirista, Graciela Garcia, para diálogos típicos de mulher.

É como se elas estivessem num espaço de imaginação e sonhassem em tornar o faz-de-conta em realidade, já que, apesar dos poderes anti-depressivos do sol, elas não estão satisfeitas.

Aprisionadas naquele terraço, com um mar de papelão anunciando as maravilhas do mar e areias de Cuba, elas pensam em como fugir da prisão de suas vidas comuns.

A eterna insatisfação do ser humano está presente naquelas mulheres jovens que desejam homens que as façam possuidoras de coisas (apartamento, carro, viagens) e que as desejem mais que às outras, enquanto se consolam , momentaneamente, com alfajores, Cuba Libre e um baseado, torrando ao sol com um bronzeador feito em casa.

Elas sonham com o Caribe e com o comunismo da ilha de Fidel e do “Che”, onde seria possível não trabalhar e viver um ano, se conseguissem míseros 240 dólares para cada uma. Que maravilha seria o mar transparente, os hotéis com piscina e todo o resto incluso na diária barata, os homens másculos, a noite cubana e a salsa.

Flor, Vale, Lala, Kari, Sol e Vicky são bonitas de se ver e as atrizes que as interpretam, Carla Peterson, Maricel Alvarez, Luisana Lopilato, Marina Bellatti, Elisa Carricajo e Violeta Urtizberea, tem talento para divertir, dançar e se mostrar (já que passam o tempo todo de biquini) e fazem de “Las Insoladas” um filme que não se obriga a ser só comédia escancarada e arrisca espirituosidade e humor.

“Las Insoladas” é bem agradável de ver e muitos podem sair do cinema pensando em suas próprias “prisões”, douradas ou não.

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Na Próxima, Acerto no Coração

“Na Próxima, Acerto no Coração”- “La Prochaine je viserai le coeur”, França, 2014

Direção: Cédric Anger

Vamos conhecer um dos casos criminais mais estranhos já acontecidos na França, avisa um letreiro antes do filme começar. Estamos em Oise, região próxima de Paris, no inverno de 1978.

Um homem, do qual não vemos a cabeça, fecha o zíper de uma jaqueta azul. Ouvimos uma música soturna com primazia para os violoncelos.

Na rua deserta, duas garotas em mobiletes. Uma se adianta. Ele escolhe a retardatária e a segue com o carro, muito perto. Ela olha para trás apreensiva e ele a empurra para a calçada com uma manobra do carro. Ela cai. Os violinos soam lancinantes.

“- Você é louco?”grita ela e volta para a mobilete.

Ele dá meia volta e, quando chega bem perto, atropela a garota de propósito. O sangue escorre pelo para-brisas. Aponta a arma para a mocinha caída e vai atirar, quando um carro aparece e ele foge.

Larga o carro roubado mais adiante mas, antes, trabalha com fios e há algo escondido dentro, sob uma manta.

Na manhã seguinte, bem cedo, um homem emerge de uma tenda montada sobre a cama de campanha e veste-se com um uniforme. É um membro da Guarda Nacional, encarregado de proteger a população.

Com os colegas numa viatura, procuram o carro usado pelo atirador que assusta a região.  O atropelamento daquela garota da mobilete não é o primeiro crime dele.

Quando encontram o carro suspeito, um deles força a porta e uma bomba incendiária explode.

Ficamos atônitos. O guarda é o assassino que procuram. E que, por ironia, investiga os crimes que ele mesmo cometeu. E mais, é respeitado pelo chefe, que confia em Franck Neuhart, que está acima de qualquer suspeita. Mas é um monstro.

Em sua intimidade, práticas bizarras: flagelação com um ramo de árvore, banhos gelados de banheira, tortura o próprio braço com um arame farpado e com o irmão menor faz treinos de tiro no bosque vizinho à casa dos pais. Correm com pedras nas botas. O garoto parece estranhar tudo isso mas seu irmão não admite contestação:

“- Por que as pedras?”pergunta ao irmão.

“- Por causa da culpa. Sempre temos culpas para pagar.”

Arrogante, confessa seus crimes em cartas anônimas, que ouve o chefe ler em voz alta:

“Sou um matador, preciso matar. Garotas de 19 anos vagando provocantes por aí à noite, são as minhas preferidas…Na próxima vez, acerto no coração e não nas pernas.”

Impassível, vai interrogar no hospital a garota da mobilete, que escapou com vida mas que não consegue falar, de tão machucada. Não passa pela cabeça de ninguém que a vítima e o carrasco estão frente a frente.

É admirável a interpretação de Guillaume Canet, 42 anos, nesse filme sóbrio, dirigido e roteirizado por Cédric Anger, baseado em fatos reais e num livro de Yvan Stefanovitch. Frio, sem sinal de medo num rosto sem rugas, Canet incorpora o espírito do “serial killer”. Ele mesmo não sabe por que mata as garotas mas tem ideias grandiosas e delirantes sobre estar castigando a humanidade hipócrita e cruel: “Vou matar à esmo até ser morto também”, pensa ele na floresta, dormindo debaixo de um céu estrelado.

Sophie (Ana Girardot), a bela garota que trabalha na casa dele, não o conhece, é apaixonada por ele e pensa que ele é gentil.

Mas sexo para Franck é uma coisa perigosa. Quando  se excita, tem que matar. A sexualidade dele está emaranhada com agressividade, culpa e castigo, de tal forma, que ele sufoca com a excitação e precisa agir. Depois vomita mas não se livra nunca daquilo que nasceu com ele.

Este é um filme que sonda mistérios insolúveis da mente humana.

Impressionante.

 

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