Paulina

“Paulina”- “La Patota”, Argentina, Brasil, França, 2015

Direção: Santiago Mitre

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Paulina, a jovem advogada argentina, é intrigante desde o início do filme, numa discussão com o pai, o juiz Fernando (Oscar Martinez). Ele não se conforma com a ideia da filha (a excelente Dolores Fonzi), de interromper seu doutorado, com a expectativa de uma carreira brilhante à sua frente, para ser professora rural, perto do lugar onde nasceu, no norte da Argentina, fronteira com Brasil e Paraguai.

Mais do que irritar profundamente o pai, homem de esquerda que ela tacha de reacionário, parece que Paulina é movida por um idealismo político e crê que a ação pessoal vale mais do que o trabalho através de instituições, como os tribunais, na realização da justiça.

Ela namora, há muito tempo, Alberto (Esteban Lamothe) e ele também não entende por que ela quer ir trabalhar numa região pobre, outrora uma zona de florestas, hoje dizimadas pelas serrarias.

Lá chegando, frente à classe de adolescentes, ela logo perde uma autoridade que não tentou conquistar, colocando-se como “empregada dos alunos” tal como “os políticos são empregados dos cidadãos e não o contrário”.

Claro que a classe aproveita para ter a liberdade de ir embora, dispensando os ensinamentos políticos que a professora tenta passar de maneira infeliz.

Ela parece não compreender o nível de educação de seus alunos, assim como não entende quando falam em guarani entre si.

E a tragédia vai acontecer através de um equívoco. Paulina é vítima de algo terrível. E, como em todos os casos de estupro, é mais humilhada que ajudada no interrogatório policial e exames médicos.

Mas o que mais surpreende a todos é a decisão que Paulina toma frente às consequências desse estupro, mesmo que o pai e as próprias colegas dela, não concordem.

O filme “La Patota” de 1961, que inspirou esse segundo longa de Santiago Mitre, 35 anos, tinha o perdão como o motivo religioso que impedia a vingança.

Com Paulina é diferente. Ela não quer vingar-se mesmo conhecendo os autores do estupro. Ela não perdoa mas tenta entender, já que acredita que a polícia procura culpados, não a justiça. E pensa que a violência que sofreu já basta.

Paulina suscita muitas perguntas já que foge do padrão que encontramos em vítimas desse tipo de crime.

É na entrevista, que se passa durante todo o filme em “flashback”, com uma profissional que faz perguntas a ela, que uma hipótese pode surgir. Nesse mesmo sentido há também uma fala de uma tia de Paulina sobre sua mãe:

“- Você não se lembra dela mas era um demônio, não a rainha da bondade!”

E de repente, realizamos que Paulina não tinha mãe. Ora, suas ações passam a ter algum sentido, se pensarmos que uma poderosa corrente inconsciente impulsionava seus atos, antes de serem trabalhados num plano racional.

À luz dessa hipótese, afrontar o pai e fazê-lo sofrer, com bons argumentos, vingaria a mãe dela, vítima idealizada com quem se identificava.

Na cena inicial e na final, percebemos que os dois personagens principais dessa tragédia são a filha e seu pai. Disse Santiago Mitre numa entrevista:

“- Minha decisão no filme é acompanhá-la e não julgá-la. Uma vítima deve ser ouvida. Não se pode entender o que se passa pela cabeça ou mesmo pelo corpo de quem sofreu uma violência dessas. Quis fazer um filme que, em vez de impor as suas certezas, se movesse em um território difuso, de perguntas, que convide à reflexão.”

Co-produzido pelo Brasil (Walter Salles), o ganhador do Grande Prêmio da Semana da Crítica em Cannes 2015 é um filme original em sua narrativa, bem realizado e com atores fantásticos.

Mas “Paulina” não é para o grande público. É para quem gosta de mergulhar nas contradições da natureza humana.

 

 

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Vida Selvagem

“Vida Selvagem”- “Vie Sauvage”, França, Bélgica, 2014

Direção: Cédric Kahn

Nora (Céline Sallette) e Paco (Matthieu Kassovitz) se entendiam bem naquele começo idílico. Jovens, hippies, um por do sol deslumbrante e ele a vê coroada de luz, cabelos rebeldes e louros, vestida como uma cigana, bela e feliz. Casam-se uma semana depois, debaixo de uma árvore centenária. Juram fidelidade para sempre.

E Nora, que trouxe um filho de outro homem para aquela família, teve dois meninos, criados à maneira que Paco e ela acreditavam ser o certo. Não iam à escola mas aprendiam em casa. Tinham uma educação igual às outras crianças, pensavam os pais, mas na liberdade da vida nômade, entre outros que eram como eles, contrários à sociedade de consumo e às leis dos homens da cidade.

Mas a vida muda as pessoas. E Nora passou a querer uma casa. Cansou-se daquilo. Brigavam. Paco irredutível. Viveriam para sempre naquele trailer, agora seminômades, junto à comunidade alternativa. Fogueiras à noite, canções, danças e baseados.

E, um belo dia, Nora foge, levando as três crianças. Aquilo deixa Paco furioso e ele vai atrás, exigindo os filhos de volta. Promete até uma casa para Nora.

Mas ela, apoiada pelos pais dela, recusa o pedido de Paco e chama a polícia.

O juiz dá a guarda à mãe mas nas primeiras férias com o pai, os meninos de 7 e 8 anos de idade escutam seu apelo e vão com ele, tornando-se fugitivos, procurados pela polícia.

Desesperada, a mãe tenta recuperar os filhos mas é só Thomas, o mais velho, que fica com ela.

Essa história é real e fez manchetes de jornal na França, onde o pai conseguiu fugir por onze anos, vivendo com os dois filhos Tsalit (David Gastou) e Okyesa (Sofrane Neveu). O filme é baseado no livro “Hors système – onze ans sous l’étoile et la liberté” escrito pelo pai Xavier Fortin e os filhos.

No começo, os dois meninos gostavam da vida que levavam. O pai, como professor, ensinava a eles o que as crianças da cidade aprendiam na escola e passava para eles sua filosofia de vida. Amavam e respeitavam o pai mas, pelo menos o menor, sentia falta da mãe. Vemos isso numa cena como um sonho, onde ele procura a mãe que chama seu nome.

Crianças crescem. E os adolescentes (Jules Ritmanic e Romain Depret), desde sempre, são rebeldes à autoridade. O pai, até então, entronizado como um deus, tem que ser contestado.

“Vida Selvagem” não julga ninguém nem discute a posição do pai ou da mãe. Apenas mostra o ponto de vista dos dois meninos, primeiro crianças que descobriam a natureza com prazer e depois adolescentes, que queriam ouvir “som” alto, viver numa casa sem animais, receber os amigos e namorar.

A fotografia de Yves Cape captura a beleza idílica do campo na neblina, cascatinhas e riachos transparentes. O canto dos pássaros, sempre presente, é a música que emoldura as imagens.

Os atores respondem com brilho à direção de Cédric Kahn, destacando-se Matthieu Kassovitz, o diretor do filme “O Ódio-La Haine” de 20 anos atrás, que vive com convicção o Paco de longos cabelos num rabo de cavalo, duro e apegado às próprias ideias, apesar de amoroso com os filhos.

Finalmente, “Vida Selvagem” fala menos da natureza, que da guerra entre os casais que se separam e usam os filhos como reféns, sem se dar conta do que fazem, com muito egoísmo. Grande verdade.

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