A Odisseia de Alice

“A Odisseia de Alice”- “Fidelio, L’Odyssée D’Alice”, França, 2014

Direção: Lucie Borleteau

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Quando o filme começa, vemos Alice nua, nadando no mar azul transparente. Ela passa um sentimento de liberdade e naturalidade, brincando na água. Coloca o maiô laranja quando vai de encontro ao homem deitado na prainha vazia e privada, só para tirá-lo de novo e fazer amor com Felix (Anders Danielsen Lie), seu namorado dinamarquês.

Ele desenha histórias, é artista gráfico e passa para o papel o corpo de Alice.

“- Adoro quando você desenha meu sexo, mas não tenho seios tão grandes…”

“- Em meus sonhos você tem”, responde Felix, com um sotaque que delicia Alice (a bela atriz grega Ariane Labed).

Ela é engenheira naval, tem 30 anos e vai partir no Fidelio, antigo navio de carga. E é com saudades que deixa Felix.

Depois da escalada da escada que a traz a bordo de noite, alguém pergunta:

“- Você tem medo de fantasma?”

Porque na cabine que Alice vai ocupar, morreu um tripulante. Ele estava na sala de máquinas e sua morte está envolvida em mistério. Não se sabe a causa e ele será sepultado no mar.

Alice assiste à cerimônia e encontra na cabine o diário de Patrick. Ela vai mergulhar nessa leitura íntima e refletir sobre a vida.

Mas uma surpresa a espera no Fidelio. Gael (Melvil Poupaud) é o charmoso comandante do navio e um antigo amor de Alice.

Ela é a única mulher a bordo. Passa seus dias entre homens. E não parece se importar com a atmosfera de piadas e conversas masculinas.

Alice sabe lidar com a sexualidade que emana de seus poros e mora em seus olhares e, é claro, Gael volta para a cama dela.

Quando Felix, seu amor em terra, se faz presente através de uma caixa com 30 livros que ele manda para ela, Alice sorri agradecida, pensando no amor dos dois. Mas parece que o que ela sente pelo namorado dinamarquês não a impede de dispor do próprio corpo a seu bel prazer. Aliás é ela quem escolhe quem se deita com ela, como descobre um atrevido que entra na cabine dela sem ser convidado.

“A Odisseia de Alice” lembra a outra, a de Ulisses, que, por mais que se deitasse com feiticeiras, deusas e sereias, no fim volta para sua Penélope.

Mas o tema da fidelidade, lembrado no nome do navio, ainda não trabalhado por Alice, vai colocá-la numa encruzilhada. A aparente facilidade com que lida com sua forte sensualidade, que a invade quando no mar, pode ser uma defesa construída para evitar ter que escolher alguém para amar. Ou terá ela vontade de ter duas vidas, uma na terra, outra no mar?

O primeiro longa de Lucie Borteleau, 34 anos, deu o prêmio de melhor interpretação feminina para Ariane Labed no Festival de Locarno. A diretora é talentosa e faz um filme com uma reflexão importante sobre a mulher do século XXI que, por mais que queira adotar um papel dito masculino, tal qual Ulisses, apesar das aventuras também precisa de um amor porto seguro. E será que um homem, que não tenha essa atitude livre, vai suportar a vida dupla da mulher dele?

Alice espera “tudo” do amor. Uma idealização infantil. Esquece que tem que haver uma reciprocidade essencial na dupla amorosa?

É um belo pequeno filme que faz pensar.

 

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Campo Grande

“Campo Grande”, Brasil, 2016

Direção: Sandra Kogut

O que será que aconteceu com aquela criança? Está na portaria de um prédio da zona sul do Rio de Janeiro. É uma menina de uns 5 ou 6 anos e chora desconsolada e muda:

“- Sua mãe me conhece? Você já esteve aqui?” pergunta Regina, a moradora que tinha seu nome num papel que estava com as crianças. O irmão da menina sumiu.

Não tem outro jeito. E a menina sobe para o apartamento de Regina (Carla Ribas, ótima) que mora com a filha de uns 18 anos (Julia Bernat).

Bem que Regina tenta mas o telefone da Prefeitura não ajuda. Alguém fala em Conselho Tutelar.

A menina deixada sozinha na cozinha pega algo na geladeira, cospe e agarra uma banana. Vai para a sala do apartamento e bate no vidro da janela, sempre chorando. Enrola-se na cortina.

“- Além de fazer xixi no sofá da dona Regina você quer destruir a casa?” diz brava a empregada que vem ver onde a menina está.

A menina chora, sentida e balbucia:

“- Mãe…”

Foge da empregada, desce pela escada de serviço correndo e joga-se num abraço com um menino, um pouco mais velho do que ela, que está na portaria:

“- Igor! Onde você tava?”

“- Calma. Eu vou achar ela.”

É o irmão de Rayane, que a mãe também deixou na portaria do prédio de Regina.

Saem à procura da mãe, perambulando pela cidade barulhenta. Carros, buzinas , construções. A menina (Rayane do Amaral) grudada no irmão (Ygor Manuel, maravilhoso). Ele sobe no monumento da praça para gritar:

“- Ô mãe!”

Mas acabam voltando para o prédio. O menino tem certeza de que a mãe vai voltar. Mas quando?

“Campo Grande”, dirigido com sensibilidade por Sandra Kogut, emociona. Mostra o desamparo de Regina frente a uma situação que ela não consegue resolver e que a angustia:

“- Você está assim porque não sabe cuidar das pessoas”.

E Regina, que está divorciada e que tem que sair do apartamento porque a filha vai morar com o pai, tem que ouvir de Lila:

“- Você quer que eu fique morando com você para não sair desse apartamento.”

E a maior parte do filme passa-se na procura da mãe das crianças por Igor e Regina, depois que a menina foi colocada num Abrigo. Os dois vão até Campo Grande onde o menino diz que a avó e a mãe moram.

Ela, que no começo estava apenas irritada com aquele  menino, vindo não se sabe de onde e que só dava trabalho, vai mudando de atitude.

Na verdade, passa a admirar aquela criança que ama a irmãzinha, adora a avó e que procura desesperadamente a mãe. Regina está só e não tem ninguém para procurar. Com Igor ela começa a pensar sobre sua solidão.

Assim, ao longo do filme vemos a aproximação da garota Lila com sua mãe Regina. E uma transformação, de uma mulher quase feia e desleixada, para uma outra que tem o cabelo penteado e um brilho amoroso no olhar.

Tanto o menino Igor cantando a música predileta da avó, quanto Regina repartindo um sanduíche com a filha e dormindo depois juntas, são cenas que colocam lágrimas incontroláveis no nossos olhos. Não tem como escapar da emoção.

“Campo Grande” é uma surpresa e tanto.

 

 

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