Os Meninos que Enganavam os Nazistas

“Os Meninos que Enganavam os Nazistas”- “Sac des Billes”, 2017

Direção: Christian Duguay

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Uma bolinha de gude azul, escapa das mãos de um menino que redescobre Paris, depois de uma ausência forçada pela ocupação alemã, durante a Segunda Guerra.

O ano é 1944, o mês agosto, é verão e bandeiras francesas tremulam nas janelas da cidade. Paris foi libertada.

O menino adolescente relembra então o que aconteceu em 1942, quando ele e sua família judia tiveram que fugir do perigo nazista.

Joseph, o Jojo, tinha 10 anos (Dorian Le Clech, estreante talentoso), e era o caçula da família de quatro filhos. Maurice, seu irmão (Batyste Flurial) tinha 12 anos e os dois eram muito unidos.

Crianças alegres e levadas, filhos do barbeiro do bairro judeu (Patrick Bruel faz o pai, ótimo) e de uma doce mãe, violinista (Elza Zylberstein), eles não se davam conta do que acontecia. Aliás, é próprio da infância manter um clima de eterna brincadeira.

Mas logo o pai deles tem que mandá-los para o sul da França, onde já estavam seus dois irmãos maiores, em Nice.

O perigo era sério. Estrelas amarelas com a palavra “Judeu” tinham que ser costuradas em suas roupas. O antissemitismo era feroz e crescia.

Com o coração apertado vemos o pobre pai tendo que ser severo para que as crianças acreditassem no perigo:

“- Você é judeu? ”, pergunta o pai.

“- Não! ”, responde o menor e leva um tapa do pai, que renova a pergunta:

“- Eu sei que você é judeu! “

Assustado, depois de mais um tapa, ouve o pai explicar:

“- Melhor levar um tapa agora do que perder a vida por medo de levar um tapa. Não digam para ninguém que são judeus. Entenderam? É muito perigoso.”

E lá se vão os dois irmãos para uma viagem até a zona livre. Caminho difícil, que iniciou os dois anos e meio que ficaram longe da família, enfrentando perigos, doenças e, principalmente, precisando crescer rápido. Amadurecer à força, para poder encarar decisões complicadas e salvar a própria vida.

O filme é uma adaptação da biografia “best-seller” de Joseph Joffo, que conta essa história real. É através dos olhos do menino que ele foi que vemos os acontecimentos.

Sabemos quão terríveis foram esses anos de guerra, especialmente para quem era judeu. A novidade é que há aqui sofrimento e dor, mas há também a amizade entre os dois irmãos, se apoiando frente ao medo e perigos pelos quais passaram.  E a coragem e perspicácia, além da sorte que tiveram, ao passar muito perto da morte certa.

O filme é comovente, nos fazendo temer pelas crianças o tempo todo e suspirar fundo quando conseguem se safar com êxito de situações aterrorizantes.

Impossível não sentir um nó na garganta quando Joseph, o Jojo, pode enfim, gritar a plenos pulmões para que todos ouçam:

“Eu sou judeu!”

Produção modesta, o mérito do filme, dirigido com acerto pela canadense Christian Duguay, é contar essa história que não pode ser esquecida por quem a conhece e ensinar uma lição para as novas gerações. Para que nunca mais se repita.

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O Filme da Minha Vida

“O Filme da Minha Vida”, Brasil, 2016

Direção: Selton Mello

Embrulhado para presente, num dourado iluminado, o filme dirigido e roteirizado por Selton Mello, começa apresentando o jovem personagem principal, vivido por Johnny Massaro, num monólogo em “off”, enquanto imagens belíssimas de Walter Carvalho, mostram o caminho de terra e os trilhos do trem, nos anos 60, no sul do Brasil:

“No começo eu só via o início e o fim dos filmes, dizia meu pai…Depois eu entendi que o meio era tão importante quanto o fim. Meu pai é francês, minha mãe é brasileira (…)

Ele tinha bom coração e acreditava nas pessoas. Poucos amigos mas eram como da família. Era um homem simples e por isso fui estudar na capital. O dia da minha partida foi uma festa. No dia em que voltei com meu diploma de professor, meu pai partiu para a França. E o resto, eu não posso contar”, diz ele com um olhar enigmático.

E é justamente, o meio, o recheio, que vai ser visto em cenas que a memória de Tony guarda da infância com seu pai (Vincent Cassel, presença marcante e bela). O presente é um lugar de conflitos.

A fazendinha, o pomar, a névoa que encobre a paisagem, o campo, o cavalo, a vaca, o galpão onde Tony guardava a bicicleta, seu meio de transporte, ao lado da motocicleta que o pai deixou. Contrastando com a luminosidade idealizada dos dias felizes, o presente é enevoado, a chuva é cinza e a mãe tristonha (Ondina Clais).

Os afetos são tímidos e faz falta a presença do pai que tudo invade. Tony não entende porque ele foi embora sem dar explicações. Qual o caminho a tomar para descobrir por que ele os deixou? E assim se perguntando, vai palmilhar o passado em suas lembranças para libertar seus sentimentos amorosos presos a essa lacuna inexplicável.

Parece que sua vida não pode adquirir uma expressão mais sólida sem essa resposta. Paco (Selton Mello, também atuando), amigo do pai, sujeito rude e afetuoso, é o companheiro desses momentos em que Tony precisa encontrar algo que explique o misterioso comportamento do pai. Mas se Paco sabe algo mais, se fecha em copas.

Uma culpa inconsciente impede Tony de viver o amor por Luna (Bruna Linzmeyer, bela atriz), ela também experimentando sua própria crise de identidade, espelhada na vida da irmã Petra (Bia Arantes), antiga Rainha do Glamour, que não está feliz.

Mas é o trem, no seu ir e vir, dirigido por um inspirado Rolando Boldrin, que será o símbolo da busca que faz Tony finalmente amadurecer. Compreende que a pressa não leva a lugar nenhum. E que o ritmo da vida tem que ser vivido com calma. Sem impaciência.

Relembrar o trauma da rejeição parece começar a lançar luz sobre a escuridão. E depois da tempestade tudo fica mais claro e convidativo.

“O Filme da Minha Vida” é o terceiro longa de Selton Mello, que assinou “Feliz Natal” de 2008 e ”O Palhaço” de 2011. Belo e nostálgico, sua história (“Um Pai de Cinema”) vem do escritor chileno Antonio Skármeta (“O Carteiro e o Poeta”), que faz uma ponta como dono do bordel.

Bem acabado, com uma excelente reprodução de época, o filme nos transporta para um Brasil de afetos sinceros, embalados por uma trilha sonora perfeita que vai de Nina Simone a Aznavour, passando por Sergio Reis cantando “Meu Coração não é de Papel”.

O filme de Selton Mello é um momento de agridoces recordações que envolve a plateia com uma força inesperada. Adorável.

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