A Casa que Jack Construiu

“A Casa que Jack Construiu”- “The House That Jack Built”, Dinamarca, França, Alemanha, Suécia, 2018

Direção: Lars von Trier

Na tela negra, a tradução de um diálogo que ouvimos entre dois personagens:

“- Posso perguntar algo? ”, diz o mais jovem.

“- Poucos conseguem ficar em silêncio durante essa caminhada…Só não pense que vai me contar algo que já não ouvi antes…” responde o mais velho.

Ninguém entra no cinema para ver o novo filme de Lars von Trier sem saber do que se trata. Fartamente comentado, ficamos sabendo que em Cannes, onde passou pela primeira vez, fora da competição, pessoas se retiraram da sessão, escandalizados. Mais uma vez, o diretor dinamarquês consegue chocar. Lembram-se da polêmica entrevista em Cannes sobre “Melancolia”? Foi expulso do festival. Ele volta agora com um filme sobre a Maldade.

Relembremos o diálogo inicial do filme. Virgílio, o poeta romano que viveu de 70 aC a 19 aC e que figura na “Divina Comédia” de Dante como aquele que o acompanha na caminhada pelos círculos do Inferno e Purgatório, é o velho sábio interpretado pelo ator alemão Bruno Ganz, que dialoga com Jack, o “serial killer”, na pele do ótimo Matt Dillon.

Jack vai encenar e comentar com Virgílio o que ele diz que são “incidentes”, cinco, ocorridos em 12 anos. São assassinatos que Jack chama de obras de arte. Assina fotos tiradas dos corpos como “Mr Sophistication”.

O primeiro deles ocorre quando uma bela mulher (Uma Thurman) precisa de ajuda para consertar o macaco (“jack”) do carro. Pega carona com Jack e estranhamente começa a comentar ironicamente o erro que cometeu, já que um estranho como ele poderia ser um “serial killer”. Ele ainda não é mas ela se torna sua primeira vítima.

E assim continua o filme, com Jack e seus “incidentes”, tudo com um humor bem negro e bastante sadismo nos detalhes.

Nos intervalos, Jack que é engenheiro mas sempre quis ser arquiteto, compra um terreno em frente a um lago e tenta construir sua casa. Mas, obsessivo, não consegue chegar ao que almeja e destrói tudo para recomeçar. No fim uma arquitetura macabra abre o caminho de Jack para o Inferno.

Durante o filme vemos cenas filmadas do pianista Glenn Gould, que era um obsessivo em busca da perfeição, tocando Bach. Quadros de diferentes pintores ilustram os “incidentes”. Fotos da vida real e outras encenadas. O arquiteto nazista Albert Spier e suas construções. E várias outras referências culturais que justificariam as ações de Jack. Assim pensa ele.

Virgílio é paciente, escuta, critica mas Jack sempre tem razão. E não se arrepende de nada.

Obsessivo compulsivo, psicopata, narcisista, perverso, misógino, antropofóbico, misantropo, nenhum rótulo explica Jack. Ele seria um produto de suas próprias escolhas, parece concluir Virgílio, que o abandona à própria sorte.

Lars von Trier escolheu ser um cineasta que fala de suas angústias através de seus personagens. Vão ver seus filmes aqueles que querem e não se assustam tanto assim em encarar o lado mais escuro do ser humano.

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